BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) vai fazer uma auditoria no sistema de denúncias e de combate a assédio da Caixa. A decisão foi anunciada nesta quarta-feira, 29, pela presidente do TCU, ministra Ana Arraes, em meio aos escândalos de assédio sexual que recaem sobre o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e que já são alvos de investigação pelo Ministério Público Federal.
Nas denúncias que funcionárias do banco relataram ao site “Metrópoles”, elas foram claras em dizer que não denunciaram antes as situações por medo de serem perseguidas. As vítimas disseram ainda não confiar nos canais de denúncias internas do banco, sendo que a Caixa possui um setor específico, a sua Corregedoria, que tem entre suas atribuições a apuração de casos do tipo.
“Nesse contexto, tendo em vista as recentes notícias veiculadas na imprensa, sobre denúncias de assédio no âmbito da Caixa Econômica Federal, que envolvem o Presidente da instituição, considero pertinente que este Tribunal realize ação de controle para avaliar o grau de maturidade dos instrumentos e das práticas de que esse banco público dispõe para prevenir e punir casos de assédio”, afirma Ana Arraes, em seu comunicado.
“O assédio no ambiente de trabalho é tema de grande relevância que precisa ser mais bem enfrentado no âmbito da administração pública, uma vez que, além dos efeitos danosos à vítima, ainda ocasiona prejuízos à instituição e à sociedade.”
A ministra afirmou que órgão de fiscalização superior, como o Tribunal de Contas da União, “não só podem, como devem efetivamente atuar para a construção de um sistema eficaz de prevenção e combate ao assédio” nos órgãos e entidades públicas, como vem ocorrendo em outros países.
“Esse episódio recente, que merece ser investigado e, se confirmado, punido com todo rigor, é apenas um sintoma grave de um problema muito maior, que é a ausência de políticas eficazes de prevenção e combate ao assédio nas organizações públicas. E, se formos tratar a situação apenas com olhar punitivo, isso não resolverá o futuro, apenas o passado”, declarou Ana Arraes.
Conforme a reportagem do Metrópoles, uma das funcionárias ouvidas afirmou ter conhecimento do caso de uma colega de trabalho que resolveu comunicar uma situação de assédio que experimentou dentro da instituição, mas logo depois sua “denúncia” chegou às mãos de funcionários do gabinete de Guimarães. “A gente tinha muito receio, porque a corda arrebenta sempre do lado mais fraco, porque em qualquer lugar em que vá essa denúncia ele pode ter um infiltrado. E isso afeta o resto do meu encarreiramento, no aspecto profissional. Então, era melhor esperar passar”, disse. “Noventa por cento das mulheres não vão falar porque ele tem poder.”
O Tribunal fez um levantamento sobre os sistemas de prevenção e combate ao assédio moral e sexual das organizações públicas. A fiscalização, realizada por iniciativa do ministro Bruno Dantas e relatada pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, trouxe práticas adotadas por entidades públicas que resultaram em modelo de avaliação do sistema de prevenção e combate ao assédio moral e sexual, com o objetivo servir de critério para futuras fiscalizações do TCU.
Estudos realizados em 2019 e 2020 pela Controladoria-Geral da União sobre o tratamento de casos de assédio revelaram que poucos processos disciplinares são instaurados para investigar casos de assédio. No período de janeiro de 2015 a outubro de 2019, apenas 49 processos disciplinares sobre o assunto foram examinados. Desses, menos de 40% resultaram na aplicação de alguma penalidade.
Já em relação ao assédio moral, foram instaurados 270 processos disciplinares no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, dos quais apenas 20% resultaram em alguma penalidade, sendo que mais de 60% das ocorrências foram arquivadas. “A pequena quantidade de processos disciplinares e os poucos desfechos em que houve aplicação de sanção revelam descompasso com a realidade retratada em pesquisas efetuadas sobre o tema”, afirma o documento assinado por Ana Arraes.
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho, mais de 52% das mulheres economicamente ativas já foram vítimas de assédio sexual no trabalho. Outra pesquisa realizada pelos institutos Patrícia Galvão, Laudes Foundation e Locomotiva Pesquisa e Estratégia, de 7 a 20 de outubro de 2020, aponta que as mulheres são as principais vítimas de violência e assédio no trabalho.
Das 1.000 mulheres e 500 homens entrevistados, 92% acreditam que as mulheres sofrem mais constrangimento e assédio no mercado de trabalho e 58% conhecem alguma mulher que já sofreu preconceito e assédio por ser mulher. “Sabe-se também que as vítimas de assédio deixam de denunciar o agressor por receio de retaliação, medo de ter suas carreiras prejudicadas e descrença na solução do problema.
“Todo esse quadro evidencia a necessidade de as organizações possuírem sistemas eficazes de prevenção e combate ao assédio. Independentemente dos casos concretos que eventualmente estejam sendo investigados pelo Ministério Público Federal, creio que é importante a atuação deste tribunal sob a perspectiva de avaliação e proposta de aprimoramento do Estado, o qual deve servir de exemplo para os outros setores da sociedade”, afirmou a presidente do TCU.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.