Cresce a pressão para ser tirada do papel a licitação de novo terminal de contêineres na área do Porto de Santos para desafogar a movimentação de cargas no maior porto da América Latina. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que fez uma auditoria sobre a paralisação do processo há quase dois anos, solicitou que o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) e a Autoridade do Porto de Santos (APS) retomem a licitação do terminal STS10, na região do Saboó, em até 30 dias, conforme informação obtida pelo Estadão.
Ao mesmo tempo, o relatório determina que seja encerrado o contrato do Ecoporto, um terminal de contêiner de pequeno porte e que desde junho de 2023 opera precariamente, por despacho decisório da APS, em parte da área reservada para o STS10. A indicação do TCU é que seja firmado um contrato de transição, que tem prazo de 180 dias e não é renovável, com o Ecoporto. O STS10 tem capacidade prevista de movimentação superior a 2 milhões de TEUs por ano.
Conforme o despacho do TCU ao MPor, fica determinada “a imediata retomada da licitação da área disponível do Saboó para a movimentação de contêineres (STS10)”. Observa que isso deve ocorrer no prazo de 30 dias no caso de não haver demonstração objetiva e definitiva, fundamentada em documento técnico, que considere aspectos econômicos, financeiros, técnicos e jurídicos, que comprove a vantajosidade da adoção de solução diversa, pela via licitatória, à do STS10. O terminal, aponta, na área do Saboó, visa solucionar o problema de falta de capacidade de movimentação de contêineres no Porto de Santos.
O documento do TCU propõe encaminhar à APS, à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e ao MPor o relatório para apresentar os comentários dos gestores sobre propostas tanto para o STS10 quanto para o Ecoporto. E determina que APS e Antaq, “com fundamento no art. 4º, inciso II, da Resolução TCU 315, de 2020″, tomem as medidas necessárias, dentro de suas competências, para promover a regularização jurídica do Ecoporto, no prazo improrrogável de 30 dias corridos”.
O Estadão apurou que a APS recebeu a solicitação do TCU no início de agosto, mas não considerou retomar o processo de licitação no prazo determinado. Num documento de 20 páginas à Corte, com ilustrações, teceu vários argumentos sobre a complexidade em adotar todas as medidas requeridas no relatório relativas ao porto, entre elas a retomada do STS10 no prazo estipulado.
A APS faz uma crítica ao tribunal, alegando que, desde 2022, o projeto do terminal foi preterido, considerando a desestatização do porto, e que “não gerou desde então maiores questionamentos ou interrogações por parte do tribunal, como ora verificado”.
A privatização do porto foi descartada pelo novo governo federal, a partir de 2023, e, com isso, relegado o projeto de construção do novo terminal de contêineres em Santos. A resposta da APS contesta as conclusões do relatório, ao afirmar que “diversos documentos e informações importantes foram ignorados, ou teriam passado desapercebidos pela análise da equipe técnica do Tribunal”.
Procurada, a APS, por meio da assessoria, minimizou a importância do relatório do TCU, dizendo que houve apenas um parecer do setor técnico do órgão, com recomendações ao MPor e fazendo sugestões. Que após consultar a APS, o ministério acatou suas explicações e informou ao tribunal que o porto “opera normalmente, com eficiência, e consegue atender a demanda”. E que com projetos de expansão e outros investimentos públicos e privados em curso poderá garantir atendimento da demanda de cargas, inclusive contêineres, até depois de 2030.
O TCU informou, via assessoria, que não faria comentários adicionais sobre o processo, pois não há decisão do Tribunal ou documentos públicos no momento. O assunto está na relatoria do ministro Jhonatan de Jesus.
Leia também
A retomada da licitação do STS10 ganhou apoio de entidades ligadas a donos de cargas que utilizam o porto santista para, principalmente, exportações. Ações urgentes são pedidas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), além do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), de armadores de contêineres, e do Cecafé, dos exportadores de café.
O Estadão teve acesso aos ofícios encaminhados pela entidade da indústria paulista aos ministros da Casa Civil e do MPor explicando os gargalos existentes no porto santista e pedindo soluções, como a do novo terminal.
No documento, assinado por Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, a entidade destaca que a utilização da capacidade para movimentar contêineres em Santos já atinge 93%, patamar considerado preocupante e que requer ações para saná-lo ou minimizá-lo no curto e médio prazo. Ressalta que esse porcentual está substancialmente acima dos 70% recomendados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para assegurar eficiência operacional nas operações portuárias.
A proposta do STS10 é a única existente hoje para se erguer um novo terminal de contêiner em Santos. O último projeto instalado é de 2013. A licitação está paralisada desde 2022 e a sua retomada é de responsabilidade da APS, a antiga Codesp, que é a gestora do porto e recebeu essa autonomia neste ano do novo ministro do MPor, Sílvio Costa Filho, que substituiu Márcio França.
Segundo aponta a Fiesp, o STS10 tem capacidade projetada de 2,3 milhões de TEUs ao ano e traria o porto de volta para a zona de eficiência operacional na movimentação desse tipo de carga. “Por isso, é preciso acelerar o processo de concessão desse terminal”, ressalta. E acrescenta: o porto santista dispõe de capacidade para movimentar 5,3 milhões de TEUs ao ano, mas que já atingiu 5 milhões de TEUs no ao passado.
A entidade pede no documento que deve ser preservada a área originalmente prevista para o terminal, no Saboó, de forma a aproveitar ganhos de escala com um terminal de grande porte como o STS10. Chegou-se a cogitar transferi-lo para o final do canal, na Vila dos Criadores, local com vários problemas - desde ambientais a fundiários - e dividir a área do Saboó entre o Ecoporto e um novo terminal de embarque de passageiros.
Outro ponto destacado pela Fiesp é a dragagem do canal do porto santista. Conforme aponta, hoje o calado alcança o máximo de 14,5 metros, criando restrições à passagem de navios porta-contêineres de grande porte, como a classe New Panamax. Para recebê-los, sem limites de peso e navegação, o mínimo teria de ser de 16 metros. “A operação com navios menores ou com carregamento abaixo da capacidade é mais cara e menos eficiente”, afirma.
A Fiesp diz que a ampliação de investimentos no Porto de Santos é importante, mas pede atenção para a necessidade, urgente, da priorização pela APS nas áreas de movimentação de contêineres, “sob pena de perda de capacidade de atender a demanda de cargas de Santos para outros portos e regiões”. Aponta que o STS10, conforme auditoria do TCU, em março deste ano, não deve ter a área destinada a ele fatiada, como se cogitou, em três partes e usada para outras finalidades. “O relatório do tribunal apresenta argumentos a respeito do “estrangulamento futuro da infraestrutura do porto e os auditores também apontam prejuízos se o porto não tiver um novo terminal de contêineres”, observa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.