Flávio França trabalhava em uma das maiores multinacionais de consultoria de gestão, serviços de tecnologia e outsourcing e ganhava um bom salário. Para quem via de fora, tudo parecia perfeito, mas o jovem formado em ciências da computação se sentia sufocado. "O dia a dia na empresa era muito tedioso, cercado de burocracia e preso a uma hierarquia e formas de pensamento muito formais", diz. Para enfrentar o quadro, a solução de França foi mudar de lado e tornar-se patrão. Ele fundou uma empresa, Cidade Online, que agrega informações em tempo real sobre o Rio de Janeiro. "Sinto-me realizado por finalmente alcançar o sonho de trabalhar com meus projetos e minhas ideias."No caso de Kátia Shimabukuru, a situação foi mais dolorosa. "Trabalhava em uma empresa de assessoria linguística. Coordenava trabalhos de tradução e interpretação, além de um curso de português para estrangeiros. Chegou um momento em que o clima estava ruim, não havia mais desafio nem estímulo. Eu não aguentava mais dar aulas também. Ir para o trabalho era um peso", conta. "Não havia nada no emprego que me estimulasse. Sou o tipo que veste a camisa, preciso vestir a camisa para trabalhar bem. Fiquei um bom tempo nesse tédio." Kátia diz que passou meses chorando. A hora da virada veio com o convite de um amigo para fazer revisão de vídeo, área na qual ela não tinha experiência, mas acabou aceitando o desafio. "Aprendo e me adapto rápido. Gosto de computadores e de tecnologia, então foi um tiro certeiro. Virei revisora freelancer e faço isso até hoje, há quase dez anos. A mudança só me trouxe uma vida melhor", afirma.Segundo enquete realizada pela consultoria Fellipelli com mais de 1,3 mil voluntários, a falta de oportunidades de desenvolvimento foi apontada como o fator que mais desmotiva os colaboradores nas corporações. Já a segunda maior causa de desânimo foi a falta de reconhecimento de desempenho.Outros motivos para a perda do interesse são ter de lidar com um líder controlador e autoritário, desempenhar funções que não utilizam as competências do profissional e a falta de feedback (veja quadro nesta página)."Trabalhar com motivação é fundamental para o sucesso de qualquer pessoa e, consequentemente, do negócio ou empresa. A realização profissional, o crescimento na carreira, metas alcançadas, bônus, enfim, tudo é consequência de motivação", diz o diretor de relacionamento e negócios da Fellipelli, Caio Infante.Ele acredita, no entanto, que grande parte do estímulo deva vir do próprio colaborador com relação aos desafios e tarefas que fazem parte do seu escopo de trabalho. "A empresa fica responsável por uma parcela menor da motivação, mas nem por isso menos importante, pois ela deve criar um ambiente saudável e competitivo para que as pessoas se desenvolvam e percebam sua importância para a companhia", acrescenta.A especialista em coaching Iranise Pedro ressalta o papel da organização. "A ação realizada no trabalho precisa ter um motivo que faça sentido para o colaborador. Infelizmente, algumas empresas pecam por não conseguir criar uma visão compartilhada de futuro que inspire e dê uma direção clara para os seus colaboradores", afirma ela. Estudos e manuais de recursos humanos apontam que, se a corporação não divulga para os funcionário seus objetivos, desafios, metas para os próximos anos e estratégia, há o risco de ela criar um ambiente desfavorável à troca de ideias e, assim, desestimular o funcionário. Isso ocorre em consequência de o colaborador não saber se o que está fazendo se harmoniza com seus planos de carreira."Quando estou numa empresa apenas para receber um salário no fim do mês e o que faço não faz parte do que quero para mim como profissional, surge o desestímulo, a falta de motivação e o tédio", diz a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Leyla Nascimento.Neste caso, tanto o profissional quanto o empregador saem perdendo. De acordo com Leyla, o primeiro deixa de lado a oportunidade de demonstrar seu potencial de trazer soluções para o seu desenvolvimento e o da empresa. E o outro perde seu investimento financeiro no capital humano e tempo de desenvolvimento do negócio, além do desgaste emocional de todos."Quando tenho orgulho de trabalhar numa empresa, sinto que contribuo, sou reconhecido e que estou crescendo. Chego em casa e transmito tudo isso", diz.A professora de psicologia organizacional da PUC-SP Carmem Rittner comenta que, ao ficarmos entediados com nosso trabalho, carregamos uma espécie de "entulho psicológico". Os entediados se tornam mais ansiosos, inconstantes e irritadiços, o que pode acabar afetando sua saúde, causando enxaquecas, problemas de coluna, insônia e, em casos mais graves, depressões. É importante, diz Carmem, que a empresa esteja atenta aos sinais. Um funcionário que acha que seu trabalho não é reconhecido, que ganha mal, que não se adapta às mudanças da empresa ou da equipe é um forte candidato ao tédio. "Reconhecimento ajuda a manter um colaborador motivado e ativo na empresa. A valorização do indivíduo, independentemente de seu crescimento orgânico (na hierarquia) é uma necessidade do colaborador, pois satisfaz parte dos anseios e da construção de uma carreira de sucesso", afirma Infante.Ele diz que o funcionário, ao saber que está contribuindo, que suas ideias têm valor e que suas atividades impactam diretamente no resultado da empresa, contribui para manter colaboradores satisfeitos e um bom ambiente de trabalho.Segundo os consultores ouvidos, antes que ele alimente seus colegas com o desânimo e a falta de motivação, os líderes devem procurar saber a causa do problema e como e podem ajudá-lo.Infante, no entanto, alerta que é necessário o colaborador saber se está realmente no ramo certo de atividade. "As tarefas e desafios da função em si, independentemente da organização a que a pessoa pertença, ajudam a identificar se a pessoa está na área certa, motivada e feliz. Colocar a culpa somente na empresa ou chefe pode demonstrar que, realmente, está na área ou carreira errada."
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