O banqueiro Roberto Setubal, copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, afirma que o País precisa de um candidato à Presidência da República que possa se contrapor à polarização atual. Acredita que os favoritos à disputa hoje – o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula – já tiveram sua chance, mas não conseguiram fazer as reformas necessárias para o crescimento sustentado do Brasil. No caso de Bolsonaro, diz que a gestão é decepcionante em relação ao que foi prometido na campanha. Nesta entrevista, ele também fala da situação econômica, sobre a agenda de diversidade nas empresas e as mudanças em curso no Itaú.
Inflação alta de novo, desemprego gigantesco e ainda tem a pandemia. A impressão que temos não é apenas de que o País está parado, mas, pior, que ele está desandando. É possível reverter esse cenário a curto prazo, ainda mais levando em conta que teremos uma eleição que promete ser tensa ano que vem?
Não, não é possível. Na verdade, vejo a economia brasileira em decadência. Estamos há aproximadamente 40 anos sem crescimento da renda per capita. Isso é gravíssimo e, de certa forma, é diferente do que aconteceu no mundo. Vários países eram pobres há 50 anos e, hoje, estão se aproximando da renda dos países desenvolvidos. Nós, nos últimos 40 anos, tivemos momentos de melhora, como quando se controlou a inflação. Mas, de forma geral, continuamos no mesmo nível de renda de 40 anos atrás. Isso é um desastre do ponto de vista social. Não vamos melhorar a renda das pessoas sem crescimento. Eu acho que o País não vem focando no crescimento.
O que o sr. chama de focar no crescimento?
A economia precisa de um choque. Precisamos entrar numa agenda forte de reformas, que precisam focar no aumento da produtividade da economia e no aumento dos investimentos. Penso, por exemplo, em uma reforma trabalhista que aumente a produtividade. Abertura econômica também aumenta a produtividade. Sem falar numa reforma tributária. Temos um sistema tributário muito complexo e repleto de distorções, que foi sendo criado por remendos com objetivo único de aumentar a arrecadação. Não tem qualquer objetivo de justiça social, nem de fazer a economia alocar recursos eficientemente.
Mas houve uma reforma trabalhista em 2017. O sr. acha que é preciso mudar mais coisas?
Acho que melhorou alguma coisa, mas acredito que ainda está longe de ser o que nós precisamos de verdade para tornar o Brasil mais competitivo.
O sr. espera alguma reforma ainda neste governo?
Difícil, mas não é só pelo governo. Não culpo só esse governo, ou o governo anterior, ou o outro. A estrutura partidária do Brasil hoje, com, sei lá, mais de 30 partidos no Congresso, torna muito difícil conseguir uma maioria efetiva para aprovar reformas. Quando se propõe uma mudança hoje, com 30 partidos, para se formar essa maioria acaba fazendo muitas concessões, muitas coisas que acabam descaracterizando os projetos. Isso quando se consegue aprovar. É necessário reduzir o número de partidos.
Nos últimos meses, empresários, empresas e associações têm manifestado inquietação com os rumos do País, com uma ênfase que não se via antes. Foram cartas e declarações em defesa do meio ambiente, das reformas e da democracia. O que fez vocês se exporem mais, principalmente contra posições do governo?
É importante a sociedade civil se manifestar. Mostrar sua preocupação, a importância de se ter um ambiente político mais estável, menos extremado. É o início de uma conscientização de que precisamos fazer mudanças no País. Acho que talvez seja o início de um processo político mais amplo. E, a meu ver, tem um impacto junto aos políticos. A própria Febraban fez uma manifestação, o que é uma certa novidade. Sempre foi muito low profile, e dessa vez se colocou um pouco mais claramente em relação a todos esses problemas. Quando se olha a lista de todo mundo que se manifestou, as entidades, principalmente, é algo muito significativo.
Também há empresários e executivos importantes vindo a público manifestar o apoio a uma terceira via nas eleições presidenciais do ano que vem, em contraponto ao presidente Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. O que o sr. pensa disso?
Eu também gostaria que nós tivéssemos uma terceira via bem mais forte, com reais chances de ganhar a eleição. Acho que os últimos governos, alguns candidatos que estão aí, já tiveram a sua chance e não fizeram a renda per capita brasileira crescer, não fizeram as reformas necessárias. Gostaria de ver um candidato com mais intenções reformistas, mais agenda de crescimento econômico, acho que seria importante para sairmos dessa inércia em que nos encontramos. O mundo anda, e nós estamos ficando para trás.
Mas o sr. acredita que apareça um terceiro candidato para fazer frente aos dois favoritos de hoje?
Tenho de acreditar. Hoje há dois candidatos fortes, e isso, obviamente, torna uma terceira via mais difícil. Mas temos de acreditar. É muito importante que haja uma união do centro para que isso possa ocorrer, para que haja um único candidato mais forte. Eleição é o tipo de coisa que muda rápido, nós já vimos prévias um ano antes mudarem completamente... Eu acho que estamos em um ambiente de mudanças, todo mundo está querendo mudanças, porque tem muita coisa que não está andando como deveria. Acho que esse ambiente favorece uma terceira via, se for bem trabalhada. Então, eu vejo, sim, chances de que ela possa ganhar uma eleição. Tenho a impressão de que, se um candidato da terceira via chegar ao segundo turno, as chances de ganhar são muito grandes.
Como o sr. avalia o governo Jair Bolsonaro?
De certa forma, é uma decepção em relação àquilo que foi prometido na campanha. Ele foi mudando radicalmente ao longo do seu mandato. A gente imaginava muito mais reformas, muito mais mudanças, e elas acabaram não acontecendo. Claro, pode-se dizer que teve pandemia, que teve uma série de coisas, mas o fato é que as coisas não aconteceram como nós gostaríamos.
Mudando de assunto, o mercado tem visto nos últimos anos a ascensão de fintechs e bancos digitais, que passaram a competir com as instituições tradicionais. Como o sr. vê esse movimento?
As novas tecnologias tiraram muitas vantagens competitivas que os bancos construíram ao longo de sua história. Por exemplo, antes era muito difícil um banco novo chegar ao mercado, porque precisava construir uma rede de agências. Hoje, não se precisa mais disso. A arena de competição mudou. Mas, para os bancos grandes, que desenvolveram sua tecnologia ao longo de 40 anos, é um desafio mudar essa tecnologia. É como trocar a turbina do avião em pleno voo. No caso do Itaú, nós estamos com 15%, 20% do banco já na nova tecnologia. No final do ano que vem, nós imaginamos já ter uns 50% do banco na nova tecnologia. Acho que em 2023 já estaremos bem adiantados nesse processo, e aí seremos bastante competitivos com as fintechs.
E, no fim, o que acontece? Os grandes bancos vão comprar as fintechs?
Como em todas as áreas onde as tecnologias novas estão tendo grande impacto, tem algumas empresas novas que vão ter sucesso, e outras, não. Dentre as fintechs, também vamos ter uma situação dessas. Aquelas que tiverem sucesso vão se transformar em empresas grandes, importantes. As que não tiverem sucesso, enfim, ou vão desaparecer ou vão ser compradas, acho que esse é um pouco o final da história.
Mas os bancos maiores vêm pleiteando uma mudança na regulação das fintechs, certo?
Nessa política de permitir a expansão das fintechs, o Banco Central relaxou um pouco a exigência de capital dessas empresas. Hoje, elas têm um tratamento diferenciado. O que os bancos vêm pleiteando é a uniformidade das regras. Quer dizer, as regras de Basileia (o Índice de Basileia mede a relação entre o capital do banco e quanto ele empresta) preveem que empresas muito pequenas tenham pouco capital, e isso vai crescendo à medida que elas vão tendo um certo risco sistêmico, porque aí pode dar problema no sistema financeiro. Na medida em que vai aumentando o tamanho da empresa, mais capital é necessário. E já temos empresas no sistema financeiro que não são mais pequenas, mas ainda seguem uma regra de capital menos exigente, são beneficiadas. É uma coisa que os bancos estão – acredito que com razão – pleiteando no Banco Central.
A Itaúsa (holding que detém 37% do capital do Itaú) vem diversificando bastante nos últimos tempos. Qual é a estratégia?
Bom, a Itaúsa tem feito uma transformação de portfólio muito relevante. Só para lembrar, tínhamos uma empresa que nem existe mais, a Itautec. Acabamos vendendo as partes e o que sobrou, fechamos. Tínhamos a Elekeiroz, que era uma empresa pequena, da área química, e que também foi vendida. Hoje, temos participações na Alpargatas (calçados e artigos esportivos), na NTS (gasodutos), na Aegea (saneamento), na Copagaz (gás de cozinha)... Mudamos bastante o portfólio. E a ideia é continuar crescendo.
Como ficou a questão da participação na XP?
Nós já declaramos que a XP não é um investimento estratégico, ou seja, não é um investimento que pretendemos ter no longo prazo. Até porque é uma competidora do banco. A ideia é que, de alguma forma, ao longo dos próximos cinco anos provavelmente vamos nos desfazer desse investimento. E isso é bastante relevante, porque o investimento que o banco fez na XP, que chegava a 48% no início, representou agora, nesse momento da cisão, cerca de 20% do valor do banco. Ao longo do tempo, vamos trocar esse investimento na XP por outros investimentos. Ou até distribuir alguma coisa para os acionistas. Não é uma decisão ainda tomada, mas, enfim, ela abre espaço para uma diversificação maior.
Deu um conflito aí entre as duas empresas, mas o retorno foi…
Foi espetacular, sem dúvida. Mas o que precisa ser entendido é que, originalmente, o acordo era que, ao longo do tempo, o Itaú chegaria ao controle da XP. Tinha todo um processo. Mas, na hora em que o Banco Central reprovou essa chegada ao controle, ficou um negócio super conflituoso. Ao virarmos concorrentes diretos, como é que fica eu ter uma presença no conselho da XP? Como é que fica eu estar lá, no comitê de auditoria? Tudo isso teve de ser repensado. E, enfim, se é um concorrente do banco, eu não posso tê-lo dentro do banco. Então, o primeiro passo foi tirar de dentro do banco. A Itaúsa recebeu essas ações e, ao longo do tempo, vai se desfazer, acabando de vez com qualquer conflito. Mas foi um ótimo investimento, espetacular. E acho que foi bom para eles também. O Itaú deu a eles um respaldo que acelerou muito o crescimento deles.
Vocês hoje estão bem?
Estamos bem. Não tenho problema com o Guilherme Benchimol, com a XP. Óbvio, somos competidores. Como também nos damos bem com o presidente do Banco do Brasil, do Bradesco, do Santander. Enfim, conversamos, estamos no mesmo mundo, há uma convivência natural.
A agenda ESG (sigla em inglês para as ações ambientais, sociais e de governança) ganhou mais impulso dentro das empresas durante a pandemia. Em que medida o sr. acha que essa agenda veio para ficar?
Veio para ficar, com certeza. A questão ambiental é parte relevante dessas preocupações, mas há também a questão da diversidade e da inclusão social. São demandas muito claras da sociedade, são justas, e você se ajusta para atendê-las ou fica fora da realidade.
Como vocês tratam disso no Itaú?
De forma geral, temos mais mulheres do que homens, embora nas posições mais altas o número de homens ainda seja maior. Temos de 15% a 20% de negros e pardos, e 6% de funcionários que se declaram LGBTQIA+. Estamos trabalhando para aumentar esses números. Nossa ideia é dar mais oportunidade de entrada a essas pessoas nas contratações e ajudá-las a subir na carreira. No caso das mulheres, por exemplo, elas estão muito concentradas no atendimento de clientes. Como abrir espaço? Aqui no banco temos um comitê de promoção. De gerente para cima, o chefe já não pode mais decidir sozinho a promoção de uma pessoa que ele gosta. Tem de submeter isso a um comitê, que leva em conta a diversidade. E o que estamos caminhando para fazer é incluir, obrigatoriamente, uma mulher entre as pessoas que vão disputar o cargo.
O sr. falou da importância da mudança tecnológica dentro do mercado financeiro. A escolha do Milton Maluhy para a presidência do banco (ele assumiu o comando em fevereiro, em substituição a Candido Bracher) teve a ver com essa questão?
Nas nossas discussões, quando chegou próximo da sucessão, começamos a olhar pra frente e vimos que precisávamos de muita mudança. Importante esse ponto de olhar para a frente e não para trás, para entregar medalhas. Não necessariamente o Milton é aquele que mais fez pelo banco até hoje. Outros candidatos até fizeram muito mais e eram merecedores, digamos assim, de uma promoção para a presidência do banco. Mas olhamos para a frente, para as mudanças, para o futuro. Então, a escolha do Milton veio com um objetivo de mudança. É uma missão dele, e ele tem energia para isso, tem a idade para isso, está com 40 e poucos anos. Estamos muito satisfeitos com a escolha, com o que ele já está fazendo no banco, a motivação, o dinamismo que ele trouxe, que são elementos essenciais nesse processo de mudança. Muito aberto pra ouvir, muito aberto pra mudar. Estamos bastante satisfeitos com a escolha que fizemos.
É uma mudança de cultura no banco?
Sim. Fala-se muito em tecnologia pensando nos bytes e bits, nas coisas mais ligadas a programação, mas na verdade isso tem de vir acompanhado de uma mudança cultural muito grande, na forma como o banco se organiza. O que temos feito é organizar o banco não mais na forma hierárquica tradicional, mas sim no que a gente chama de comunidades e squads. São agrupadas pessoas de várias expertises – uma pessoa de produto, uma pessoa do comercial, de atendimento ao cliente, da área de tecnologia, uma pessoa, da área, de sei lá, tributação, se for o caso. Todos eles trabalhando juntos, o que torna os processos muito mais rápidos.
Quando o sr. busca um executivo, que tipo de qualidade procura nele hoje?
Eu sempre falo assim: todo mundo que fez uma faculdade de primeira linha vai chegar no banco a gerente, superintendente, caso se dedique minimamente. A partir dessa gerência média, são necessárias muitas qualidades, chamadas de soft skills, para subir: capacidade de liderança, motivação, interação com as pessoas, é um elemento muito mais humano do que técnico. Não basta conhecer profundamente algum tema se você, num banco como este, onde precisa interagir permanentemente com as pessoas, não tiver capacidade de comunicação, de interação, de criar empatia com as pessoas. Você não vai progredir, porque não consegue realizar coisas. A sua capacidade de realização estará muito ligada à sua capacidade de liderar, motivar, de fazer todo mundo trabalhar naquele objetivo que você está propondo. Então, esse é um elemento fundamental, na minha forma de ver, e de importância crescente.
O sr. já foi presidente executivo, agora está como copresidente do conselho (ao lado de Pedro Moreira Salles). O que vem pela frente? Qual é o próximo passo para quem já fez tudo?
Primeiro, eu estou muito satisfeito, feliz com o banco, com o que estamos vendo aqui dentro, as transformações em andamento. No meu caso e no do Pedro, nós nos entendemos muito bem. Somos muito complementares. É uma interação muito agradável, muito positiva, muito construtiva, ele me ouve, eu o ouço. Então, estou muito confiante com o banco. Óbvio que eu vou continuar ainda vários anos como presidente do conselho do banco. Quero contribuir pra isso, para que as coisas caminhem bem. Não tenho nenhuma outra ambição profissional. Acho que eu já tive uma vida profissional de muitas conquistas, muitas realizações. Hoje eu penso muito mais na minha vida pessoal, cuidar desse meu lado, que praticamente não tive durante o período em que fui presidente do banco, porque a agenda de um CEO do Itaú é extenuante, exigente, você não tem muito tempo para você mesmo. Eu olho hoje muito mais sob essa ótica. Obviamente hoje, como presidente do conselho, tenho uma agenda muito menos intensa do que eu já tive, posso olhar outras coisas, outros interesses. Minha busca agora é uma realização muito mais pessoal.
O que, por exemplo, o sr. faz hoje e não conseguia fazer antes?
Eu leio mais, eu viajo mais. Me casei de novo recentemente. Enfim, são coisas que a vida agora me permite.
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