The Economist: as lições do surpreendente recorde econômico dos Estados Unidos

Maior economia do mundo está fazendo cada vez mais seus pares comerem poeira

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Se há uma coisa que os americanos de todo o espectro político podem concordar é que a economia está quebrada. Donald Trump, que via o comércio como uma fraude e seu país em declínio, tomou posse prometendo tornar os Estados Unidos grande de novo. O presidente Joe Biden está gastando US$ 2 trilhões para reconstruir a economia, na esperança de reconstruí-la melhor. Os americanos estão preocupados. Quase 80% deles responderam aos pesquisadores que seus filhos estarão em piores condições do que eles estão, o maior registro desde o início da pesquisa, em 1990, quando apenas cerca de 40% estavam tão pessimistas. A última vez em que tantos acreditavam que a economia estava numa situação tão terrível foi em plena crise financeira de 2007-2008.

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Entretanto, a preocupação ofusca uma história de sucesso brilhante – uma experiência de desempenho superior, mas pouco valorizada. Os EUA continuam sendo a economia mais rica, mais produtiva e mais inovadora do mundo. De acordo com um número impressionante de medidas, o país está cada vez mais fazendo os pares comerem poeira.

Começando com a medida conhecida de sucesso econômico: o PIB. Em 1990, os EUA eram responsáveis por 25% da produção mundial, segundo as taxas de câmbio de mercado. Trinta anos depois, esse número quase não mudou, embora a China tenha conquistado influência econômica. O domínio dos EUA entre os países ricos é surpreendente. Hoje, o país é responsável por 58% do PIB do G7, em comparação com 40% em 1990. Ajustado pelo poder de compra, apenas aqueles em petroestados e centros financeiros super-ricos desfrutam de uma renda per capita maior. A média de renda cresceu muito mais rápido do que na Europa ocidental ou no Japão. Também ajustando pelo poder de compra, ela passa de US$ 50 mil no Mississippi, o estado mais pobre dos EUA, acima da média na França.

O registro é igualmente impressionante para muitos dos ingredientes do crescimento. Os EUA têm quase um terço a mais de trabalhadores do que em 1990, em comparação com um décimo na Europa ocidental e no Japão. E, talvez surpreendentemente, mais deles têm diploma universitário e pós-graduação. É verdade que os americanos trabalham, em média, mais horas que os europeus e os japoneses. Porém, eles são significativamente mais produtivos do que ambos.

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Os EUA continuam sendo a economia mais rica, mais produtiva e mais inovadora do mundo. Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

As empresas americanas são donas de mais de 20% das patentes registradas fora dos EUA, mais do que a China e a Alemanha juntas. Todas as cinco maiores ferramentas de pesquisa e desenvolvimento corporativo são americanas; em 2022, elas gastaram US$ 200 bilhões. Os consumidores de todo o mundo se beneficiaram de suas inovações em campos diversos, desde o laptop e o iPhone até os chatbots de inteligência artificial. Os investidores que aplicaram US$ 100 no S&P 500 em 1990 teriam mais de US$ 2 mil hoje, quatro vezes o que teriam ganhado se tivessem investido em outros países do mundo rico.

Rendas maiores, benefícios menos generosos

Uma resposta rápida para isso talvez seja o fato de os americanos trocarem rendas maiores por benefícios menos generosos. Os gastos dos EUA com benefícios sociais, em proporção ao seu PIB, são de fato muito mais mesquinhos do que os de outros países. Mas esses benefícios tornaram-se mais europeus e, conforme a economia crescia, eles aumentaram ainda mais rápido. Os créditos fiscais para trabalhadores e crianças se tornaram mais generosos. O seguro saúde para os mais pobres foi ampliado, principalmente sob o governo de Barack Obama. Em 1979, os benefícios calculados com base na renda recebida representavam um terço do salário dos americanos mais pobres fora os impostos; em 2019, eles chegaram a dois terços. Graças a isso, a renda dos 20% mais pobres nos EUA aumentou em termos reais 74% desde 1990, muito mais do que na Grã-Bretanha.

Para o mundo como um todo, o desempenho superior dos EUA diz muito sobre como crescer. Uma lição é que o tamanho importa. Os EUA se beneficiam de um grande mercado de consumo para distribuir os custos com pesquisa e desenvolvimento e de um vasto mercado de capitais para conseguir apoio financeiro. Só a China, e talvez um dia a Índia, pode se gabar de um poder de compra dessa escala. Outros países tentaram imitá-lo. Mas mesmo os europeus, os que chegaram mais perto disso, têm tido dificuldades para se tornar um verdadeiro mercado único. As diferenças nas leis de falência e nos termos contratuais, junto com uma variedade de barreiras regulatórias, impedem que banqueiros, contadores e arquitetos promovam serviços fora do país de origem.

O tamanho e a qualidade da mão de obra também são importantes. Os EUA são favorecidos por uma população mais jovem e uma taxa de fertilidade maior que a de outros países ricos. Isso talvez não seja facilmente remediado em outros lugares, porém os países podem pelo menos se inspirar na grande parcela de imigrantes dos EUA, que em 2021 representavam até 17% de sua mão de obra, em comparação com menos de 3% no Japão com sua população idosa.

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Outra lição é o valor do dinamismo. Montar um negócio é fácil nos EUA, assim como reestruturá-lo devido à falência. A flexibilidade do mercado de trabalho ajuda o emprego a se adaptar aos padrões variáveis de demanda. Muitos dos profissionais nos EUA que foram demitidos da Alphabet e de outras empresas de tecnologia no início do ano já estão aplicando suas cobiçadas habilidades em outros lugares ou abrindo suas próprias empresas. Na Europa continental, por outro lado, as empresas de tecnologia ainda estão negociando as demissões e talvez pensem duas vezes antes de fazer novas contratações no futuro.

Os americanos devem considerar o desempenho da economia animador. Se a história funcionar como guia, os padrões de vida vão continuar a subir para a próxima geração, mesmo enquanto o país arca com os custos da descarbonização da economia. Contudo, por mais resiliente que tenha sido o recorde de crescimento, existem fantasmas. A classe média tem visto sua renda após os descontos dos impostos aumentar menos do que a dos mais pobres e dos mais ricos. Um grupo de pessoas passou por um período de grandes dificuldades. A parcela de homens americanos em idade ativa que não trabalham vem aumentando há anos e é maior que a da Grã-Bretanha, da França e da Alemanha. E a expectativa de vida nos EUA fica vergonhosamente atrás da de outros países ricos, sobretudo por causa dos inúmeros jovens morrendo por overdose de drogas e da violência armada. O combate a esses problemas deverá ser mais fácil quando a economia como um todo estiver crescendo. Mas a política tóxica dos EUA não ajuda.

Além disso, quanto mais os americanos pensarem que sua economia é um problema que precisa de ser resolvido, maiores são as chances de os políticos estragarem os próximos 30 anos. Embora a abertura dos EUA tenha trazido prosperidade para suas empresas e seus consumidores, tanto Trump como Biden recorreram ao protecionismo e à política de imigração de forma tóxica. Os subsídios podem impulsionar o investimento em áreas desfavorecidas no curto prazo, mas correm o risco de enfraquecer os incentivos do mercado à inovação. Mais cedo ou mais tarde, eles também vão consolidar o lobby ineficaz e que distorce fatos. Tanto a ascensão da China como a necessidade de combater as mudanças climáticas oferecem novos desafios aos EUA. Mais uma razão, portanto, para lembrar o que impulsionou sua longa e bem sucedida experiência./Tradução de ROMINA CÁCIA

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