Foi um desprezo especialmente incisivo. Faltando ao encontro bianual dos presidentes do Mercosul, Javier Milei, presidente da Argentina desde dezembro, preferiu falar para a extrema-direita em uma Conferência de Ação Política Conservadora no Brasil. “Se o Mercosul é tão importante, todos os presidentes deveriam estar aqui”, reclamou Luis Lacalle Pou, líder centrista do Uruguai, na cúpula em Assunção, capital do Paraguai.
A realidade é que o Mercosul, um bloco comercial que inclui o Paraguai, o Uruguai e agora a Bolívia (formalmente admitida em Assunção), além do Brasil e Argentina, não é mais tão importante. Até mesmo o anfitrião, Santiago Peña, do Paraguai, admitiu que “o Mercosul claramente não está passando por seu melhor momento”.
Milei nunca se encontrou formalmente com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, a quem ele chama de “corrupto” e “comunista” (a Suprema Corte do Brasil anulou a condenação de Lula - e ele é socialista). Mas as incompatibilidades políticas são mais antigas: Jair Bolsonaro, o ex-líder do Brasil, e Alberto Fernández, o antecessor peronista de Milei, também se evitavam mutuamente.
Criado em 1991 como uma área de livre-comércio e união alfandegária, o Mercosul prometia muito. O comércio entre os membros aumentou, em termos reais, de US$ 9 bilhões (R$ 49 bilhões) em 1990 para mais de US$ 31 bilhões (R$ 168 bilhões) em 1996. Duas coisas acabaram com a promessa. O primeiro foi a volatilidade macroeconômica.
O Brasil desvalorizou sua moeda em 1999; a Argentina sofreu um colapso financeiro em 2001-02. Em segundo lugar, a ampliação superou o aprofundamento, já que os líderes políticos, incluindo Lula e os peronistas argentinos, procuraram usar o Mercosul para atrair aliados ideológicos (como os líderes bolivianos) em vez de transformá-lo em uma ferramenta de política econômica. O protecionismo cresceu: desde a crise financeira de 2008, os membros impuseram mais de 400 medidas não tarifárias uns contra os outros.
O comércio intra-Mercosul atingiu o pico de US$ 72 bilhões (R$ 392 bilhões) em 2011. Embora tenham se recuperado recentemente graças à retomada econômica pós-pandemia, a parcela de exportações entre os países do bloco caiu entre as vendas totais dos membros, de um pico de 24% em 1998 para cerca de 11% em 2023.
As exportações agrícolas para a China cresceram muito no Brasil e na Argentina. O comércio administrado em suas indústrias automobilísticas costumava estar no centro do Mercosul, mas em ambos os países a importância relativa da manufatura diminuiu.
Além disso, o Mercosul só conseguiu fechar acordos de livre-comércio com o Egito, Israel e Cingapura, embora esteja conversando com outros países. As negociações para um pacto comercial com a UE foram finalmente concluídas em 2019, 20 anos após seu início. Mas em um mundo cada vez mais protecionista, parece improvável que o acordo seja ratificado pelos países-membros da UE. Os líderes europeus enfrentam a pressão dos lobbies agrícolas, que se opõem ao acordo. Por sua vez, o governo brasileiro tem dúvidas, especialmente sobre a abertura de compras públicas.
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“Qual é o propósito do Mercosul se você não pode expandir o acesso ao mercado?”, pergunta Shannon O’Neil, do Council on Foreign Relations, um think-tank (grupo de reflexão) de Nova York. A resposta de Lacalle é buscar acordos bilaterais. O Uruguai está conversando com a China e a Turquia e quer entrar para a CTPP, um grupo do Pacífico com 11 membros.
Milei ameaça deixar o Mercosul, embora o comércio da Argentina tenha recebido o maior impulso do bloco. O Mercosul deveria ser uma ferramenta para o desenvolvimento econômico de seus membros e uma forma de eles terem mais peso no mundo. O declínio do bloco conspira contra a realização desses dois objetivos.
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