A intenção original era que os presidentes americanos fossem meros executores legais - não imperadores capazes de impor sua vontade unilateralmente. No entanto, com o passar do tempo, o Congresso cedeu cada vez mais autoridade ao Poder Executivo, e os tribunais, o terceiro ramo do governo, abençoaram alegremente o arranjo. Em nenhum outro lugar isso fica mais claro do que na política comercial.
A Constituição concede explicitamente ao Congresso os poderes de “estabelecer e cobrar impostos, taxas, tributos e impostos especiais de consumo” e “regular o comércio com nações estrangeiras”. E, no entanto, as leis aprovadas no século passado entregaram ao presidente o poder de aumentar e diminuir as tarifas conforme sua conveniência. O presidente eleito Donald Trump está prometendo usar imediatamente esses poderes quando retornar ao cargo em 20 de janeiro de 2025, impondo tarifas de 25% sobre todas as importações do México e do Canadá e 10% sobre as da China. Será que ele realmente pode fazer isso?
Legalmente, sim. Para conseguir o que quer, Trump poderia invocar uma infinidade de autoridades legais - algumas com nomes numéricos de três dígitos, como Seção 232 e Seção 301 -, mas a mais direta seria a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA). Essa lei permite que o presidente imponha tarifas com poucos limites (“para lidar com qualquer ameaça incomum e extraordinária... se o presidente declarar uma emergência nacional com relação a tal ameaça”).
A IEEPA tem características atraentes para Trump. “É um poder emergencial, portanto, há requisitos processuais mínimos. Ele pode fazer isso muito rapidamente - no primeiro dia, se quiser”, diz Warren Maruyama, ex-conselheiro geral do Representante de Comércio dos Estados Unidos. Trump foi o primeiro a invocar a lei para impor tarifas quando, em 2019, ameaçou cobrar uma taxa de 5% sobre todos os produtos mexicanos em retaliação à migração ilegal.
E há outro precedente importante. Em 1971, quando Richard Nixon tirou os Estados Unidos do padrão-ouro e, na verdade, encerrou o primeiro sistema de Bretton Woods, ele impôs uma tarifa extra de 10% sobre todas as importações, declarando que a necessidade de “fortalecer a posição econômica internacional dos Estados Unidos” era uma emergência. Os tribunais confirmaram as ações de Nixon.
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As objeções constitucionais - por exemplo, que o presidente excedeu os limites da ação administrativa - enfrentariam uma batalha difícil, diz Kathleen Claussen, professora de direito da Universidade de Georgetown. Embora os tribunais americanos tenham se tornado gradualmente mais céticos em relação ao estado administrativo, eles permaneceram deferentes em relação aos presidentes quando eles invocam a segurança nacional.
Em princípio, maiorias simples no Congresso poderiam aprovar uma resolução conjunta para anular a declaração de emergência de Trump, mas, na realidade, seria necessária uma maioria de dois terços para anular o inevitável veto do presidente. Os republicanos podem até mesmo optar por aprovar algumas das tarifas de Trump em lei para criar espaço fiscal para os cortes de impostos que prometeram, colocando-os em um terreno legal inquestionável.
As outras vias legais à disposição de Trump são mais bem testadas, porém mais lentas. A Seção 301 (da Lei de Comércio de 1974) foi o carro-chefe de seu primeiro governo, usada para tarifas sobre US$ 370 bilhões (R$ 2,2 trilhões) de importações chinesas (e US$ 7,5 bilhões - R$ 44 bilhões - da União Europeia). Ela poderia ser facilmente invocada para impor tarifas mais amplas à China, mas seria menos útil imediatamente para o México e o Canadá, já que o presidente deve conduzir uma investigação e aderir aos longos períodos de notificação e comentário exigidos pela lei administrativa americana.
A Seção 232, também utilizada durante o período de Trump I para tarifas sobre o aço e o alumínio, seria menos útil para tarifas mais amplas, já que precisa da designação de produtos específicos como ameaças à segurança nacional.
O litígio doméstico não é tudo o que Trump precisa enfrentar. Os Estados Unidos têm um acordo de livre comércio com o México e o Canadá chamado USMCA, negociado por Trump. Esse acordo tem um mecanismo de solução de controvérsias que o México ou o Canadá, sem dúvida, invocariam se Trump levasse adiante suas ameaças.
Mas, também nesse caso, a IEEPA se mostraria útil. Mark Wu, da Harvard Law School, diz que os subordinados de Trump poderiam apontar as exceções de segurança nacional no acordo para argumentar que não o violaram. O USMCA enfrenta uma revisão obrigatória (e uma provável renegociação) em 2026. Uma disputa prolongada sobre seus princípios fundamentais pode levar ao seu colapso.
A restrição mais provável a Trump não será legal. Será o medo da reação dos mercados e do público. “Mais da metade de nossas frutas e legumes frescos vêm do Canadá e do México... A temporada do Super Bowl está chegando. Será que realmente achamos que Trump vai impor um imposto de 25% sobre a guacamole em seu primeiro dia no cargo?”, diz Scott Lincicome, do Cato Institute, um think-tank libertário. Ele suspeita que Trump esteja fazendo ameaças tarifárias como uma tática de negociação para forçar concessões que ele possa promover antes mesmo de sua posse.
Trump fez campanha para resolver a situação dos trabalhadores do setor automobilístico, dos agricultores e dos consumidores irritados com o preço dos produtos básicos do dia a dia. Ele rapidamente perderia a boa vontade se tornasse os produtos importados muito mais caros. O tribunal da opinião pública é provavelmente o único que pode refrear os instintos de Trump.
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