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The Economist: O que significa a expansão chinesa nos países do sul global, como o Brasil

Empresas chinesas tentam contornar barreiras comerciais transferindo produção da China para países em desenvolvimento; brasileiros estão entre os que mais compram roupas baratas da Shein

Por The Economist

Por décadas, os titãs corporativos do mundo viram a China como um lugar essencial para fazer negócios. As empresas chinesas, ao que parece, não eram diferentes. Seu mercado interno era vasto e crescia em um ritmo vertiginoso, e por isso elas tinham poucos motivos para caçar clientes no exterior. O colossal setor manufatureiro da China, enquanto isso, com suas legiões de trabalhadores baratos, tornou desnecessária a produção de bens em outros lugares. Apesar do rebuliço em grande parte do mundo rico a respeito do investimento chinês, as empresas chinesas têm uma pegada global comparativamente pequena.

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As empresas com sede na China geraram apenas US$ 1,5 trilhão em receita estrangeira em 2023, enquanto as sediadas nos Estados Unidos arrecadaram US$ 5,8 trilhões, e suas equivalentes europeias, US$ 6,4 trilhões. O montante de investimento estrangeiro direto (IED) da China foi equivalente a apenas 17% de seu PIB no ano passado, em comparação com 34% no caso dos EUA e 49% no caso da Alemanha. Muitos desses investimentos, além disso, se concentraram em garantir acesso a matérias-primas ou adquirir propriedade intelectual estrangeira. Até mesmo o status da China como maior exportadora do mundo é um pouco enganoso: uma grande (embora decrescente) parcela do que ela envia para o exterior é produzida por empresas estrangeiras.

Esse foco relativamente interno está mudando agora, e rapidamente. Desde 2016, as vendas externas das empresas chinesas mais que dobraram. Seu IDE greenfield (construir uma nova mina ou fábrica, digamos, em vez de comprar uma) subiu para um recorde de US$ 162 bilhões no ano passado, em comparação a US$ 50 bilhões no ano anterior, de acordo com a FDI Markets, uma provedora de dados. Quase três quartos disso foram na manufatura.

Turbulência doméstica

Essa expansão externa é um reflexo do fascínio cada vez menor exercido pela economia doméstica da China. Ela parou de crescer tão rapidamente quanto antes. Ela também é palco de uma concorrência feroz, atormentada por guerras de preços em indústrias que vão de carros a turbinas eólicas. Mesmo excluindo o problemático setor imobiliário, o retorno médio sobre o capital investido para as empresas não financeiras sediadas na China foi de escassos 4,9% no ano passado, em comparação com 6,6% para empresas europeias e 8,7% para as americanas.

Shein é uma empresa que entrou no alvo de políticos ocidentais, assim como sua concorrente local Temu Foto: TABA BENEDICTO / ESTADÃO

A economia doméstica vacilante induziu cada vez mais empresas chinesas a “sair”, para usar um slogan com o qual o governo as persuadiu a investir no exterior no início dos anos 2000. Muitas gostariam de aumentar as vendas em países ricos, que respondem por três quartos dos gastos do consumidor fora da China. A expansão nesses mercados, no entanto, tornou-se complicada para as empresas chinesas, pois o clima político se voltou contra elas. As montadoras chinesas foram atingidas por pesadas tarifas em ambos os lados do Atlântico. Políticos ocidentais reclamam da Shein e da Temu, dois empórios eletrônicos chineses de rápido crescimento. O TikTok, um aplicativo de vídeos curtos, enfrenta uma proibição nos EUA, a menos que sua matriz chinesa, ByteDance, o venda.

Algumas empresas chinesas estão tentando contornar barreiras comerciais transferindo a produção da China para outros países em desenvolvimento. Essa é uma abordagem adotada há muito tempo por empresas chinesas de energia solar, que foram, na prática, excluídas do mercado americano em 2012 por tarifas antidumping. Os EUA quase não importam painéis solares diretamente da China, mas compram muitos do Sudeste Asiático, onde empresas chinesas como JinkoSolar, Trina Solar e Longi, as três maiores produtoras de módulos solares do mundo, construíram grandes fábricas.

Essa estratégia agora está sendo imitada em outras indústrias, o que explica o aumento do investimento das empresas chinesas na fabricação no exterior. Embora algumas fábricas estejam em construção no Ocidente, a maior parte da atividade está no sul global, lar de nove dos dez principais destinos para o IED greenfield da China no ano passado. Em julho, a BYD, uma empresa chinesa de veículos elétricos, abriu uma nova fábrica de carros na Tailândia, a primeira no Sudeste Asiático. A Catl, uma empresa chinesa de baterias, está expandindo a produção no Sudeste Asiático e, segundo relatos, explorando investimentos no Marrocos e na Turquia.

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Dados comerciais sugerem que essas novas fábricas dependem muito de componentes chineses importados em vez de cadeias de fornecimento locais. Entre os dez principais destinos do IDE greenfield chinês, as importações da China de bens intermediários usados na fabricação quase triplicaram na década mais recente. A Cosco, uma gigante chinesa de transporte, recentemente adicionou capacidade entre a China e o México, em grande parte para enviar mais para fábricas perto da fronteira do México com os EUA.

Johnson Wan, do banco de investimento Jefferies, avalia que o principal motivo pelo qual as empresas chinesas estão construindo fábricas no exterior é evitar tarifas. A proximidade com as robustas cadeias de fornecimento da China tem sido tipicamente uma vantagem competitiva para as empresas chinesas, observa Guoli Chen, da Insead, uma escola de negócios francesa. É verdade que os salários das fábricas na China aumentaram acentuadamente, quadruplicando desde 2010 para mais de US$ 8 por hora, bem acima da média no Sudeste Asiático. Mas a fabricação em casa geralmente ainda é a opção mais barata, graças às enormes economias de escala e à infraestrutura bem desenvolvida da China.

Com o tempo, porém, a justificativa comercial para a fabricação no exterior se fortalecerá. Na última década, a Iniciativa Cinturão e Rota da China canalizou mais de US$ 1 trilhão em investimentos em redes de energia, ferrovias e portos em todo o sul global (muitos dos quais fluíram por meio de empresas chinesas como a State Grid, uma empresa de energia, a CRRC, uma fabricante de trens, e a Cosco). Esses investimentos tornaram os países destinatários lugares mais atraentes para a fabricação.

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Para as empresas chinesas, isso é bom. Os governos ocidentais estão começando a reprimir o uso de fábricas no sul global para disfarçar as origens de produtos em grande parte feitos na China. Em junho, as tarifas americanas foram estendidas a muitos dos produtos de energia solar feitos por empresas chinesas no Sudeste Asiático, depois que o Departamento de Comércio julgou que as fábricas em questão estavam agregando pouco valor a eles além da montagem final.

Outra estratégia popular para empresas chinesas intrépidas que enfrentam crescente hostilidade no Ocidente é simplesmente vender seus produtos em outros lugares. De acordo com os cálculos da reportagem, com base em estimativas do banco Morgan Stanley, as empresas chinesas relacionadas quase quadruplicaram suas vendas no sul global desde 2016, enquanto as empresas ocidentais aumentaram as suas em apenas um terço. Os US$ 800 bilhões em vendas que as empresas chinesas obtiveram nesses países no ano passado excederam o que ganharam nos países ricos.

Carro da BYD: empresa chinesa de carros elétricos já está presente no mercado brasileiro Foto: Felipe Rau / Estadão

As empresas chinesas que lutam contra rivais ocidentais em casa tendem a começar oferecendo alternativas baratas. Isso as deixou bem posicionadas para atender aos consumidores mais pobres no sul global. Metade dos smartphones comprados por africanos são feitos pela Transsion, uma empresa chinesa que vende muitos de seus dispositivos por menos de US$ 100 sob marcas como Tecno, Infinix e Itel. Os fabricantes chineses de eletrodomésticos, incluindo Haier e Midea, também são dominantes na África. Brasileiros e mexicanos estão entre os maiores consumidores de roupas baratas da Shein.

Conforme as empresas chinesas aprimoraram seu domínio da fabricação, elas se livraram de sua reputação de baixa qualidade, pelo menos no sul global, observam Lourdes Casanova e Anne Miroux, da Universidade Cornell. Isso as ajudou a vender produtos mais complexos também. Na Tailândia, as montadoras chinesas, incluindo Saic e Byd, foram responsáveis por 18% das vendas em 2023, em comparação a apenas 6% em 2020, de acordo com a MarkLines, uma provedora de dados. Elas respondem por metade dos carros vendidos na Rússia, que os rivais ocidentais abandonaram desde a invasão da Ucrânia. A Mindray, fabricante chinesa de equipamentos médicos, é a principal fornecedora de sistemas de monitoramento de pacientes na América Latina. Os fabricantes chineses de turbinas eólicas, como Goldwind e Envision, também têm expandido as vendas em mercados emergentes.

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As empresas chinesas acharão mais fácil vender no sul global se também transferirem a produção para lá. A Transsion, por exemplo, tem uma fábrica na Etiópia, o que lhe permite distribuir telefones por toda a África de forma rápida e barata. Produzir localmente também promove a boa vontade. Enquanto os ocidentais estão cada vez mais desconfiados em relação à China, muitos no mundo em desenvolvimento acham que ela desempenha um papel positivo em sua economia doméstica, de acordo com o centro de pesquisa Pew (os indianos são uma exceção notável). Construir fábricas em países mais pobres ajuda a reforçar essa visão e apresenta a China como um estímulo ao desenvolvimento, em vez de uma ameaça aos meios de subsistência locais.

Comprovando o fortalecimento da sua marca, a China, Inc. está ganhando força no sul global, mesmo em setores que não dependem de sua agilidade de fabricação. A Cotti Coffee, uma rede de café chinesa fundada em 2022, agora tem mais de 7.000 lojas na Ásia e no Oriente Médio. Dos dez países com mais usuários do TikTok, nove estão no mundo em desenvolvimento.

TikTok terá que ser vendido nos Estados Unidos para continuar operando no país norte-americano Foto: WERTHER SANTANA / ESTADÃO CONTEÚDO

Tudo isso deve soar um alarme para as multinacionais ocidentais. Elas têm sido constantemente expulsas da China nos anos mais recentes por concorrentes locais. Muitas nutrem ambições de se expandir nas mesmas economias de rápido crescimento nas quais seus rivais chineses estão agora ganhando influência. Em 2016, empresas americanas e europeias juntas geraram 15 vezes mais vendas estrangeiras do que empresas chinesas no sul global. Essa proporção diminuiu para cinco desde então. Empresas chinesas já vendem mais que as japonesas no mundo em desenvolvimento.

Empresas ocidentais ainda desfrutam de algumas vantagens. Elas têm uma vantagem de décadas na construção de marcas globais e na contratação de funcionários locais que entendem o que querem os consumidores em seus mercados. As ambições geopolíticas da China, enquanto isso, às vezes causam problemas comerciais. Suas reivindicações territoriais no Mar da China Meridional azedaram as relações com alguns de seus vizinhos do Sudeste Asiático. A China também é impopular em países que receberam grandes investimentos por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, mas têm enfrentado dificuldades para pagar a dívida associada a eles, como Sri Lanka e Zâmbia.

É cedo, então, na disputa pelos consumidores do sul global. Mas as empresas ocidentais podem ter menos tempo do que pensam antes que os rivais chineses fiquem em vantagem. Políticas protecionistas em casa não poderão salvá-las no exterior./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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