Em seu retiro anual em Jackson Hole, os banqueiros centrais celebraram a queda da inflação. Mas cabe a eles o crédito por isso? Nos países ricos, o aumento anual de preços na média dos países caiu de um pico de cerca de 10% no início de 2022 para menos de 3% atualmente. Notavelmente, isso foi alcançado sem recessões profundas.
O Federal Reserve provavelmente se juntará em breve aos bancos centrais da Europa no corte de juros, os rendimentos dos títulos caíram drasticamente desde meados do ano e os mercados de ações ignoraram um susto de crescimento que os atingiu no início de agosto. A economia dos Estados Unidos foi de fato maior no segundo trimestre de 2024 do que o previsto antes da pandemia de covid-19.
O aperto monetário tem como meta desacelerar o crescimento e, na década de 1980, ele conteve a inflação apenas após profundas recessões. A aparente ausência de danos atualmente levou ao renascimento de um mito perigoso: o de que a inflação teria desaparecido por si só.
Paul Krugman, do New York Times, chegou a afirmar que Jerome Powell, presidente do Fed, usou seu discurso em Jackson Hole para atribuir a inflação “em grande parte aos efeitos transitórios da pandemia”, ressuscitando uma velha narrativa que os banqueiros centrais abandonaram em 2021.
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Essa visão é uma interpretação errônea tanto da economia quanto do discurso. Powell disse que a alta inflação “não era transitória”. Os estudos apresentados em Jackson Hole mostraram o efeito esmagador que os aumentos das taxas de juros tiveram no crédito hipotecário e como o Fed arriscou perder sua credibilidade conforme a inflação disparava.
Até mesmo os analistas que esperavam que a inflação persistisse achavam que o Fed não agiria, o que significa que perderam a fé no compromisso dos banqueiros centrais com a estabilidade dos preços. A expectativa de que os aumentos das taxas não ocorreriam trouxe o risco de piorar a inflação ao empurrar para baixo a taxa de juros real ajustada pela inflação.
A política monetária não precisa causar um declínio para derrubar o crescimento dos preços: ela deve apenas forçar a economia a crescer mais lentamente do que poderia. Isso tem sido difícil de detectar nos EUA, onde o crescimento tem sido rápido, em parte devido a um aumento na imigração, e onde um déficit orçamentário de cerca de 7% do PIB neutralizou taxas de juros mais altas.
No entanto, o esfriamento do mercado de trabalho é claro a partir de uma enorme queda nas vagas de emprego e um pequeno aumento na taxa de desemprego. A Europa, enquanto isso, sofreu tantos golpes, incluindo a guerra na Ucrânia, que é difícil avaliar o que causou o quê. Mas os aumentos das taxas de juros teriam um efeito subjacente semelhante.
Alguns argumentaram que o aperto monetário simplesmente restaurou um senso intangível de credibilidade, e que o nível real das taxas de juros não importou. No entanto, as regras práticas sugeriram que as taxas dos EUA precisariam subir para o nível atual, como observou a The Economist em 2022.
É verdade que os preços da energia e dos alimentos aumentaram a inflação, apenas para voltar a cair. Mas, nos EUA, na zona do euro e na Grã-Bretanha, os aumentos das taxas de juros foram razoavelmente bem calibrados em relação ao aumento da inflação básica, o que exclui esses preços voláteis.
É vital que os formuladores de políticas tirem as lições certas da pandemia, dado o perigo de enfrentarem mais episódios como esse. Muitos bancos centrais, no longo prazo, atingiram mais ou menos as metas de inflação que foram adotadas em todo o mundo na década de 1990. Mas essa foi uma era em que choques de oferta eram raros e os governos dos países ricos eram, no geral, fiscalmente prudentes.
Hoje, as guerras comerciais, a transição verde, novas pandemias e vastas dívidas públicas ameaçam criar perturbações inflacionárias com as quais os bancos centrais terão que lidar. Portanto, é importante saber como eles alcançaram a vitória de hoje diante da alta inflação. Não foi apenas um golpe de sorte./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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