The Economist: Economistas empunham suas espadas sobre como combater a inflação

O que parece ser uma discussão acadêmica entre especialistas ganha cada vez mais importância com a persistência da inflação no mundo

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Por Redação

The Economist - Desde que a inflação subiu os economistas vêm discutindo sobre de onde ela veio e o que deve ser feito para reduzi-la. Como os bancos centrais aumentaram as taxas de juros e a inflação nominal está caindo, esse debate pode parecer cada vez mais acadêmico. Mas, na verdade, é cada vez mais importante. A inflação está caindo principalmente porque os preços da energia caíram, uma tendência que não vai durar para sempre. A inflação subjacente, ou “núcleo” (aquela que descarta os choques temporários), é mais teimosa. A história sugere que mesmo uma pequena quantidade de inflação subjacente resistente é difícil de desalojar.

Assim, os chefes dos bancos centrais mais importantes do mundo agora estão alertando que seu trabalho está longe de terminar. “Para reduzir a inflação para 2% há um longo caminho a percorrer”, disse Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), em 29 de junho. “Não podemos vacilar e não podemos declarar vitória”, disse Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, em uma reunião de formuladores de políticas em Portugal apenas dois dias antes. Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra, disse recentemente que as taxas de juros provavelmente permanecerão mais altas do que os mercados esperam.

Para Jerome Powell, há um longo caminho a percorrer para trazer a inflação ao patamar de 2% Foto: Julia Nikhinson/Getty Images via AFP

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Isso significa que não haverá trégua na guerra dos economistas. A primeira frente é em parte ideológica e diz respeito a quem deve assumir a responsabilidade pelo aumento dos preços. Uma teoria não convencional, mas popular, sugere que as empresas gananciosas são as culpadas. Essa ideia surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, em meados de 2021, quando as margens de lucro para empresas não financeiras eram extraordinariamente altas e a inflação estava decolando. Agora está ganhando um segundo fôlego, impulsionado pelo FMI, que recentemente descobriu que o aumento dos lucros “representa quase metade do aumento” da inflação na zona do euro nos últimos dois anos. Christine Lagarde também parece estar aceitando a tese, dizendo ao Parlamento Europeu que “certos setores se aproveitaram” da turbulência econômica e que “é importante que as autoridades da concorrência possam realmente examinar esses comportamentos”.

A ganância é uma ideia reconfortante para os esquerdistas, que sentem que a culpa pela inflação é muitas vezes atribuída aos trabalhadores. No entanto, seria estranho pensar que as empresas de repente se tornaram mais gananciosas, fazendo com que os preços acelerassem. A inflação é causada pela demanda excedendo a oferta - algo que oferece abundantes oportunidades de lucro. A tese da ganância e da inflação “confunde os sintomas da inflação com sua causa”, de acordo com Neil Shearing, da consultoria Capital Economics. Os salários tendem a acompanhar os preços, e não o contrário, porque, como observam os economistas do FMI, “os salários são mais lentos do que os preços para reagir a choques”. Essa é uma lição crucial do episódio inflacionário atual para aqueles que sempre veem o estímulo econômico como pró-trabalhador.

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A segunda frente nas guerras da inflação diz respeito à geografia. A inflação americana foi inicialmente mais interna do que a da zona do euro. O Tio Sam gastou 26% do PIB em estímulos fiscais durante a covid-19, em comparação com 8% a 15% nas grandes economias da Europa. E a Europa enfrentou um choque energético pior do que a América depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, tanto por causa de sua dependência do gás natural russo quanto pela maior parcela da renda gasta em energia. Um artigo recente de Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe do FMI, e colegas atribui apenas 6% do aumento da inflação subjacente da zona do euro ao superaquecimento econômico, em comparação com 80% dos Estados Unidos.

Isso implica que a Europa pode se safar com uma política mais branda. Os autores concluem que os 3% do PIB de estímulo fiscal extra que a zona do euro lançou recentemente ao subsidiar as contas de energia não contribuiu para o superaquecimento e, ao reduzir os preços medidos da energia, pode até ter impedido que uma mentalidade inflacionária se instalasse. (Os autores advertem que as coisas poderiam ter sido diferentes se os preços da energia não tivessem caído, reduzindo o subsídio.) As taxas de juros também são mais baixas na Europa. Os mercados financeiros esperam que elas atinjam um pico de cerca de 4% na zona do euro, em comparação com 5,5% nos Estados Unidos.

Apesar de tudo isso, os problemas de inflação em ambos os lados do Atlântico parecem estar se tornando mais parecidos com o tempo. Nos dois lugares, a inflação é cada vez mais impulsionada pelo preço dos serviços locais, ao invés de alimentos e energia. O padrão sugere que os aumentos de preços nas duas regiões estão sendo impulsionados por fortes gastos domésticos. Calculado em bases comparáveis, o núcleo da inflação é maior na zona do euro. Assim como o crescimento salarial. De acordo com rastreadores produzidos pelo banco Goldman Sachs, os salários estão crescendo a um ritmo anualizado de 4% a 4,5% nos Estados Unidos e quase 5,5% na zona do euro.

Estudo de Olivier Blanchard (foto), em parceria com Ben Bernanke, estimou que levar a inflação à meta do Fed exigiria uma taxa de desemprego maior que 4,3% por “algum período de tempo” Foto: Rolex Dela Pena/EFE

Daí a importância de uma última frente: o mercado de trabalho. Mesmo que as margens de lucro caiam, os bancos centrais não podem atingir suas metas de inflação de 2% de forma sustentada sem que a demanda por produtos e a oferta de trabalhadores entrem em melhor equilíbrio. No ano passado, os economistas debateram se nos Estados Unidos isso exigia uma taxa de desemprego mais alta. Chris Waller, do Fed, disse que não: era plausível que as vagas de emprego, que eram extraordinariamente altas, pudessem cair. Olivier Blanchard, Alex Domash e Lawrence Summers foram mais pessimistas. Nos ciclos econômicos anteriores, segundo eles, as vagas diminuíram apenas quando o desemprego aumentou. Desde então, a visão de Waller se materializou em parte. As vagas caíram tanto que, segundo o Goldman, o reequilíbrio do mercado de trabalho está três quartos completo. O desemprego permanece notavelmente baixo, em 3,7%.

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No entanto, o processo parece ter parado ultimamente. Blanchard e Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, estimaram recentemente que, dada a relação mais recente entre vagas e desemprego, levar a inflação à meta do Fed exigiria que a taxa de desemprego excedesse 4,3% por “algum período de tempo”. Os economistas Luca Gagliardone e Mark Gertler avaliam que o desemprego pode subir para 5,5% em 2024, resultando em uma queda da inflação para 3% em um ano e depois para 2% “a um ritmo muito lento”.

Aumentos de tal tamanho no desemprego não são enormes, mas no passado costumavam ser associados a recessões. Enquanto isso, na zona do euro, as vagas não têm sido particularmente elevadas em relação ao desemprego, tornando ainda mais difícil prever o caminho para uma desinflação indolor. É esta frente das guerras de inflação que está mais equilibrada - e onde as apostas são mais altas.

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