O proeminente economista japonês Aoki Masahiko previu certa vez que levaria 30 anos para a economia de seu país emergir das “décadas perdidas” que começaram no início dos anos 90. Naquela época, uma bolha financeira estourou e o modelo que ajudou o Japão a crescer rapidamente testemunhou seu ocaso. Apesar de ter continuado rico, o país descambou para a deflação e seu ritmo de crescimento diminuiu. Aoki prenunciou que seria necessária uma mudança geracional para um novo modelo se estabelecer. E disparou o cronômetro no momento que a bolha tinha estourado definitivamente e o partido que governava o país havia muito tempo, o Partido Liberal Democrático, perdeu o poder pela primeira vez: o ano era 1993.
Acelere a fita até 2023 e as palavras de Aoki soam proféticas. A terceira maior economia do mundo está despertando de suas décadas de torpor. Depois de anos de deflação ou inflação baixa, o Japão testemunha o aumento mais rápido nos preços em mais de 30 anos. Os salários, estagnados havia muito tempo, estão aumentando mais rapidamente do que em qualquer momento desde os anos 90. Ambos os aumentos são motivados em grande medida por choques nas cadeias globais de fornecimento. Mas essas não são as únicas mudanças em marcha. Conforme previu Aoki, mudanças institucionais e geracionais graduais estão dando frutos e transformando o mundo corporativo japonês de dentro para fora.
Essa confluência entre choques externos e evolução interna representa uma chance para o Japão mudar sua trajetória econômica. A fatia do país no PIB global em termos de PPC (paridade do poder de compra) caiu de 9% em 1990 para menos de 4% hoje; seu PIB per capita em termos de PPC caiu de 81% do nível americano para 64%. O banco Goldman Sachs projeta que o Japão deixará de figurar entre as cinco maiores economias do mundo até 2050 e até 2075 deixará o ranking das 10 maiores. Uma população em queda limita os aspectos positivos de seu crescimento. Ainda assim, se o Japão for capaz de redefinir expectativas de inflação, impulsionar a produtividade e lançar mão de dinamismo corporativo, poderá conseguir continuar entre as maiores economias globais.
Os investidores estão animados. O banco de investimentos Morgan Stanley reconhece que o Japão “emergiu convincentemente de três décadas de estagnação econômica”. Warren Buffett concentrou vastos recursos em cinco corretoras japonesas. Anteriormente este ano, o índice da bolsa japonesa alcançou seu nível mais alto desde o estouro da bolha. “O Japão está passando por uma série de transformações econômicas extraordinárias”, elogiou Larry Fink, CEO da gestora de ativos BlackRock, durante uma visita a Tóquio, em outubro.
Os 30 anos recentes viram muitos alvoreceres falsos no Japão. Desta vez também há razões para ceticismo. A recuperação pós-pandêmica do Japão segue frágil: depois de crescer 4,5% anualmente no segundo trimestre, o PIB contraiu 2,1% no terceiro, de acordo com dados revelados em 15 de novembro. Os aumentos dos salários não acompanharam o ritmo da elevação dos preços. O consumo está estagnado. A depreciação do iene levou o Fundo Monetário Internacional a projetar que o PIB nominal do Japão em dólar declinará este ano da terceira para a quarta posição no mundo, atrás de Estados Unidos, China e Alemanha.
Pagar os juros da massiva dívida do governo japonês já é um fardo pesado, que pressionará a economia do país ainda mais se o Banco do Japão (BOJ, o banco central do país) se afastar de sua política ultrabranda com base em taxas de juros negativas e controle da curva de juros, conforme indica que fará no próximo ano. Muitas empresas que dependem de capital livre de juros também teriam dificuldade para permanecer solventes.
A força de trabalho do Japão ainda está diminuindo e envelhecendo. Suas empresas continuam a poupar capital. As ações de 40% das empresas listadas no ranking Topix 500 do Japão são negociadas abaixo do valor nominal, em comparação a menos de 5% no ranking S&P 500 dos EUA. O juro ao investidor estrangeiro tem a ver com a relativa estabilidade e a moeda barata do Japão tanto quanto com a animação a respeito do novo crescimento.
Mas essas falhas familiares obscurecem outros desdobramentos. “Nas décadas recentes, o problema fundamental da economia japonesa foi o dinamismo”, afirma Hoshi Takeo, da Universidade de Tóquio. Poucas novas empresas se formaram, um excesso de empresas velhas continuou funcionando, os preços mudaram pouco e os talentos ficaram presos perpetuamente dentro das empresas. “Agora nós vemos isso começando a mudar.”
Comecemos com os preços. O índice geral de inflação ficou acima da meta de 2% do BOJ por 18 meses consecutivos. Mesmo se grande parte disso se dever a custos mais altos de importação, como resultado a psicologia da precificação está mudando. As empresas foram forçadas a testar a premissa longamente acalentada de que aumentar os preços significaria perder clientes.
“Nós passamos a entender que podemos aumentar os preços”, afirma Niinami Takeshi, CEO da grande fabricante de bebidas Suntory e presidente da Keizai Doyukai, uma influente associação de executivos corporativos. A prática tem se tornado onipresente: os preços de aproximadamente 90% dos itens monitorados pelo BOJ estão aumentando (veja o gráfico).
Oportunidade demográfica
A inflação mais alta sobredimensionou as implicações para os salários, estagnados há décadas. Uma inflação de 1% no Japão produz um aumento salarial de apenas 0,2%, mas a sensibilidade salta quando a inflação passa de 2%, afirma Ota Tomohiro, do Goldman Sachs. A mudança demográfica deveria dar mais um empurrão. Apesar de a população japonesa ter começado a diminuir mais de uma década atrás, mulheres e idosos entrando no mercado de trabalho compensaram em grande medida o declínio.
Mas essa tendência diminuiu nos anos recentes, o que faz os empregadores sentir a crise e precisar atrair funcionários com salários mais altos. Apesar do aumento salarial ainda não alcançar a elevação dos preços, se a negociação anual Shunto produzir grandes ganhos novamente no próximo ano, um ciclo virtuoso longamente aguardado de aumento de preços e salários estaria animadoramente próximo.
Turbulências geopolíticas, da guerra na Ucrânia à tensão entre EUA, os provedores de segurança ao Japão, e China, sua terceira maior parceira comercial, também mudam o ambiente corporativo japonês. Um número crescente de executivos reconhece que não é possível “manter o status quo”, afirma Niinami. Conforme as empresas priorizam a resiliência na cadeia de fornecimento e se preocupam com riscos relativos à localização, o Japão está posicionado para se beneficiar disso.
Mesmo se não construírem instalações no Japão, as fábricas podem confiar nas empresas japonesas de automação fabril para ajudá-las a construir em outros países. No passado, os EUA perceberam o Japão como rival econômico, mas agora querem vê-lo prosperar. Autoridades americanas comemoraram quando a IBM, uma gigante da tecnologia dos EUA, estabeleceu parceria com empresas japonesas para projetar chips no Japão.
As empresas japonesas estão em posição de colocar seu capital em uso. O índice de crescimento para futuros investimentos de capital está no nível mais alto desde que o BOJ começou a coletar dados de pesquisa, em 1983. O governo está encorajando essa tendência: grandes subsídios foram concedidos para a indústria dos semicondutores; o governo prometeu gastar 2 trilhões de ienes (US$ 13,2 bilhões), ou 0,3% do PIB, anualmente ao longo da próxima década para alimentar a transição verde. Com o gasto em defesa projetado para aumentar substancialmente, as autoridades querem um tipo de fomento à inovação nos setores industrial e de defesa que anteriormente era tabu.
Reformas em governança corporativa que começaram mais de uma década atrás tornaram-se hoje arraigadas. Pressões para elevar o valor e o lucro sobre investimento das empresas deixaram de vir apenas de ativistas japoneses - investidores japoneses institucionais também estão pressionando. A pressão aumentará. O governo anunciou um “plano de duplicação de ativos” que busca estimular poupadores japoneses a investir seu dinheiro guardado com incentivos tributários previstos para vigorar a partir do próximo ano.
O JPX, que coordena a Bolsa de Valores de Tóquio, é outra força pela mudança sob o novo presidente, Yamaji Hiromi. A partir do próximo ano, a bolsa planeja publicar uma lista de empresas que atendem às diretrizes corporativas. Yamaji afirma que, quando CEOs se aproximam para resmungar no clube de golfe, ele responde: “Boa sorte”.
Essas mudanças coincidiram com uma mudança geracional nas empresas japonesas. A faixa etária média dos CEOs das empresas listadas no índice Nikkei caiu em 12 anos em uma década, de acordo com Jesper Koll, da corretora Monex Group. Muitas estão deixando para trás costumes antigos, como empregos vitalícios e salários com base em tempo de empresa. Japoneses jovens gostam de mudar de emprego. Os melhores e mais inteligentes são cada vez mais recrutados ou fundam novas empresas. “Nós deveríamos estar apostando nesse grupo de pessoas”, afirma Namba Tomoko, vice-presidente do grupo empresarial Keidanren.
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O ecossistema de startups é pequeno em relação ao PIB japonês, ainda que cada vez mais vibrante. “O antigo Japão ainda está por aí, mas paralelamente um novo Japão coexiste e cresce”, afirma Kushida Kenji, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, um instituto de análise americano. Investimentos em startups aumentaram de 88 bilhões de ienes (US$ 588 milhões) em 2013 para 877 bilhões de ienes (US$ 5,9 bilhões) em 2022; o número de fundos japoneses de capital de investimento quadruplicou nesse período.
No lugar de muitos empreendedores japoneses que no passado se contentavam em ser grandes dentro do Japão, uma nova classe de fundadores de empresas com ambições globais emerge. Shin Taejun, fundador da empresa de microfinanças Gojo, quer que sua firma seja “o Banco Mundial do setor privado”. Maeda Yosuke, fundador da Wota, que constrói infraestruturas decentralizadas de tratamento de água, aspira “resolver a crise hídrica mundial”.
Em vez de trabalhar na empresa de construção herdada da família, ele decidiu abrir seu próprio negócio. “A estrutura industrial antiga não é capaz de solucionar os problemas que nós queremos resolver”, afirma ele. Okada Nobu, fundador da Astroscale, está liderando esforços globais de limpar o espaço sideral. O Japão precisa de “campeões”, afirma Okada. “Nós ainda falamos em Sony e Honda. É melhor esquecer essas empresas.”
Esta nova geração também busca reformular a cultura corporativa. Muitos jovens japoneses querem abandonar o modelo do pós-guerra com base no emprego vitalício, o predomínio masculino e hierarquias com base etária, afirma Takeshita Ryuichiro, da Pivot, uma startup de mídia que tem foco no novo Japão corporativo. “A mudança era vista como algo negativo ou traiçoeiro”, afirma ele. “Mas nós pretendemos retratar a inflexão ou a mudança como algo positivo.” Em pouco mais de um ano, a Pivot conseguiu mais de 1 milhão de assinantes no YouTube, onde transmite entrevistas com fundadores de empresas, investidores e inventores.
Muitos executivos e formuladores de políticas japoneses parecem não apenas entender que o Japão está em uma encruzilhada significativa; eles querem aproveitá-la ao máximo. “Pessoas que conhecem o Japão muito bem me perguntam, ‘Desta vez é diferente?’”, afirma Yamaji. “Minha resposta é que pode ser, nós devemos fazer com que seja.” A oportunidade poderá não voltar a se apresentar tão logo. Ao contrário do sol, a chance de ascensão do Japão não nasce todo dia. / Tradução de Augusto Calil
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