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The Economist: América Latina tem maior proporção de mães solo do mundo e vê impacto negativo no PIB

Menor participação das mulheres na força de trabalho reduzirá o PIB per capita da região em 14% entre 2020 e 2050, segundo a ONU; inseri-las no mercado contribuiria para aumentar produtividade

Por The Economist

Quando Vanessa, uma jovem de 22 anos, terminou a escola, seu objetivo era conseguir um emprego e sair das favelas do Rio de Janeiro. Esses planos foram frustrados há três anos, quando ela engravidou. Vanessa e o namorado terminaram logo depois, e ela se viu criando a filha sozinha. Ela achou complicado conseguir um emprego em tempo integral sem ajuda para cuidar da filha. Por enquanto, administra um salão de beleza na sala de sua casa.

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Na América Latina e no Caribe, histórias como a de Vanessa são comuns. Cerca de 11% dos lares são monoparentais, quase sempre a mãe é a responsável, segundo estimativas da ONU. Isso está acima da média global de 8%. Mesmo na África Subsaariana — que tem pior desempenho em outros indicadores, como pobreza e acesso a contraceptivos — as famílias monoparentais representam 10% do total. Em média, espera-se que quase um terço das mulheres latino-americanas possa ter um bebê antes dos 20 anos.

A preponderância de mães solo é um reflexo de como a América Latina está presa em um limbo de desenvolvimento. Nenhum país da região se enquadra na definição de baixa renda do Banco Mundial. As matrículas femininas no ensino médio estão próximas de 100%. Apesar de abrigar um terço dos católicos romanos do mundo, as atitudes em relação ao sexo podem ser liberais em algumas partes da região.

Questionados sobre o quão justificável é fazer sexo antes do casamento, cerca de um quinto dos entrevistados na Argentina, Brasil e Chile dizem que é “sempre justificável”, segundo o World Values Survey, um projeto de pesquisa. Apenas 5% das pessoas dizem o mesmo na Etiópia e na Nigéria.

Mesmo assim, as atitudes religiosas ainda moldam o acesso à contracepção em partes da região. Mais de 80% das mulheres em idade reprodutiva na América Latina vivem em países onde o Centre for Reproductive Rights, um grupo de advocacy, descreve as leis de aborto como “restritivas”. Em alguns países, a educação sexual se concentra na abstinência. O machismo não ajuda.

Diana Rodríguez Franco, secretária de assuntos da mulher da Prefeitura de Bogotá, capital da Colômbia, descreve um padrão comum lá: “Uma mulher tem um filho, é abandonada pelo pai, ela tem outro filho com outro homem, ela é abandonada novamente”.

Os dados mais recentes do Banco Mundial sugerem que 78% das mães solo na América Latina e no Caribe estão no mercado de trabalho, trabalhando ou procurando ativamente por trabalho, acima da média de 73% para todos os adultos. No entanto, a taxa de desemprego entre mães solo, de 9,2%, é maior do que para qualquer outro grupo, incluindo mulheres solo sem filhos e pais solteiros. Mesmo quando encontram empregos, as mães solo ganham muito menos do que outros adultos. Frequentemente, o único trabalho que oferece a flexibilidade necessária para lidar com o cuidado infantil é o setor informal.

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Durante a pandemia, governo brasileiro ofereceu benefícios duplos às mães solo Foto: Sergio Moraes/Reuters

Isso tem efeitos mais amplos na economia. A ONU estima que, como a taxa de participação das mulheres na força de trabalho é menor, a lacuna de gênero reduzirá o PIB per capita em 14% na América Latina e no Caribe entre 2020 e 2050.

Conforme o Índice de Capital Humano do Banco Mundial, que mede a produtividade esperada com base em saúde e educação, uma menina nascida hoje no Brasil acumulará mais capital humano aos 18 anos do que um menino.

As meninas são mais propensas a terminar a escola e menos propensas a se envolver com o crime. Mas supondo que nada mude muito na sociedade brasileira, essa menina não vai colocar esse talento em prática. Contabilizando as taxas atuais de participação na força de trabalho, uma mulher no mercado de trabalho provavelmente colocará um terço de seu talento em uso, enquanto um homem utilizaria dois quintos.

Os governos estão tentando resolver o problema. Argentina, Colômbia e México descriminalizaram o aborto nos últimos anos. Os programas de transferência de renda visam as mulheres pobres. Durante a pandemia, o governo do Brasil ofereceu benefícios duplos às mães solo. Em Bogotá, o gabinete do prefeito construiu 18 manzanas del cuidado, ou “quarteirões de cuidados”, onde as mulheres podem obter treinamento vocacional gratuito, serviços de saúde sexual e ajuda para solicitar apoio do governo.

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Mais poderia ser feito. Em muitos países, a lei obriga os pais a pagar pensão alimentícia. Mas a fiscalização é fraca, diz Laura Cuesta, da Rutgers University, em Nova Jersey. A parcela de famílias de mães solo que recebe pensão alimentícia varia de 15% na Guatemala a 50% no Chile.

Franco Parisi, que concorreu à eleição presidencial do Chile em 2021, não fez campanha no país. Uma dificuldade local foi uma ordem judicial contra ele de 207 milhões de pesos (R$ 1,27 milhão) em pensão alimentícia devida à ex-esposa. (Seu advogado negou as acusações, mas Parisi chegou a um acordo extrajudicial mais tarde.) Mesmo assim, Parisi obteve 13% dos votos.

As mães solo precisam contar com o apoio da família. Um total de 43% das mães peruanas vivem com pelo menos um outro adulto que não seja seu cônjuge ou companheiro. Até que governos e pais comecem a dar apoio, as abuelas (avós) terão que preencher a lacuna. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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