Os visitantes do Porto do Açu podem ter dificuldade em identificar sua natureza industrial. Nenhum armazém ou pilha de contêineres bloqueia a vista do Oceano Atlântico. Faixas de restinga restaurada, uma floresta local de folhas largas, abraçam a costa repleta de tartarugas cabeçudas. Uma história diferente é sugerida apenas pelos navios gigantescos que pontilham o horizonte do mar.
O porto, a 320 km a nordeste do Rio de Janeiro, é a maior instalação de apoio do mundo para extração de petróleo em alto-mar. Idealizado há uma década por um excêntrico bilionário brasileiro como uma forma de atender à demanda chinesa por commodities, o Açu está atualmente entre os maiores portos privados do mundo. Ele movimenta mais de 30% das exportações de petróleo bruto do Brasil e 7% de seu minério de ferro.
Mas o foco do Açu está mudando. Nos últimos três anos, o porto assinou contratos no valor de cerca de US$ 5 bilhões (aproximadamente R$ 29 bilhões) para arrendar terras para fábricas que produzirão turbinas eólicas, bem como instalações para a produção de amônia, combustível de aviação sustentável (SAF) e ferro metálico puro, principal ingrediente para a produção de aço de baixo carbono. O investimento em infraestrutura verde no porto agora supera o investimento em combustíveis fósseis.
Limpo e cada vez mais limpo
O porto é um microcosmo das aspirações econômicas do Brasil. Há muito tempo um grande exportador de grãos e matérias-primas, o país agora quer usar sua abundância de energia renovável para atrair empresas que buscam reduzir sua pegada de carbono e fabricar e exportar produtos de maior valor agregado. É um plano decente.

A redução das emissões de carbono dos setores mais intensivos em energia da economia — aviação e transporte marítimo, ou a fabricação de cimento, aço e produtos químicos — exige enormes quantidades de energia limpa e barata, bem como biomassa abundante.
Poucos países têm tanto desses recursos quanto o Brasil. Mais de 85% de sua eletricidade é gerada sem a queima de combustíveis fósseis, uma parcela quase três vezes maior do que a média global. A maior parte vem da energia hidrelétrica, mas a energia eólica e, principalmente, a solar estão se crescendo rapidamente. Até 2040, espera-se que os custos de produção de energia solar e eólica caiam 46% e 27%, respectivamente.
Isso tornaria o Brasil um dos lugares mais baratos do mundo para produzir hidrogênio verde, que é criado pelo uso de energia renovável para dividir a água em suas moléculas componentes de hidrogênio e oxigênio.
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De acordo com Felipe Diniz, da Mirow, uma empresa de consultoria do Rio de Janeiro, custaria cerca de US$ 4,50 por quilograma para produzir o material no Brasil atualmente. Ele diz que esse valor pode cair para US$ 1,70 em uma década, à medida que a energia eólica e solar se tornarem mais baratas. Os custos de produção do Brasil estariam alinhados com locais como a Arábia Saudita, o norte da África e o Chile.
A queima de hidrogênio é uma das poucas maneiras de descarbonizar os setores com maior consumo de energia. O aço, por exemplo, é produzido pela queima de carvão de coque em um alto-forno para aquecer e reduzir o óxido de ferro em ferro metálico, que é então lavado com oxigênio para purificá-lo. Mas esse processo libera grandes emissões de dióxido de carbono. Isso pode ser evitado com a queima de hidrogênio em vez de carvão.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de minério de ferro, que exporta para países como China, Japão e Coreia do Sul. O país quer processar mais desse minério em casa. A Vale, a maior mineradora de minério de ferro do mundo, deve inaugurar uma usina de processamento de minério limpo no Porto do Açu em 2028.
As exportações de aço podem não estar muito longe. A consultoria McKinsey estima que a produção de ferro metálico limpo no Brasil poderá custar US$ 465 (R$ 2.710) por tonelada até 2030, em comparação com US$ 560 (R$ 3.264) para um processo semelhante na União Europeia. A Global Efficiency Intelligence (GEI), uma consultoria de energia sediada em São Francisco, avalia que será mais barato produzir aço verde no Brasil do que na China, no Japão, nos Estados Unidos, na Coreia do Sul, na Austrália ou na UE, principalmente devido ao custo mais baixo do hidrogênio verde.
O Brasil também quer fazer SAF. Suas empresas florestais e agroindustriais geram 2 bilhões de toneladas de resíduos orgânicos por ano, que são matéria-prima em potencial. A UE e a Organização Internacional de Aviação Civil, um órgão que estabelece padrões, estão incentivando as companhias aéreas a usar SAF. A partir deste ano, todos os voos com origem na UE — cerca de um terço do total global — devem conter pelo menos 2% de SAF em sua mistura de combustível; esse percentual aumentará para 20% até 2035 e 70% até 2050.
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De acordo com Thiago Sinzato, da Rystad Energy, uma consultoria norueguesa, espera-se que a demanda global por SAF atinja 5 milhões de barris por dia até 2050. O Brasil poderia responder por 1,3 milhão de barris desse total. “Seria fácil para o Brasil se tornar o maior produtor de SAF do mundo”, diz ele. Desde 2022, as empresas brasileiras anunciaram mais de US$ 4 bilhões em investimentos em biocombustíveis, inclusive em SAF.
Problemas financeiros
Suas bases técnicas para um boom de produção verde podem ser sólidas, mas as dificuldades econômicas do Brasil são um obstáculo. O alto custo do financiamento está adiando investimentos maiores em projetos de capital intensivo. O real foi a moeda principal com o pior desempenho do mundo no ano passado, perdendo mais de 20% de seu valor em relação ao dólar.
A queda foi alimentada pelo pânico em relação aos planos de gastos de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente de esquerda. Os mercados acreditam que ele não está falando sério sobre o equilíbrio das contas, mesmo com o déficit orçamentário do Brasil atingindo 10% do PIB e a dívida bruta com previsão de se aproximar de 90% do PIB. Um programa de política industrial anunciado no ano passado, que envolveu bilhões de reais, corroborou essa crença. Mesmo com a maioria dos Bancos Centrais cortando as taxas de juros, em 28 de janeiro a do Brasil foi elevada para 13,25%, uma das mais altas do mundo.
O cenário pode não melhorar em 2025. As políticas mais queridas de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, para deportar imigrantes e impor tarifas, provavelmente fortalecerão o dólar. O real cairá ainda mais, e os investidores poderão procurar outro lugar. O Brasil tem grandes expectativas quanto ao seu papel na descarbonização do mundo. Mas se não conseguir convencer os investidores a manterem o dinheiro no país, suas esperanças não darão em nada.
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