Por que ficou mais difícil para o governo vender títulos públicos – e por que as taxas dispararam

Mercado aponta desconfiança de investidores e cobra medidas efetivas de controle dos gastos; Tesouro diz que não há crise e que demanda tem sido ‘consistente’

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O governo brasileiro tem tido mais dificuldades para vender títulos da dívida pública nos últimos meses, em meio a uma disparada das taxas, que atingiram níveis recordes. A desconfiança dos investidores no País e uma cobrança por medidas efetivas de controle de despesas ajudam a explicar o cenário, segundo analistas financeiros. O Tesouro Nacional, por outro lado, afirma que não há crise de confiança e que a demanda tem sido consistente, apesar do estresse no mercado.

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A taxa de sucesso na venda dos papéis atrelados à inflação caiu de 77% em janeiro do ano passado para 52% em dezembro, quando se compara a quantidade de títulos ofertada pelo Tesouro Nacional e o volume vendido. O Tesouro IPCA (NTN-B) com vencimento em 2027, por exemplo, começou o ano passado com taxa real (descontada a inflação) de 5,33% ao ano e terminou batendo 8,24%, maior valor desde dezembro de 2008.

Na prática, investidores têm exigido prêmios maiores (ou seja, rendimentos mais altos) para colocar dinheiro no Brasil. Em dezembro, houve sucessivas suspensões dos leilões pelo Tesouro em função da alta volatilidade do mercado.

Presidente Lula durante reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 16 de dezembro de 2024 Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Em 2025, os agentes financeiros começaram o ano um pouco mais calmos, mas ainda com preços lá em cima. Até agora, no único leilão feito pelo Tesouro neste ano com papéis atrelados à inflação, os títulos foram vendidos a uma taxa média de 7,72% com vencimento cinco anos à frente – era de 5,38% há um ano. Para se ter uma ideia, a maior taxa do governo Dilma foi de 7,75%, em 2015, para um papel com vencimento em quatro anos.

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Gastando mais do que arrecada, o governo recorre à venda dos títulos — pegando dinheiro no mercado financeiro — para sustentar suas ações, mas precisa pagar o investimento no futuro com juros, aumentando o endividamento público. Com déficit nas contas, a pressão é maior, e os investidores cobram taxas mais altas para aplicar o dinheiro. O déficit nominal das contas públicas (que inclui as despesas do governo e os juros da dívida) alcançou R$ 1,1 trilhão em 12 meses até novembro, dado mais recente.

O aumento das taxas e a venda de títulos que vencem em um prazo mais curto levam o governo a gastar mais recursos para manter suas ações e administrar a dívida. “A água já chegou no nariz. Já estamos com o problema na nossa frente”, diz Carlos Kawall, sócio da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro. Para ele, a gravidade aumenta porque ocorre no momento em que os juros no exterior não são mais negativos — ou seja, cresce a tendência de saída de recursos do Brasil, como já acontece com investidores estrangeiros.

Situação parecida aconteceu com os títulos do Tesouro Prefixado (NTN-F) com vencimento em 2031, que pagam no vencimento juros predeterminados no ato da compra. Os papéis começaram o ano com uma taxa de 10,48% ao ano e terminaram com 14,05%, somado ao fato de o Tesouro não conseguir vender nada que ofertou nos últimos dois leilões do ano, mesmo propondo pagar os vencimentos mais cedo. A taxa de sucesso nos leilões caiu de 83% para 40% no período. Em 2025, os títulos prefixados já estão precificados acima de 15% ao ano.

Diante do cenário, a saída para o governo tem sido vender títulos com prazos mais curtos e taxas flutuantes, como o Tesouro Selic (LFT), o que exige o pagamento em um período mais próximo. Em novembro, esses papéis corresponderam a 61% das emissões, levando o estoque total da dívida relacionado a esses títulos a 46%. A alta da Selic aumenta o custo dessa dívida, pressionando ainda mais o governo.

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Nos primeiros cinco meses deste ano, vencem R$ 740 bilhões de títulos públicos que o Tesouro precisará pagar. “Somado a isso, ainda terá o déficit (das contas públicas); então, a necessidade de financiamento é até maior. Nesse sentido, estamos com uma situação que requer bastante atenção e a única solução é voltar para a prancheta da política fiscal e buscar medidas adicionais em relação àquelas que foram adotadas em dezembro e desidratadas no Congresso”, diz Kawall.

O governo aprovou um pacote de corte de gastos no Congresso Nacional no fim do ano, mas as medidas foram desidratadas. O mercado desconfia dos números divulgados pelo Poder Executivo e acredita que o ajuste não é suficiente para reequilibrar as contas públicas.

Agora, a expectativa na apresentação de novas ações aumenta. A equipe econômica, porém, não dá sinais concretos nesse sentido e ainda precisa votar projetos que ficaram pelo caminho, como a mudança na aposentadoria dos militares e o combate aos supersalários do funcionalismo.

“A dinâmica negativa no mercado de juros se acentuou em dezembro. Isso decorreu principalmente do pessimismo crescente dos agentes de mercado com relação ao cenário fiscal do País — acarretando aumento do prêmio de risco, continuidade da depreciação do real e desancoragem adicional das expectativas de inflação — e da reprecificação da trajetória esperada para a taxa Selic”, dizem os economistas Sérgio Goldenstein, Cecília Mazzoni e Thais Borges em relatório da Warren Rena.

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Tesouro diz que emissões refletem demanda ‘consiste’ e nega ‘crise de confiança’

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O Tesouro Nacional informou ter captado um volume próximo a R$ 1,5 trilhão com a venda de títulos no ano passado. “Não há elementos para falar em crise de confiança. As emissões de títulos realizadas em 2024 e os leilões realizados nesta semana (dias 7 e 9 de janeiro de 2025) indicam demanda consistente pelos títulos públicos ofertados pelo Tesouro Nacional”, afirmou o órgão ao Estadão.

O Tesouro afirmou que as taxas são compatíveis com o mercado secundário de títulos públicos e que refletem as condições de demanda e oferta vigentes. As recentes suspensões de leilões decorrem da dinâmica do mercado e a compra e venda de títulos em dezembro, classificada pelo mercado financeiro como um mês de estresse alto, ocorreram para melhorar a liquidez e a formação dos preços em um momento de volatilidade, segundo o Tesouro.

“O governo vem empreendendo vários esforços em favor do fortalecimento do arcabouço fiscal, promovendo a consolidação fiscal e assegurando a sustentabilidade da dívida. Além disso, medidas como a implementação da reforma tributária e medidas microeconômicas não apenas contribuem para a sustentabilidade da dívida, mas também fortalecem o crescimento econômico do país e o desenvolvimento dos mercados”, disse o órgão.

O colchão da dívida pública, que é uma reserva financeira usada em momentos de turbulência ou quando vencem muitos títulos de forma concentrada, encerrou o mês de novembro do ano passado em R$ 856 bilhões — o dado de dezembro ainda não foi divulgado. No final de 2023, a reserva era de R$ 982 bilhões. O Banco Central ainda pode transferir recursos para o Tesouro e ajudar na gestão da dívida pública.

“Não faltará dinheiro. O ponto não é esse neste momento. O ponto é que quando você começa a perceber que o colchão está se reduzindo e que o governo está tendo maior dificuldade para vender os títulos, vai exacerbando a sensação de que trajetória fiscal é insustentável”, afirma Carlos Kawall. “Foi isso que a gente viveu no governo Dilma: não acabou o dinheiro, mas isso levou a economia para uma mega recessão naquele momento. O que vai acontecer quando a economia desacelerar?”, questiona.

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