Compra e venda de macacos virtuais que valem milhares de reais, obras de arte que podem ser fracionadas para diversos donos, pedacinhos de imóveis que geram renda de aluguel e moedas eletrônicas negociadas pelo mundo. O leque de opções de investimento em tokens é vasto. Antes que seu corretor ligue oferecendo uma tokenização de ativo para colocar na carteira, entenda mais sobre o assunto.
1) O que é um token?
Os tokens são títulos digitais que representam virtualmente a posse de ativos ou uma fração deles. Isso tudo ocorre dentro da tecnologia blockchain, que permite que os tokens sejam registrados e negociados. Vale destacar que toda criptomoeda é um token, mas nem todo token é uma criptomoeda. Neste cenário, existem os tokens fungíveis e os não fungíveis, conhecidos como NFT (Non-Fungible Tokens). Os fungíveis podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Já o conceito de não fungíveis é usado para ativos com características únicas, como uma obra de arte, por exemplo. “As moedas (do mundo real), por exemplo, têm a característica de serem semelhantes, isso é ser fungível. Já as coisas que são diferentes e que a gente quer garantir que sejam sempre diferentes são as não fungíveis”, explica o professor Jean Martina, do departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No caso das criptomoedas, no entanto, não há um consenso. Enquanto alguns especialistas defendem que elas são fungíveis porque podem ser trocadas por outras de mesmo valor, outros acreditam que elas se encaixam na categoria de NFT, porque não seriam moedas e sim ativos com características únicas.
2) Quais são os principais tipos de token?
- NFTs, ou tokens não fungíveis: são insubstituíveis por outros do mesmo tipo ou valor, e podem ter a autenticidade e propriedade verificadas por meio de certificados digitais. Ser único e exclusivo traz aos NFTs o valor de bens colecionáveis, como no caso do Bored Ape, que o jogador Neymar adotou, ou das CryptoPunks, coleção de desenhos digitais baseados em pixel art.
- Payment token: está associado às criptomoedas, sendo utilizado como um meio de pagamento. Conforme Luis Felipe Carvalho, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e fundador da carteira digital NG.Cash, a tecnologia por trás das criptomoedas une “técnicas de criptografia para criar representações digitais das coisas, de uma forma que os dados e o valor andem juntos”.
- Utility token: tem como função conceder acesso a um produto ou uma necessidade específica, como a transferência de ativos entre partes, o que vale para cupons de venda ou programas de fidelidade.
- Security token: está vinculado à transação de ativos negociáveis, como ações ou imóveis, que geram dividendos e juros.
- Equity token: é como a ação de uma empresa ou uma commodity, e visa a captação de recursos e o armazenamento de investimentos, como explica Eduardo Dotta, advogado e professor do Insper na área de Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. “Os tipos mais comuns são o utility token e o equity token”, afirma. Vale lembrar que um token pode se enquadrar em mais de uma categoria. Esse é, aliás, um ponto que os reguladores têm discutido.
No final das contas, o token é uma representação digital de alguma coisa, e pode ter valor ou não
Luis Felipe Carvalho, professor da PUC-Rio e fundador da carteira digital NG.CASH
3) Como começar a comprar e vender tokens?
É possível comprar e vender criptomoedas por meio de aplicativos de bancos que oferecem o serviço ou de uma conta em uma corretora ou exchange, plataformas onde as transações ocorrem. Quando compramos cripto por meio das exchanges, a custódia não fica em nossa própria wallet, fica com a exchange. É preciso, então, transferir para uma wallet própria. As transações de tokens utilizam a tecnologia Smart Contracts para garantir a execução de cláusulas de contratos e minimizar possíveis riscos na transação. Martina e Dotta concordam que o melhor caminho para quem quer começar a investir em tokens com segurança é se certificar da credibilidade do ativo e da exchange. “Você quer um security token, por exemplo, o primeiro passo é verificar se aquela emissão é registrada, se conta com segurança regulatória, se está num ambiente seguro. Se você vai em uma NFT, ou algum outro tipo de token, é ver quem está por trás, quem é a exchange, se é uma empresa séria que tem realmente o ativo por trás e se não é um esquema de pirâmide”, alerta Dotta.
4) Qual a rentabilidade de um token?
O conceito de rentabilidade vai depender do bem ou produto que estiver atrelado ao token. “Um token não vai ser rentável por ele mesmo, mas pelo ativo que estiver contido nele. A rentabilidade de um NFT vinculado a uma obra de arte, por exemplo, vai depender da valorização ou não desse bem. O importante é ter em mente o conceito de que o token é meio, não o fim. Ele não é o ativo propriamente dito”, explica o professor do Insper. E quando o assunto é a rentabilidade, o consenso é de que se deve ter cautela. “Não existe dinheiro fácil. Existem até casos de enriquecimento instantâneo, mas são poucos”, sintetiza Carvalho, da PUC-Rio. Ele alerta ainda que é possível que um ativo digital tenha um bom rendimento, mas não se deve apostar todo o patrimônio apenas neste tipo de operação. Por isso, a recomendação é experimentar a tecnologia para ganhar letramento financeiro. Quem comprou cripto há um ano, por exemplo, viu seu patrimônio cair ou até zerar, em alguns casos. Você tem estômago pra isso?”, questiona.
5) É seguro investir em tokens?
Segundo Daniel Niero, professor de MBA em criptoativos da Universidade de Pernambuco, as falhas de segurança não têm origem na tecnologia blockchain, que é tida como segura e improvável de ser quebrada, mas nos processos criados em cima dela, incluindo a ação humana. “Hoje, a gente tem uma tecnologia que é descentralizada, pública e permite que qualquer pessoa na internet possa participar desse processo, com um ambiente livre para fraudes”, afirma. O professor Martina reforça que para entrar nesse tipo de transação é necessário ter um apetite alto para o risco. “Se você não está acostumado a lidar com operações de risco financeiro não é recomendado, pela alta volatilidade das criptomoedas e por não ter a quem recorrer, já que é um processo totalmente descentralizado. Se te roubarem, não tem como pegar de volta”, conclui.
6) Os tokens possuem regulamentação?
O marco regulatório de criptoativos no Brasil, cujo texto base foi aprovado na Câmara em 29 de novembro e sancionado no último dia 22, está mais associado às criptomoedas e à prestação de serviços de ativos digitais. O projeto de lei traz diretrizes como livre concorrência, regras de prevenção à lavagem de dinheiro, regulamentação de prestadoras de serviço, além de incluir no Código Penal crimes relacionados à operação dos criptoativos. No texto, ficam de fora utility tokens e security tokens, este último relacionado a valores mobiliários e que já seria do escopo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Para o professor Dotta, o marco pode ajudar a mudar uma visão negativa do mercado de criptoativos. “Vai desmistificar essa imagem que ficou das criptos, dos tokens, como uma fraude. Não é! É uma tecnologia que ajuda em diversos dilemas e que, se bem utilizada, pode fazer progredir tanto o mercado financeiro como o de capitais”, diz ele. Na mesma linha, Marcos Viriato, CEO e fundador da Parfin, fintech especializada na gestão e custódia de criptoativos, acredita que a utilização de tokens na economia se difundirá cada vez mais com a regulamentação e também com Real Digital, token lastreado na moeda nacional que está sendo desenvolvido pelo Banco Central. “A regulamentação fará o público se sentir mais confortável com a utilização de tokens, sejam financeiros ou não. E a implementação do Real Digital contribuirá para o aumento da circulação de tokens no dia a dia dos brasileiros.”
7) Como as famílias de baixa renda serão impactadas com a tokenização do sistema financeiro?
Para o mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e colaborador do setor de tecnologia do Banco do Brasil, João Cassino, é necessário olhar para a parcela sem acesso à internet, do contrário poderá haver uma exclusão de parte da população diante da tokenização da economia. “E o que impacta essa exclusão digital? Impacta em você deixar essas pessoas de fora de todas as facilidades que a rede propicia, inclusive de aplicativos financeiros de bancos.” No ano passado, 28,2 milhões de pessoas no Brasil não tinham acesso à internet, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso representa 15,3% da população com mais de 10 anos de idade. O Relatório de Cidadania Financeira do BC (RCF) também enfatiza essa problemática. Levando em consideração usuários individuais, 92% dos brasileiros da Classe A acima de 10 anos eram usuários de internet em 2020, contrastando com apenas 67% das classes D e E. Para fazer uma previsão de como será a taxa de adesão dos brasileiros à versão eletrônica do real, o Banco Central traçou um paralelo com o Pix, alegando alta adesão por parte das famílias. “O último Relatório de Cidadania Financeira do Banco Central (RFC), publicado em 2021, mostrou que em março 25,2% dos beneficiários do Programa Bolsa Família, por exemplo, já tinham cadastrado ao menos uma chave Pix, 12,7% já haviam enviado um Pix e 18,3% já haviam recebido um Pix”, respondeu o BC, por meio de nota. (Reportagem de Alex Braga, Ana Luiza Serrão, Ana Ritti, Lara Castelo, Paulo Renato Nepomuceno)
Expediente
Reportagem I Alunos da 12ª turma do Curso Estadão de Jornalismo Econômico: Adrielle Farias, Alex Braga, Ana Clara Praxedes, Ana Luiza Serrão, Ana Ritti, Beatriz Capirazi, Carolina Maingué Pires, Davi Valadares, Erick Souza, Fernanda Paixão, Gabriel Tassi, Guilherme Naldis, Jean Mendes, Jennifer Neves, Lara Castelo, Letícia Araújo, Luiz Araújo, Maria Clara Andrade, Maria Lígia Barros, Paulo Renato Nepomuceno, Pedro Pligher, Rebecca Crepaldi, Renata Leite e Zeca Ferreira Edição e coordenação I Carla Miranda e Luana Pavani
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