BRASÍLIA - Ao lado da questão fiscal, as incertezas em torno do novo presidente do Banco Central estão por trás da desancoragem das expectativas de inflação, na avaliação do ex-diretor do BC, professor-adjunto da Georgetown University, em Washington, e coordenador acadêmico do Instituto Makros, Tony Volpon. Por isso, de acordo com ele, vale a pena adiantar a sucessão no órgão, pois redimiria ao menos uma dúvida que está no front.
Volpon disse acreditar que o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, segue como o favorito do governo para ocupar a cadeira do atual presidente, Roberto Campos Neto. O economista Paulo Picchetti, que há pouco mais de três meses comanda a diretoria internacional da instituição, vem ganhando cada vez mais a preferência do setor privado. “O mercado gostaria de ter um nome mais técnico e menos ligado ao governo no BC”, disse, acrescentando que, se o indicado for firme com a meta de inflação, o efeito pode ser imediato sobre as expectativas.
O ex-diretor do BC comentou ainda que o forward guidance (indicação sobre os próximos passos da política de juros) parece ter sido uma boa ferramenta neste seu uso mais recente, mas tem dúvidas sobre se gerou ganhos muito grandes. Ele analisou ainda o trabalho do Federal Reserve (Fed) e disse que há um risco subestimado pelos mercados de o BC americano não conseguir iniciar o tão aguardado processo de corte de juros. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
O que o sr. achou do uso do forward guidance pelo BC até aqui, incluindo seu encurtamento agora?
Tem exemplos de sucesso e de fracasso. O uso durante a pandemia foi claramente um exemplo de fracasso, pois acabou contribuindo para o surto inflacionário que a gente sofreu e levando a meta (de inflação) a estourar nos dois anos seguintes. Já o modelo de sinalizar dois meses à frente funcionou bem, precificou bem a curva, não trouxe nenhuma grande surpresa. Agora o contrafactual: se não tivessem feito isso e mantido os cortes de 0,5 ponto porcentual? Teria sido muito diferente? Não sei se teve um ganho muito grande. Como o próprio Picchetti notou na entrevista ao Estadão/Broadcast, o problema é na hora de tirar o guidance. Como tirá-lo sem criar volatilidade. Está cedo demais para a gente julgar se essa foi uma experiência de sucesso ou não. Vamos ver o que vai acontecer em junho e nas próximas reuniões, como o mercado vai reagir. Porque, na verdade, ainda estamos no processo, não foi totalmente retirado. Até agora está indo bem, mas vai ter de vir uma outra coisa e vai acabar mesmo, então vamos ver se essa retirada completa será pacífica ou se vai criar efeitos colaterais negativos, como ocorreu com outras experiências que a gente viu no mundo e no Brasil.
Há risco de contribuir também ainda mais para a desancoragem das expectativas?
As expectativas para a inflação estão desancoradas por um mix de temor de uma eventual desancoragem maior do fiscal e sobre quem ficará no lugar de Roberto Campos Neto. Se o novo presidente (do Banco Central) terá, de fato, um compromisso com a meta de inflação ou se esse compromisso será relativizado como foi, por exemplo, na época do Tombini (ex-presidente do BC, Alexandre Tombini), quando houve aquela queda de juros inesperada.
Que ficou conhecida como “cavalo de pau”...
Isso, o cavalo de pau, que teve uma parada técnica para a eleição e depois continuou depois da reeleição da Dilma (ex-presidente Dilma Rousseff), levando a Selic para 14,25% ao ano.
Sobre a sucessão de Campos Neto: além do nome de Gabriel Galípolo, parece que o de Paulo Picchetti tem se fortalecido mais agora.
É mais um desejo do mercado do que uma avaliação objetiva sobre a real possibilidade de ele ser o eventual presidente da autarquia. Tudo me indica ainda que Galípolo é mais do que o favorito no momento a ser o presidente indicado no final deste ano. Não vejo nada que indique concretamente que está tendo algum tipo de repensamento nessa questão. Parece ser um pouco de desejo de fração do mercado, que gostaria de ter um nome mais técnico e menos ligado ao governo.
O que o novo presidente do BC terá de fazer para não abalar o mercado?
Se é verdade que a estabilidade das expectativas longas (para a inflação) está em 3,5%, apesar de se ter sido confirmada a meta em 3%, pela incerteza sobre essa passagem, dependendo do nome - estamos dizendo que o favorito é o Gabriel (Galípolo), mas não podemos afirmar com certeza absoluta -, o mercado terá uma visão sobre o que deve ser a gestão dessa pessoa. Se é uma pessoa que tem um histórico profissional e intelectual que aponta para o compromisso com a meta de inflação de 3%, pode haver uma ancoragem relativamente rápida para 3%. No ambiente atual, o fato de o BC já estar sinalizando que vai desacelerar o pace (ritmo) do corte - razão pela qual diminuiu o guidance - e pausar o ciclo num patamar mais alto do que o mercado estava pensando, num nível ainda contracionista, parte disso é porque as expectativas estão desancoradas. Então, se o novo presidente conseguir, de início, ser visto pelo mercado como alguém que tem esse compromisso, deve ter uma queda das expectativas e, portanto, a capacidade de uma queda de juros maior em relação ao patamar de hoje. Hoje, o Banco Central está constrangido pela desancoragem das expectativas. Quando o novo presidente for anunciado, tem o “efeito anúncio”, pois a probabilidade de ser aprovado é extremamente alta. O efeito sobre as expectativas pode ser imediato e permitir que o BC baixe mais os juros do que pode baixar hoje.
Continuamente, o Banco Central fica afirmando que é preciso ter certeza da convergência da inflação para a meta e, ao mesmo tempo, as expectativas ancoradas. Ele tem duas condições. Se não está ganhando em uma delas, é forçado a ter o juro mais alto. Por isso, o governo hoje, em função dessa incerteza sobre quem será o próximo presidente, já paga um preço por esse prêmio. Se as expectativas estivessem ancoradas, o BC não teria retirado o plural do seu guidance e caminharia mais rapidamente para um patamar provavelmente menor de juros. Então, essa incerteza já cobra seu preço hoje, não é uma coisa teórica. Por isso, o Roberto Campos Neto disse que talvez seria mais vantajoso acelerar o processo de nomeação e transição. Acho que vale a pena, sim, porque parte desse prêmio é não se saber quem será o nomeado. Pelo menos, uma dúvida seria redimida. E essa pessoa também terá tempo, antes de assumir a presidência, de explicar o que pensa. Talvez seja uma pessoa que já tem a credibilidade para ancorar rapidamente as expectativas sem dizer nada.
O sr. já esteve na diretoria internacional do BC e o Copom tem repetido que não há relação mecânica entre o que o Fed fizer com a política de juros aqui...
É verdade, não existe relação mecânica. O que existe são influências. O dólar é o padrão mundial financeiro, há uma farta literatura sobre essa questão e a matéria que eu leciono na Georgetown fala muito sobre isso. Não é por acaso que o nosso Banco Central decidiu colar suas reuniões no mesmo dia do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), apenas algumas horas depois. Se o Fed não fosse importante, não teria feito isso, mas não há uma relação mecânica. Obviamente, o Banco Central olha para a situação de maneira holística. Há um risco subapreciado no mercado: há um risco muito concreto de que o Fed, em função de uma clara aceleração da economia americana - e que pode ser uma sinalização que a inflação esteja, de fato, se normalizando acima do patamar na meta -, talvez não haja espaço realmente de corte no curto prazo. A gente pode estar num processo de ficar empurrando sempre para a frente: março que virou junho, que pode virar setembro, aí tem eleição, então é dezembro... O processo de ficar empurrando para frente cria um constrangimento, uma restrição mecânica. Pode-se entrar num processo em que o Fed não consiga iniciar os cortes.
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