O tumulto de uma guerra comercial entre a China e a Europa explodiu esta semana, quando centenas de trabalhadores da fábrica de conhaque Hennessy, no sudoeste da França, na quarta-feira, paralisaram o trabalho pelo segundo dia para protestar contra o que os sindicatos disseram ser planos de transferir o engarrafamento de conhaque para a China.
A Hennessy, de propriedade da gigante francesa do luxo Louis Vuitton Moët Hennessy, está explorando a mudança depois que a China impôs recentemente penalidades financeiras pesadas sobre as importações europeias de conhaque, de acordo com os sindicatos Confédération Générale du Travail e Force Ouvrière, que representam os funcionários da Hennessy.
No mês passado, a China elevou as apostas em uma disputa comercial com a União Europeia, impondo penalidades temporárias sobre o conhaque da Europa e alertando sobre possíveis tarifas sobre outros produtos europeus. A ação de Pequim ocorreu depois que a União Europeia votou a favor de tarifas mais altas sobre as importações de veículos elétricos fabricados na China. A França liderou a pressão pelas tarifas dos veículos elétricos, e quase todo o conhaque visado pela China é fabricado na França.
A Hennessy não respondeu imediatamente a um pedido de comentário. O National Interprofessional Cognac Bureau, um grupo comercial, disse em um comunicado que as marcas poderiam ser “forçadas a explorar todos os caminhos” para atenuar o impacto das tarifas chinesas.
“Os trabalhadores estão muito impactados e emocionados”, disse Matthieu Devers, líder sindical da CGT na Hennessy, na terça-feira, 19, em um vídeo postado no X, quando cerca de 500 trabalhadores interromperam a produção na destilaria. “Eles querem mostrar sua oposição absoluta aos testes planejados para transferir parte da produção para a China.”
Alguns trabalhadores de outros produtores de conhaque das chamadas Quatro Grandes da França se juntaram às greves, acrescentou, incluindo funcionários da Martell, uma casa de conhaque fundada em 1715, e da Rémy Martin e Courvoisier. Com a Hennessy, as marcas produzem a maior parte do conhaque do mundo.
A Hennessy e outros importadores de conhaque devem depositar até 39% do valor de atacado das remessas para a China. Pequim, que tem a opção de transformar os depósitos em tarifas permanentes, acusou os produtores europeus de conhaque de prejudicarem os produtores chineses ao praticar dumping de conhaque a preços injustamente baixos no mercado chinês.
As ações da LVMH, o maior grupo de luxo do mundo, caíram 3% na terça-feira, 19, aprofundando uma queda que se iniciou depois que a empresa alertou no mês passado sobre um “ambiente econômico e geopolítico incerto” e publicou lucros que decepcionaram os analistas. A ação se recuperou ligeiramente na quarta-feira.
Os produtores de conhaque pressionaram o presidente Emmanuel Macron, da França, a negociar “uma solução diplomática” com a China para garantir que as tarifas não se tornem permanentes. As penalidades, alertam os sindicatos, poderiam levar as empresas a transferir mais produção de conhaque para a China, desferindo um golpe devastador na região produtora de bebidas alcoólicas de Cognac e em outras partes da Europa onde o conhaque é produzido.
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Macron disse na terça-feira, 19, na reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20) no Brasil, que estava confiante de que a disputa comercial com a China, que afeta os produtores de conhaque da França, seria resolvida. Ele acrescentou que pediu ao primeiro-ministro Michel Barnier para visitar a China no próximo ano.
Nesse meio tempo, a LVMH e outros produtores europeus de conhaque estão se esforçando para encontrar um caminho a seguir — com poucas soluções palatáveis. De acordo com o sindicato CGT, a Hennessy tem planos de enviar conhaque já destilado para a China em tanques e engarrafá-lo lá para evitar as tarifas sobre o conhaque. O sindicato descreveu o plano como um “teste” que poderia ser realizado antes do final do ano.
Um vídeo mostrou centenas de trabalhadores reunidos na manhã de quarta-feira, 20, do lado de fora da fábrica de conhaque Hennessy em Charente, região da França onde ocorre a produção de conhaque. A greve poderá continuar até o início da próxima semana, quando a gerência deverá se reunir com os funcionários. Cerca de 17.000 pessoas na região são empregadas diretamente na produção de conhaque, e outras 30.000 ganham a vida com o negócio, em embalagens, transporte e outros campos.
As vendas de conhaque diminuíram desde os bloqueios causados pela pandemia, há vários anos, e foram ainda mais afetadas pela queda nas vendas na China e nos Estados Unidos mais recentemente. Em 2023, as exportações de conhaque francês caíram em valor quase 15%, para 3,35 bilhões de euros (cerca de US$ 3,5 bilhões ou R$ 20,4 bilhões, ao câmbio desta quinta-feira, 21).
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