Depois da fraqueza que exibiu no verão do Hemisfério Norte, o mercado de trabalho nos Estados Unidos voltou a mostrar a sua fortaleza em setembro, superando até mesmo as projeções mais otimistas de Wall Street. Associado à queda do desemprego e a um reajuste salarial acima do previsto, o relatório conhecido como payroll (”folha de pagamento”), principal termômetro laboral no país, causou um rebuliço nas expectativas para os juros da maior economia do planeta, que passaram a apontar uma queda menos intensa das taxas à frente.
Os EUA criaram 254 mil empregos nos EUA em setembro, em termos líquidos, muito acima do que analistas consultados pelo Estadão/Broadcast esperavam, de 70 mil a 220 mil vagas, com mediana de 140 mil. Foi o relatório mais forte desde março deste ano, quando o país gerou mais de 300 mil postos de trabalho.
Por sua vez, o índice de desemprego caiu pelo segundo mês consecutivo, de 4,2% em agosto para 4,1% em setembro. Outra boa notícia veio dos salários, que subiram também acima do cenário traçado por operadores em Wall Street.
Além disso, o relatório também trouxe revisões importantes nos dados de agosto e julho, com a adição líquida de 72 mil novas vagas nos EUA, empurrando o número total para mais de 300 mil. “Lembra daquele mercado de trabalho fraco de verão? Bem, nenhum vestígio dele no relatório de empregos de setembro”, avaliou o economista do CIBC Economics, Ali Jaffery.
Nas palavras do conselheiro econômico-chefe da Allianz e guru de Wall Street, Mohamed El-Erian, o payroll de setembro foi “explosivo”, com todos os dados notavelmente acima das expectativas traçadas pelo mercado. O relatório é um bom motivo para o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) pressionar mais os mercados para uma política de mandato único, de emprego máximo, e a prever cortes menos agressivos nos juros neste e no próximo ano.
“Se tivermos mais payrolls como este, ficarei mais confiante no pleno emprego”, disse o presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, em entrevista à Bloomberg. O dirigente, que não vota nas decisões monetárias neste ano, não se comprometeu com o tamanho dos cortes futuros, mas avaliou que as taxas devem estar “um pouco mais baixas” ao fim de 2025.
Embora ainda faltem dados relevantes até a reunião do Fed de novembro, o payroll de setembro causou uma reviravolta nas expectativas de Wall Street quanto ao rumo dos juros no país. As chances de a autoridade baixar as taxas em 0,25 ponto porcentual no seu próximo ato dispararam para mais de 90% após o dado, conforme a plataforma CME Group.
O mercado também diminuiu significativamente as apostas quanto a um relaxamento monetário agressivo pelo Fed até meados do próximo ano. A maior chance é de uma queda acumulada de 1,25 ponto porcentual até maio de 2025, segundo a ferramenta de monitoramento do CME Group. Caso se confirme, levará os juros americanos para a faixa de 3,50% a 3,75%.
Para o economista-chefe do JPMorgan, Bruce Kasman, o forte mercado de trabalho em setembro pode mudar ainda mais o debate quanto ao rumo dos juros nos EUA. Além disso, diminuem de forma “substancial” as preocupações com demissões em massa no país, conforme ele.
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“Ainda temos outro relatório payroll e mais um de inflação antes da reunião do Fed, para sabermos se é devido mudar o debate para um corte de 25 pontos-base (0,25 ponto porcentual) ou a manutenção dos juros”, disse Kasman, em teleconferência, nesta manhã.
Os investidores já começaram a questionar sobre a possibilidade de manutenção de juros nos EUA na reunião do Fed de novembro, diz o economista-chefe do Santander para os EUA, Stephen Stanley. “Minha resposta é que uma pausa em novembro não está fora de questão, mas só acontece se também tivermos surpresas positivas para a inflação de setembro e o payroll de outubro”, explica o economista, que mantém a expectativa de uma série de cortes de 0,25 ponto porcentual à frente.
O que vem com o ‘pouso suave’
Depois do payroll de setembro, o Bank of America mudou a sua projeção para a reunião de novembro, e agora vê o Fed cortando 0,25 ponto porcentual, e não mais 0,50 ponto porcentual. Assim, a sua projeção de taxa ao fim do ciclo subiu para 3,0% a 3,25%. Os riscos para esse número são positivos dada a sequência de dados que apontam para um crescimento mais forte da produtividade nos EUA, segundo o economista do BofA, Aditya Bhave.
Na visão de Kasman, do JPMorgan, o payroll de setembro também tira o risco de cauda da maior economia do mundo e reforça o cenário de “pouso suave”. Mas, ainda assim, há múltiplos resultados possíveis, inclusive, quanto ao comportamento futuro dos juros nos EUA. “Um ambiente de pouso suave (nos EUA) tem mais probabilidade de ter inflação e taxas de longo prazo mais altas”, alertou.
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