Trabalho infantil recua no Brasil, mas ainda afetava 1,6 milhão de crianças e adolescentes em 2023

Desse total, 586 mil pessoas de 5 a 17 anos estavam em ocupações consideradas como as piores formas de trabalho infantil, ou seja, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde

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RIO - O Brasil tinha 1,852 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos fazendo algum tipo de trabalho em 2023, sendo 1,607 milhão deles em situação de trabalho infantil que deveria ser erradicado. Além disso, mais de 500 mil pessoas nessa faixa etária exerciam alguma atividade econômica sob condições de risco à sua integridade física e saúde.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua): Trabalho de Crianças e Adolescentes 2023, divulgados nesta sexta-feira, 18, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trabalho infantil recuou em 2023, mas número ainda é alto Foto: Keiny Andrade/Estadão

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O levantamento mostrou um retorno, em 2023, à trajetória de redução do trabalho infantil, que deveria ser eliminado em todas as suas formas até o ano de 2025, segundo meta prevista nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Após três anos seguidos de quedas na série histórica da pesquisa, o contingente de crianças e adolescentes no trabalho infantil subiu de 1,758 milhão em 2019, quando totalizava 4,5% da população de 5 a 17 anos de idade, para 1,881 milhão em 2022, o equivalente a uma fatia de 4,9% da população dessa faixa etária, 123 mil a mais nessa situação. O resultado equivale a um aumento de 7%.

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Em 2023, houve recuo de 14,6% no contingente de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 274 mil a menos, para o patamar de 1,607 milhão de afetados, o menor valor da série histórica iniciada em 2016.

“Foi um ano bastante favorável no mercado de trabalho. A renda das famílias e dos domicílios teve um ganho importante”, disse Gustavo Geaquinto Fontes, analista da pesquisa do IBGE.

Segundo ele, houve melhora também na renda proveniente de benefícios sociais, como o Bolsa Família. “O aumento desses benefícios pode ter contribuído. Pode ter efeito também de políticas públicas, dessa meta de eliminação do trabalho infantil”, disse.

O analista frisa que nem todo trabalho de crianças e adolescentes é considerado trabalho infantil (que deve ser erradicado). Os critérios considerados pelo IBGE no levantamento incluem o fato de a legislação brasileira proibir qualquer forma de trabalho até os 13 anos de idade. Nas faixas etárias mais avançadas, há regras sobre existência de vínculo empregatício formal, limite de jornada semanal e obrigatoriedade de frequência escolar, por exemplo. De 14 a 15 anos, o trabalho é permitido na forma de aprendiz. De 16 a 17 anos, há restrições ao trabalho noturno, insalubre e perigoso. O trabalho para autoconsumo também caracteriza uma situação de trabalho infantil, por exemplo, se o adolescente estiver em jornada exaustiva.

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De acordo com os dados do IBGE, o Nordeste concentrava o maior contingente de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade em situação de trabalho infantil, 506 mil. A região Norte tinha a maior proporção da população dessa faixa etária em situação de trabalho infantil, 6,9%, enquanto o Sudeste tinha o menor porcentual, 3,3%.

Consumo próprio

No ano de 2023, o trabalho infantil - exercido tanto em atividade econômica quanto para autoconsumo da família - somava 346 mil crianças de 5 a 13 anos, 366 mil adolescentes de 14 e 15 anos, e 895 mil adolescentes de 16 e 17 anos. Entre os 1,607 milhão que estavam em trabalho infantil, 1,182 milhão realizavam atividade econômica (128 mil delas crianças até 13 anos) e 425 mil atuavam apenas para autoconsumo (218 mil crianças inclusas).

Na população em situação de trabalho infantil, 63% das crianças de 5 a 13 anos realizavam apenas produção para o próprio consumo. Na faixa de 14 e 15 anos, 70% realizavam atividades econômicas, porcentual que subia a 89,2% no grupo de 16 e 17 anos.

Em 2023, uma em cada cinco (20,6%) crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil trabalhavam 40 horas ou mais por semana. Segundo o IBGE, essa jornada laboral está afastando essas crianças da escola. Enquanto 97,5% da população de 5 a 17 anos de idade eram estudantes, entre os trabalhadores infantis esta taxa descia a 88,4%.

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Quase dois terços (65,2%) das crianças e adolescentes em trabalho infantil eram pretas ou pardas, superando a participação deste grupo de cor ou raça na população brasileira de 5 a 17 anos de idade (59,3%).

A atividade econômica que mais absorvia crianças e adolescentes era o comércio, cooptando 26,7% dos trabalhadores dessa faixa etária, seguida pela agricultura (21,6%).

Trabalho de risco

Em 2023, havia 586 mil pessoas de 5 a 17 anos de idade em ocupações consideradas como piores formas de trabalho infantil, ou seja, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde. O resultado representa uma queda de 22,% em relação a 2022, descendo assim ao menor contingente de crianças e adolescentes nessa situação em toda a série histórica, iniciada em 2016.

Esse grupo representava 41,1% da faixa etária atuando em atividades econômicas (1,182 milhão de pessoas). Entre as crianças de 5 a 13 anos trabalhando em alguma atividade econômica, 65,7% atuavam sob risco.

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O rendimento médio real das pessoas de 5 a 17 anos de idade que realizavam atividades econômicas em situação de trabalho infantil foi estimado em R$ 771 no ano de 2023. Em 2023, o rendimento médio mensal das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil era de R$ 771. Já o rendimento médio dos envolvidos no trabalho infantil perigoso (Lista TIP) ficou em R$ 735 por mês.

“As desigualdades observadas no mercado de trabalho do país se estendem ao universo do trabalho infantil. O rendimento médio dos trabalhadores infantis do sexo masculino era de R$ 815, enquanto as do sexo feminino recebiam R$ 695. Para pretos ou pardos no trabalho infantil, o rendimento médio era de R$ 707, e de R$ 875 para os brancos na mesma situação”, apontou o IBGE.

No período, entre as crianças e adolescentes de domicílios que recebiam benefício do Bolsa Família, 3,4% (466 mil) realizavam atividades econômicas, enquanto que no total de pessoas de 5 a 17 anos, esse porcentual foi de 3,7%.

Trabalho doméstico

O levantamento mostra ainda que mais da metade das crianças e adolescentes brasileiros de 5 a 17 anos realizava afazeres domésticos ou era responsável pelo cuidado de outras pessoas, como irmãos mais novos.

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Esse grupo corresponde a 52,6% da população de 38,3 milhões de habitantes nesta faixa etária existentes no País. O grupo de 16 a 17 anos de idade tinha maior proporção de pessoas fazendo esse tipo de tarefa, 75,3%, seguida pelo grupo de 14 a 15 anos, com 72,9% desses adolescentes desempenhando essas atividades. Entre as crianças de 5 a 13 anos de idade, 42,7% faziam tarefas domésticas ou eram responsáveis pelo cuidado de pessoas.

Entre as crianças e adolescentes que desempenhavam essas tarefas em casa, 1,1 milhão também atuavam concomitantemente em atividades econômicas.

“O trabalho em atividades econômicas não eximia crianças e adolescentes dos afazeres domésticos. Na verdade, a proporção dos envolvidos em afazeres domésticos era maior entre os que trabalhavam (75,5%) do que entre os que não realizavam nenhuma atividade econômica (51,7%)”, frisou o IBGE.

Considerando todas as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil (seja em atividade econômica seja em produção para autoconsumo), 79,3% realizavam também afazeres domésticos e/ou cuidados de pessoas.

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Segundo a pesquisa, 87,3% das pessoas de 5 a 17 anos que realizavam afazeres domésticos e/ou cuidados de pessoas dedicaram até 14 horas semanais a essas tarefas, enquanto 10,3% destinaram de 15 a 24 horas.

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