Trabalho remoto ainda resiste após pandemia

Pesquisa aponta que expediente em casa nos EUA saltou de 5%, em 2019, para 30%, no ano passado

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Por Sarah Kessler

THE NEW YORK TIMES - Durante quase três anos, desde que as precauções provocadas pela pandemia tornaram regra o trabalho remoto, as empresas vêm negociando um “novo normal” num contexto que, segundo alguns, beneficia os trabalhadores: contratar tem sido difícil, pedir demissão virou tendência e os empregadores estavam em uma posição favorável para atender as preferências dos funcionários.

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Esse tempo acabou. Apesar do número de vagas continuar sendo superior ao de candidatos, e embora muitos prevejam que os Estados Unidos vão entrar em recessão, a maioria dos economistas espera mais demissões e menos vagas de emprego nos próximos meses, conforme as empresas repensam a forma como operam. Na semana passada, a Amazon disse que cortaria 18 mil postos de trabalho, ou cerca de 6% de seu quadro de funcionários, e a Salesforce afirmou planejar demitir 10% de seus empregados, ou aproximadamente oito mil profissionais. O Goldman Sachs está se preparando para dispensar até 4 mil pessoas.

À medida que o local de trabalho muda, alguns CEOs famosos enxergam uma oportunidade de trazer os funcionários de volta ao escritório. Em maio de 2021, David Solomon, CEO do Goldman Sachs, disse para os profissionais do banco se prepararem para voltar ao escritório no mês seguinte, a fim de incentivar uma maior colaboração presencial e a vivência da cultura da empresa.

Elon Musk acabou com a “política de trabalho de qualquer lugar” do Twitter em seu primeiro e-mail aos funcionários depois de adquirir a empresa no ano passado, dizendo que exigiria deles pelo menos 40 horas por semana no escritório. Bob Iger quase fez a mesma exigência em seu retorno como CEO da Disney em novembro, mas teria dito aos funcionários que se preocupava " com o impacto negativo a longo prazo sobre as pessoas que decidiram não passar tanto tempo no escritório”.

Mas será que o experimento do trabalho remoto provocado pela pandemia está prestes a terminar? Economistas que estudam a mudança para locais de trabalho mais flexíveis dizem que provavelmente não, apesar da pressão de alguns dos CEOs mais conhecidos do mundo.

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Crescimento

No ano passado, o trabalho remoto ficou bem acima dos níveis anteriores à pandemia, de acordo com dados compilados por um grupo de pesquisadores da Universidade Stanford, da Universidade de Chicago e do Instituto Tecnológico Autônomo do México.

Em 2019, cerca de 5% de todos os expedientes em dias úteis pagos nos Estados Unidos foram trabalhados de forma remota, segundo os dados do censo. Mas quando o grupo começou a coletar os dados para a Pesquisa de Acordos e Condutas de Trabalho dos EUA (SWAA, na sigla em inglês), uma consulta mensal com trabalhadores, essa proporção pulou para mais de 60%, em maio de 2020. No ano passado, a porcentagem ficou em torno de 30%.

Escritório em São Paulo durante o auge da pandemia do coronavírus.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Estamos todos de volta às tendências anteriores à pandemia nas compras online, mas permanentemente em alta com o trabalho online”, disse Nick Bloom, professor de economia em Stanford e coautor da pesquisa mensal.

A situação de trabalho remoto mais comum, de acordo com a SWAA e uma série de outras pesquisas, é agora o esquema de trabalho híbrido, com os funcionários trabalhando alguns dias no escritório e outros remotamente. As empresas, as indústrias e as situações individuais variam muito quanto às preferências e à viabilidade do trabalho remoto, mas, em média, ambos os lados têm ideias semelhantes a respeito da quantidade de tempo ideal para se passar no escritório.

Na pesquisa SWAA de dezembro, os trabalhadores que conseguem executar suas tarefas de casa disseram que preferiam trabalhar remotamente cerca de 2,8 dias por semana. Seus empregadores planejavam permitir que eles trabalhassem mais ou menos 2,3 dias por semana. Não é uma diferença grande entre as expectativas.

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Deslocamentos

Há razões óbvias pelas quais os funcionários dizem gostar de trabalhar remotamente: querem evitar o tempo e o dinheiro gastos com o deslocamento; concentram-se mais sem as conversas do escritório; sentem que é melhor para o seu bem-estar ficar em casa. Quando a consultoria McKinsey perguntou a 12 mil candidatos a emprego no ano passado por que estavam em busca de um novo emprego, “flexibilidade no trabalho” ficou logo atrás de “melhores salários ou horários de expediente” e “melhores oportunidades de carreira”.

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O que muitas vezes passa despercebido – e é uma das razões pelas quais alguns economistas acreditam que uma recessão teria pouco impacto na mudança nos acordos de trabalho – é que permitir aos funcionários trabalhar fora do escritório também pode beneficiar as empresas.

Em uma pesquisa realizada pelo ZipRecruiter, site de vagas de emprego, os candidatos disseram, no geral, que aceitariam um corte salarial de 14% para trabalhar remotamente.

Embora o mercado de trabalho continue forte, a economia está desacelerando e as empresas estão em busca de saídas para tornar suas vagas melhores sem aumentar os salários. E muitas delas dizem que estão recorrendo ao trabalho remoto para isso. “Não é que não vá haver alguma perda do poder de barganha por parte dos trabalhadores”, disse Steven Davis, professor da Universidade de Chicago e coautor da SWAA. “Apenas muitos empregadores têm suas próprias razões para pensar que a mudança, a mudança parcial, para o trabalho remoto é benéfica para eles também.”

Segundo um artigo publicado pelo Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA (NBER, na sigla em inglês), Bloom, Davis e outros perguntaram às centenas de executivos seniores entrevistados todos os meses pelo Federal Reserve de Atlanta se eles haviam ampliado o trabalho remoto como uma forma de “manter os funcionários felizes e aliviar as pressões para aumento salarial”. Trinta e oito por cento disseram ter feito isso nos últimos 12 meses, incluindo metade dos executivos que trabalham em setores como finanças, seguros, imóveis e serviços profissionais; e 41% disseram que planejavam fazer isso no próximo ano.

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Os autores usaram as estimativas dos executivos sobre quanto eles economizaram com salários ao oferecer a opção de trabalhar remotamente para concluir que isso reduziria os gastos das empresas com salários em 2% em dois anos.

“Isso não é muito”, disse Davis. “Mas sugere que há benefícios não triviais para muitas empresas com o trabalho remoto.”

Gestores encontram dificuldades em sustar home office

Especialistas têm sustentado que uma desaceleração da economia pode até mesmo reforçar, e não enfraquecer, o trabalho remoto. Recrutar de forma mais ampla, inclusive em cidades onde o custo de vida é menor do que onde uma empresa está sediada, pode significar pagar salários mais baixos – embora em alguns setores, como no de tecnologia, existam indícios de que os salários em diferentes cidades estão confluindo.

Os trabalhadores com a opção de trabalhar de forma remota talvez também tirem menos dias de licença médica ou para ir ao casamento de um amigo ou prolongar um feriado.

Sem dúvidas, também há custos com o trabalho remoto. Gestores e trabalhadores costumam discordar quanto a qual ambiente é mais produtivo. E trabalhar pela internet pode envolver problemas de segurança, novas aquisições de software e dores de cabeça de compliance com as contratações em vários Estados ou países. Mas, segundo Steven Davis, professor da Universidade de Chicago, em muitos casos, as empresas já arcaram com esses custos.

Recuo

Talvez a razão mais prática pela qual as empresas provavelmente mantenham o trabalho remoto no caso de uma recessão seja a dificuldade de revogá-lo. Até mesmo Elon Musk, pouco mais de uma semana depois de exigir o retorno ao escritório em tempo integral, teria esclarecido que tudo que era exigido dos funcionários para trabalhar remotamente era uma aprovação de um gestor disposto a assumir a responsabilidade de garantia de um desempenho excelente.

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“Muitas empresas nos últimos meses insistiram que as pessoas voltassem ao escritório cinco dias por semana, apenas para voltar atrás nessa exigência cerca de uma semana depois de ouvir que perderiam seus melhores e mais brilhantes”, disse Julia Pollak, a economista-chefe do ZipRecruiter. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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