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Transferência de renda sem condicionantes induz à retração do PIB no longo prazo, aponta FGV

Segundo estudo, renda básica universal acarretaria alta de 5,92% na carga tributária e retração de 11,83% no Produto Interno Bruto em 30 anos

RIO – Programas de transferência de renda podem estimular a economia no curto prazo, mas, a menos que imponham condicionantes para recebimento do benefício, a tendência é que induzam uma retração no Produto Interno Bruto (PIB) no longo prazo. A conclusão é do estudo Renda Básica Universal nos Países em Desenvolvimento: Armadilhas e Alternativas, pesquisa aplicada financiada pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV) e obtida com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.

A pesquisa considera como cenário de referência a situação do País em 1997, antes que programas de transferência de renda influenciassem indicadores econômicos. Utilizando um modelo macroeconômico de equilíbrio geral, que inclui o máximo de variáveis, o estudo testou o impacto de longo prazo de uma política de transferência de renda com condicionantes e dirigida somente à parcela mais pobre da população, como o Bolsa Família, e o de um programa de renda básica universal, que manteria o mesmo valor per capita do Bolsa Família, mas chegaria à toda a população.

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Em um período de 30 anos, a adoção do Bolsa Família levaria a um aumento de 0,67% na carga tributária do País, apontou o estudo. Já a implementação da renda básica universal demandaria uma elevação de 5,92% na carga tributária.

No cenário com Bolsa Família, a transferência de renda mais dirigida e com exigências de contrapartidas dos beneficiários, num ambiente de carga tributária mais modesta, permitiria um aumento de 16,24% na poupança ao longo de 30 anos, além de avanço de 17,13% no Consumo das Famílias, o que ajudaria numa expansão de 18,81% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Bolsa Família é pago a famílias em condição de vulnerabilidade social, com condicionantes como manter o filho na escola e ter a vacinação em dia Foto: Rafael Zart / ASCOM / MDSA

Já o cenário com a renda básica universal, que exigiria um gasto público maior e carga tributária mais elevada, ocasionaria, no longo prazo, um recuo de 15,26% na poupança, além de queda de 9,61% no Consumo das Famílias, o que contribuiria para uma retração de 11,83% no PIB em 30 anos.

“A renda básica universal, que a priori parece um programa legal, porque garante para todo mundo uma renda mínima e é muito popular ainda em alguns lugares, por ter uma carga tributária muito grande e por desincentivar poupança e até acumulação de capital humano, no longo prazo, não é uma boa política. É muito melhor fazer um Bolsa Família, principalmente pela obrigação de manter as crianças na escola”, defendeu Pedro Cavalcanti Ferreira, pesquisador da EPGE.

A taxa de pobreza do País, estimada em 20,4% da população no ano base, desceria a 4,1% após 30 anos de Bolsa Família, impulsionada, sobretudo, pela exigência de escolarização de crianças e adolescentes das famílias contempladas.

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Como a renda básica universal não possui condicionantes, o estudo estima que a pobreza seria apenas levemente reduzida aos fim de 30 anos, alcançando ainda 19,5% da população, calcula a pesquisa de Ferreira, conduzida em parceria com os pesquisadores Marcel Peruffo, da Universidade de Sydney, e André Valério, também da FGV.

“Nos três primeiros anos, ambos os programas reduzem a pobreza mais ou menos na mesma proporção, e esta taxa cai de 20% para cerca de 17% em ambos os casos. A partir do quarto ano, eles divergem: com a Bolsa Família, ela (taxa de pobreza) continua caindo, e com a renda básica universal, a pobreza congela por uns anos e depois aumenta”, disse Ferreira, lembrando que o cenário de renda básica universal resulta em menos poupança e menos escolarização.

“Dez anos depois, a taxa de pobreza resultante da introdução da Bolsa Família é de somente 5%, enquanto que a resultante da renda básica universal, neste mesmo período de 10 anos, é de 18%”, completou.

O aumento da escolarização em integrantes de famílias de baixa renda atendidas pelo Bolsa Família teria reflexos positivos de longo prazo também na desigualdade de renda proveniente do mercado de trabalho.

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O índice de Gini do rendimento médio do trabalho — indicador que mede a desigualdade de renda, numa escala de 0 a 1, em que, quanto mais perto de 1 o resultado, maior é a concentração de riqueza — desceria de 0,55 do cenário base para 0,37 após 30 anos de implementação do Bolsa Família. No caso de adoção da renda básica universal, o Gini teria ligeiro aumento após 30 anos, para 0,56.

O resultado está diretamente ligado às simulações da pesquisa para o nível de escolaridade da população. No cenário base, referente a 1997, 48,6% da população adulta não tinha completado o ensino primário, que atualmente corresponde aos cinco primeiros anos do ensino fundamental. Após 30 anos de implementação do Bolsa Família, essa fatia cairia a 3,0%. Se implementada a renda básica universal, o modelo aponta que essa proporção da população adulta sem concluir essa etapa de escolarização subiria a 54,5%.

Considerando que o exercício previsto no estudo tem como base de referência as condições do País em 1997, o horizonte futuro de aproximadamente 30 anos coincidiria com o ano de 2027. Pedro Cavalcanti Ferreira explica por que as projeções ainda estariam longe de se concretizarem no momento atual.

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“Neste tipo de exercício não há como controlar todos os eventos que ocorreram no período. Tivemos uma recessão no final do governo Dilma (presidente Dilma Rousseff) e depois, tivemos Covid etc. Este é um exercício onde ‘congelamos’ muita coisa — não tem inflação, por exemplo, nem ciclo de recessões — para olhar somente o efeito isolado dos programas de transferências. Não é um exercício de previsão, mas uma avaliação destes programas isoladamente. O famoso ‘tudo mais constante’ dos economistas”, justificou Ferreira.

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