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Proposta da equipe de transição desfigura lei do saneamento; entenda o que está em jogo

A mudança em um dos pilares do marco sancionado há pouco de mais de dois anos foi feita pelo grupo tem entre os integrantes o deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP)

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Foto do author Amanda Pupo
Atualização:

BRASÍLIA - O grupo de Cidades na transição propôs que o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) revogue os decretos que regulamentam o novo marco legal do saneamento e sugeriu que a futura administração retome a possibilidade de estatais de saneamento fecharem contratos sem licitação com municípios - a vedação a esse instrumento é um dos principais pilares da lei em vigor desde 2020.

O grupo que tem entre os integrantes o deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP) e o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB) ainda sugere revisar a legislação para revogar artigos que viabilizam a privatização de empresas estaduais de saneamento, como a Sabesp (SP) e a Corsan (RS).

Foto: Rafael Arbex / ESTADÃO Foto: Rafael Arbex / ESTADÃO

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Esse documento, assim como os relatórios de outros grupos técnicos, não foi divulgado pelo governo de transição. Lula pode ou não seguir as recomendações dos GTs.

Diferente da revogação dos decretos, cuja decisão cabe exclusivamente ao futuro presidente, a volta da permissão para que prefeituras possam contratar sem licitação (os chamados contratos de programa) dependeria de uma mudança na lei aprovada pelo Congresso.

Esse tipo de contrato foi o grande responsável pelo predomínio das estatais no saneamento brasileiro durante as últimas décadas. Como a lei anterior não obrigava os municípios a abrir licitação para contratar os serviços de água e esgoto, o comum era que prefeituras e companhias estaduais fechassem acordos entre si, muitos deles sem estipular metas de cobertura. A falta de fôlego para essas estatais investirem, no entanto, se apresentou como um problema. Quase metade da população não tem acesso à rede de esgoto. Pelas metas do novo marco, até 2033, as empresas precisam garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%.

No relatório, os membros do grupo afirmam que a nova lei causou desequilíbrio com o fim dos contratos de programa, porque dessa forma teria “proibido” a cooperação federativa, causando “insegurança jurídica e obstaculizou a prestação privada”.

No relatório, o GT de Cidades afirma que houve “redução” de recursos públicos no saneamento devido à “falta de igualdade na atuação do mercado” pelas empresas públicas e privadas, o que imporia a necessidade de revisão do marco do saneamento, segundo eles. Nesse ponto, o documento cita a necessidade de revogação de três artigos - dois foram colocados na lei para facilitar a privatização das estatais de saneamento. Um deles é considerado essencial para essas vendas ocorrerem, já que, na prática, ele permite que a empresa mantenha seus contratos em caso de venda. Sem essa segurança, o valor de mercado da estatal é atacado.

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Na última sexta-feira, 09, após ser anunciado como futuro ministro da Casa Civil, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), apontou que a gestão Lula 3 deverá ajustar pontos do modelo inaugurado em 2020 após “diálogo” com o setor. Para ele, que enquanto governador resistiu a vários trechos do marco legal durante a tramitação no Congresso, não houve a “explosão” de investimentos “como se esperava”. “Nós vamos olhar com carinho essa questão do marco do saneamento”, disse Costa, indicando que, num primeiro momento, o governo deve rever os decretos regulamentadores da lei.


Revogação de decretos

Desde de que o novo marco legal do saneamento entrou em vigor, o governo já editou pelo menos dois decretos regulamentadores, que o GT sugere revogar. Um deles é o que estabeleceu a metodologia de comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas de saneamento. Na prática, esse ato foi o responsável por invalidar mais de mil contratos de saneamento fechados entre estatais e municípios, por funcionar como uma “linha de corte” para empresas públicas que não tem estofo para investir no setor.

“Trata-se de ato normativo tecnicamente ruim e, ainda, com conteúdo discriminatório em relação aos prestadores públicos estaduais e municipais, e que vem causando muitos danos ao saneamento brasileiro. A medida (revogação) é importante para destravar investimentos, inclusive incentivando parcerias público-privadas, e fortalecer as entidades reguladoras”, diz o relatório.

O outro decreto citado, que o GT sugere revogar no primeiro dia de governo Lula, é o que regulamenta os novos requisitos para o acesso aos recursos federais, decorrentes do novo marco, como a regionalização dos serviços.

Apesar de parte do setor apoiar ajustes nos decretos de saneamento, a revogação completa é vista com extrema preocupação. A mudança nesses atos tem apoio do segmento privado apenas em questões específicas, como a revogação do artigo que reforça a limitação para contratação de PPPs por estatais.

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