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Equipe de Boulos sugere a Lula tirar saneamento da Agência das Águas; especialistas veem riscos

Parcela importante do setor vê retrocesso na medida, encarada como ataque ao marco legal do saneamento aprovado pelo Congresso por permitir maior ingerência política

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Foto do author Amanda Pupo
Atualização:

BRASÍLIA - O grupo técnico de Cidades no governo de transição propôs que seja retirada da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) a edição de normas para a regulação do saneamento, transferindo essa competência para um departamento do futuro Ministério das Cidades, que será recriado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O grupo tem entre seus integrantes o deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP) e o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB).

A sugestão de mudança encontra resistência em parcela importante do setor, que vê retrocesso na medida, encarada como um ataque ao modelo instaurado pelo marco legal do saneamento aprovado pelo Congresso em 2020. “Tirar da ANA a competência de regulação e transferi-la para o ministério significa ferir de morte o novo marco do saneamento”, disse o economista e ex-presidente da Sabesp, Gesner Oliveira.

Saneamento básico;Empresas estaduais de saneamento cujos contratos se tornaram irregulares por descumprimento ao novo marco legal do setor afirmam que estão buscando adequar suas estruturas à nova lei Foto: Fabio Motta/Estadão - Arquivo

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O advogado Maurício Portugal, especializado em aspectos regulatórios, apontou que transferir a função para o Ministério permitirá “interferência política” em um tema que deveria ser eminentemente técnico. “Um telefonema de um prefeito [as prefeituras são as titulares dos serviços de saneamento] para um ministro pode mudar a edição de uma norma, por exemplo. Enquanto o que queremos é que essas normas sejam feitas de forma robusta, técnica, com equipe imunizada de questões políticas”, disse Portugal, integrante da equipe que redigiu o projeto que se tornou a Lei de PPPs (2004).

Em versão do relatório final do GT de Cidades, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, o grupo afirma que a delegação da criação de normas de referência à ANA teria causado insegurança jurídica e gerado conflito de interpretação do papel das agências de regulação subnacional. Diz ainda que a regra resultou na não participação social e dos agentes de políticas públicas na formulação das normas.

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Os apontamentos seguem a mesma linha do advogado Wladimir Ribeiro, que foi ouvido pelo GT. Para ele, que defende a criação de um órgão nacional específico que cuidadaria da supervisão da regulação – não apenas de saneamento –, há aspectos específicos do setor que deveriam ser remetidos ao Ministério das Cidades, porque haveria mais “apoio e convergência” da política pública com a regulação. “Quem faz política pública tem que ter o cuidado de preservar o espaço da regulação e, do outro lado, dizer em que medida essa regulação, dentro do espaço autônomo, como pode contribuir para o sucesso da política pública”, disse.

Com mais de 80 agências reguladoras espalhadas pelo País, a prestação de serviços de água e esgoto sofre historicamente com a fragmentação de regras regulatórias - que interferem em temas como cobrança tarifária. O cenário, junto da antiga lei que possibilitava que estatais fechassem contratos com municípios sem licitação, afugentou o investimento privado no saneamento. Para tentar dar mais segurança jurídica e solucionar o atraso, simbolizado por quase metade dos brasileiros que ainda vivem sem acesso à rede de esgoto, o marco de 2020 atribuiu à ANA a missão de editar normas de referência para orientar o trabalho dos órgãos que regulam os contratos de água e esgoto.

Macapá, no Amapá, é outra capital brasileira com dificuldades na área de saneamento. O município aparece em 3º entre as piores cidades no quesito, segundo avaliação do Instituto Trata Brasil. Foto: MÁRCIO FERNANDES/ESTADÃO

Caberá ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avaliar se seguirá ou não as sugestões do GT. Alterar a competência da ANA demandaria aprovação de lei no Congresso. “Propõe-se ainda a transferência da competência de definir normas e recomendações para a regulação do saneamento básico, atualmente alocadas na Agência Nacional de Água (ANA), para um departamento da SNS”, diz o relatório.

A mudança é mal vista entre integrantes do mercado e especialistas do setor, que enxergam problemas no entrosamento entre a política pública e a regulação. Engenheiro que já comandou a Sabesp, a ANA e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman aponta que a regulação do setor não pode atender ao “governo de plantão”.

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“O regulador precisa, no horizonte de tempo, ver vários anos à frente. O tempo total da concessão. Mas aí imagina que o governo avalia que há problema inflacionário e que é necessário reduzir as tarifas. Aí se trabalha num método de cálculo tarifário, uma orientação geral que congele a tarifa, num exemplo mais caricatural. Isso é interesse do governo de plantão”, citou Kelman, que ajudou na elaboração do programa de governo de Simone Tebet (MDB-MS), ex-candidata à presidência que apoiou Lula no segundo turno e é cotada para assumir um ministério no novo mandato do petista.

No relatório, que endossa a recriação do Ministério das Cidades, o GT chega a propor que na nova estrutura da pasta seja criado um Departamento de Apoio à Regulação dentro da Secretaria Nacional do Saneamento. A reestruturação dos ministérios é uma das primeiras medidas a serem tomadas pelo governo eleito, em Medida Provisória que costuma ser editada no dia 2 de janeiro. Há temor de que a gestão Lula aproveite essa MP para mexer na competência da ANA.

Kelman avalia que, no próximo mandato, a gestão do petista não irá gastar “cartucho político” para fazer essa mudança. “Eu não acredito que a administração que vai assumir gaste cartucho político para modificar coisa que está ainda no início”, disse. Para ele, ainda não houve tempo suficiente para o novo modelo de saneamento, instaurado com o marco legal de 2020, demonstrar todo seu potencial de sucesso e que, portanto, o governo Lula 3 deveria deixar a legislação se acomodar.


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Na última sexta-feira, 9, após ser anunciado como futuro ministro da Casa Civil, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), apontou que a gestão Lula 3 deverá ajustar pontos do modelo inaugurado em 2020 após “diálogo” com o setor. Para ele, que enquanto governador resistiu a vários trechos do marco legal durante a tramitação no Congresso, não houve a “explosão” de investimentos “como se esperava”. “Nós vamos olhar com carinho essa questão do marco do saneamento”, disse Costa, indicando que, num primeiro momento, o governo deve rever os decretos regulamentadores da lei.

Líder de Infraestrutura e mercados regulados na América Latina Sul na consultoria EY, o ex-secretário de Desestatização do governo Bolsonaro Diogo Mac Cord destacou que, desde a criação das agências reguladoras, suas funções têm sido garantir a separação do que é interesse de Estado do que é interesse de governo. “Isso é de fundamental importância para os investidores. Essa autonomia foi, inclusive, mais recentemente adotada pelo Banco Central, pela instituição de mandatos para seus diretores. É uma prática positiva, que conta muito a favor do Brasil na agenda de segurança jurídica e atração de investimentos”, disse Mac Cord, que foi um dos principais nomes do governo na articulação e elaboração do marco legal.

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