BRASÍLIA - Tributaristas do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), onde foi elaborada a atual proposta de reforma tributária, propõem que o governo patrocine uma alteração no texto que tramita no Congresso para manter a existência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em operações da Zona Franca de Manaus.
No desenho atual da reforma tributária, o IPI e outros quatro tributos (PIS, Cofins, ICMS e ISS) vão desaparecer, dando lugar a apenas dois: a CBS (de atribuição federal) e o IBS (de Estados e municípios).
O objetivo, segundo o CCiF, é reduzir a incerteza jurídica que se instalou no setor privado desde que o governo propôs usar o Imposto Seletivo, apelidado de “imposto do pecado”, para manter a competitividade das empresas do pólo industrial frente a concorrentes situadas em outras regiões do País.
A reforma aprovada na Câmara e que tramita atualmente no Senado preserva o tratamento diferenciado à Zona Franca, mas relega a uma lei complementar como ele será dado. O único comando que já está previsto no texto é que os fabricantes de produtos que sejam idênticos aos fabricados em Manaus sejam sobretaxados pelo Imposto Seletivo.
‘Dupla personalidade’
A confusão se dá pela “dupla personalidade” assumida pelo Imposto Seletivo. O chamado “imposto do pecado” tem um caráter regulatório, com o objetivo de moderar o acesso dos consumidores a bens que fazem mal à saúde, como cigarros e bebida. A reforma amplia o conceito também para o meio ambiente.
Mas o problema central, na avaliação dos técnicos do CCiF, é que o uso para sobretaxar concorrentes da Zona Franca distorçam a natureza do “imposto do pecado”. O temor é que um imposto na essência regulatório seja convertido em um tributo com fins de arrecadação.
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“Usar o Seletivo para resolver a competitividade da Zona Franca pode tornar menos eficiente todo o sistema. A manutenção do IPI está em linha com o que defendemos. A sigla continuaria, mas esvaziada, apenas para essa função específica”, afirma Eurico de Santi, diretor do CCiF. A proposta foi formalizada por nota técnica publicada no site do CCiF.
“A formulação atual é ruim porque traz insegurança jurídica, na medida em que começa a tirar o foco do Imposto Seletivo de ser gravoso para o que faz mal à saúde e ao meio ambiente e amplia esse conceito”, afirma o ex-ministro Nelson Machado, também diretor do CCiF. “Nós sugerimos, como alternativa, que a gente mantivesse o IPI para os bens finais da Zona Franca e não criasse confusão com o Imposto Seletivo”, diz.
Machado explica que o IPI focado apenas nas operações do pólo industrial de Manaus seria baixo e tendente a zero, uma vez que são poucos os concorrentes instalados em outras regiões do País que fabricam produtos exatamente idênticos aos da Zona Franca. Os casos se restringem hoje a bens importados prontos.
A iniciativa demandaria uma alteração no artigo 128 do texto que já foi aprovado na Câmara e significaria a sobrevida de mais um imposto.
“É trocar seis por meia dúzia ou por 7,5, vai. Colocar o Imposto Seletivo para fazer a função do IPI não me parece uma boa solução. Ou você abre a competência do Seletivo e cria o risco de segurança jurídica ou mantém o IPI, no terreno já conhecido, para esses produtos da Zona Franca”, afirma Machado.
Tudo como está
Manter os atuais benefícios da Zona Franca nem sempre foi o objetivo do CCiF, que no início das discussões sobre a atual reforma tributária, em 2019, chegou a defender que fosse cessado o tratamento diferenciado.
Machado e Santi reconhecem que a versão que prevaleceu na arena política é a preservação da Zona Franca, ainda que os incentivos sejam alvo de críticas sobre a sua efetiva eficiência para o desenvolvimento da região, vis a vis o custo.
“Eu preferiria que se fizesse os mesmos incentivos pelo lado da despesa no Orçamento público. Seria mais transparente, poderia até ser mais eficiente. Mas não é esse o entendimento nacional. Então, o trabalho que nós estamos fazendo no CCiF é pensar como essa formulação se insere no sistema de uma maneira razoável”, afirma Machado.
Os tributaristas do CCiF elaboraram um estudo, liderado por Machado, com o apoio de Bento Antunes de Andrade Maia, para calcular como manter os benefícios atuais da Zona Franca sob o novo regime tributário, após a reforma. O pressuposto é que o pólo industrial tenha a mesma vantagem verificada hoje, como aprovado pela Câmara.
Além de manter o IPI para fazer essa compensação de taxação dos bens finais (como motos e celulares) que tenham concorrentes de outras regiões, a proposta que é que quem produz bens intermediários (matéria-prima para outras indústrias, como o xarope de refrigerantes, por exemplo) tenha um desconto na CBS equivalente ao que têm hoje com o IPI.
Já os atuais benefícios para os fabricantes da Zona Franca no PIS e Cofins - eles pagam menos do que os concorrentes de outros Estados - seriam compensados com um crédito presumido na CBS de 1,99%. Ou seja, a incidência da CBS seria menor nessa proporção.
“O conceito do que nós estamos desenvolvendo é o de valor equivalente nos tributos novos. Eu tenho o benefício de IPI, benefícios de ICMS, de PIS e Cofins hoje na Zona Franca. Esses tributos serão substituídos; portanto, esses benefícios desaparecem. O objetivo é construir uma modelagem para calcular o valor equivalente àqueles benefícios que vão desaparecer na nova tributação da CBS e no IBS”, diz Machado.
No caso dos incentivos concedidos no ICMS, a proposta do CCiF é fazer uma aferição todos os meses, empresa a empresa, para verificar o quanto ela obtém com o benefício e compensá-la com a devolução em dinheiro da arrecadação do IBS recolhida pelo conjunto dos Estados. Caso seja inviável a devolução em dinheiro, que a compensação fosse feita por meio de um crédito presumido equivalente para a empresa no IBS para suas demais operações.
Para os técnicos do CCiF, a iniciativa mantém inalterado o quadro de benefícios suportado pelos demais Estados, uma vez que o desconto no ICMS é aceito nas vendas das empresas situadas na região aos demais entes.
“O grande medo que a gente sempre tem é de ter exceção que desarrume o sistema tributário, o sistema de débito e crédito, a garantia da devolução do crédito acumulado. Essa exceção fere de morte o modelo? Não; ela é factível, é operacionalizável. É a melhor proposta? Nós não temos voto. Entendo que essa formulação, da maneira como está colocada, foi a negociada na Câmara com todos os partidos e bancadas.”
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