Ao redor do mundo em 2024, os eleitores escolheram mudanças: na África do Sul, na França, na Grã-Bretanha e no Japão. Mas em nenhum lugar a tendência anti-incumbência é mais relevante do que nos Estados Unidos. A incerteza global criada pela oscilação de poder entre esquerda e direita — de Barack Obama a Donald Trump, Joe Biden e de volta a Trump — na única superpotência militar do mundo fez com que líderes políticos e empresariais em todas as regiões do mundo se apressassem para identificar oportunidades e riscos.
A eleição de Trump em 2016 surpreendeu aliados e adversários na Europa, na Ásia, no Oriente Médio e além, mas ocorreu em um contexto de relativa estabilidade internacional. Seu retorno acontece em um ambiente geopolítico dramaticamente mais instável — e perigoso. Trump precisará lidar com duas guerras e com uma relação entre EUA e China que se tornou muito mais confrontadora.
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Para líderes empresariais navegando pelos próximos quatro anos, há questões críticas que precisam de respostas.
Os EUA caminham para uma guerra comercial com a China?
O principal interesse de Trump na China continua sendo o enorme superávit comercial bilateral com os EUA. Trump afirmou que imporá tarifas significativas contra Pequim e contra países terceiros pelos quais produtos fabricados na China entram nos EUA. O presidente eleito diz que essa estratégia trará mais produção e empregos de volta aos EUA. Ele pode não cumprir a ameaça de tarifas de 60% sobre a China, mas é provável que não esteja apenas blefando. Por enquanto, parece que a China responderá com medidas recíprocas, mesmo que isso desacelere ainda mais o já lento crescimento econômico do país.
Há uma possível saída para essa escalada da guerra comercial: o novo conselheiro de Trump, o magnata da tecnologia Elon Musk, disse a autoridades chinesas que pode intermediar melhores relações com o presidente eleito. Dado o interesse de Musk em expandir a participação de mercado da Tesla e de seus empreendimentos de inteligência artificial na China, ele tem todos os motivos para tentar conquistar novos aliados em Pequim. Existe um acordo a ser feito aqui. Trump não é inflexível em relação à tecnologia e talvez possa ceder em questões como controles de exportação que atualmente bloqueiam a venda de semicondutores para a China — para marcar pontos em áreas econômicas que lhe interessam mais.
No entanto, é mais provável que as relações EUA-China piorem em 2025. Trump parece comprometido com sua abordagem rígida sobre tarifas, popular entre seus principais conselheiros comerciais, republicanos no Congresso e grande parte de sua base política.
Além disso, Trump provavelmente não lidará com as relações com Taiwan de forma tão cuidadosa quanto o presidente Biden, e Pequim não hesitará em reagir quando o tema for Taiwan. É provável que as relações EUA-China piorem significativamente em 2025, com efeitos preocupantes sobre a já enfraquecida economia chinesa.
A Europa permanecerá unida em relação à Ucrânia?
Na guerra da Rússia contra a Ucrânia, Trump promete acabar rapidamente com as mortes. Para isso, ele precisará de influência tanto com Kiev quanto com Moscou. A fonte de poder de Trump sobre o presidente ucraniano Volodmir Zelenski é clara: sem apoio contínuo dos EUA, as armas e munições da Ucrânia acabarão no início do próximo ano. Não será fácil para Zelenski oferecer à Rússia o controle de fato de terras ucranianas ocupadas em troca de paz, mas suas forças não conseguem sustentar o combate sem apoio ativo do governo Trump.
É muito menos claro o que Trump pode oferecer para influenciar Vladimir Putin. O presidente russo não se tem deixado convencer facilmente por pedidos dos EUA e insiste que o tempo está a seu favor na Ucrânia. Mas, se Putin receber concessões que lhe permitam reivindicar vitória e reduzir o isolamento da Rússia em relação ao Ocidente, ele pode ser persuadido a fazer um acordo que fique aquém de seus objetivos previamente declarados.
O destino da Ucrânia é muito mais importante para a maioria dos europeus do que para qualquer pessoa em Washington, e os aliados americanos da Otan temem que Trump não compartilhe sua estratégia em relação à Ucrânia com eles, deixando-os para descobrir os planos pelos jornais.
Se Trump pressionar Kiev em direção a algo que pareça uma rendição, a Polônia, os Estados bálticos e os países nórdicos se sentirão diretamente ameaçados pela Rússia. Mas, enquanto a invasão russa se aproxima do fim de seu terceiro ano, a Europa está inegavelmente cansada da guerra. Viktor Orbán, da Hungria, e outros políticos de direita em toda a Europa desejam relações normalizadas com Moscou. Mesmo em países que prometeram apoio duradouro a Kiev, como a Alemanha, o custo dessa política já é alto e está aumentando.
As políticas comerciais que Trump está preparando para a Europa também são relevantes aqui. Ele ameaçou durante a campanha tratar a Europa como uma “mini-China”, por se recusar a comprar carros e produtos agrícolas americanos. Essa abordagem pode levar a outra guerra comercial, com EUA e Europa impondo penalidades recíprocas. Uma desaceleração nas exportações seria um grande golpe para a Europa, especialmente em um momento em que o crescimento, particularmente na Alemanha, já está enfraquecendo. Guerras comerciais também poderiam desencadear uma nova onda de inflação nos EUA, restringindo o fornecimento de diversos bens.
A pressão comercial, combinada com a incerteza em relação à Ucrânia, pode forçar os europeus a se unirem em solidariedade — ou levar governos europeus individuais a buscar acordos bilaterais com Washington para aliviar os encargos econômicos que estão carregando.
Trump acalmará o Oriente Médio ou escalará suas guerras?
As relações internacionais mais fortes de Trump são com o governo de Binyamin Netanyahu em Israel e Mohammed bin Salman na Arábia Saudita. Seu maior feito em política externa no primeiro mandato foram os “Acordos de Abraão”, que normalizaram as relações entre Israel e vários países árabes — acordos que sobreviveram às guerras em Gaza e no Líbano.
O próximo passo lógico para Trump seria estender essa normalização às relações entre Israel e a Arábia Saudita, o que seria uma vitória econômica e de segurança para ambos os países. Por ora, os sauditas continuam insistindo que qualquer acordo dependeria da criação de um Estado palestino, algo inaceitável para a vasta maioria dos israelenses. Trump é o líder mais capacitado para testar a determinação saudita nessa questão.
À medida que nos aproximamos de 2025, a guerra de Israel com o Hezbollah no Líbano parece caminhar para um cessar-fogo antes que o presidente Biden deixe o cargo. Agora que Trump venceu a eleição, Netanyahu pode fazer um acordo que não conceda uma vitória política aos democratas. Em Gaza, a violência é mais provável de continuar, já que os israelenses estão mais determinados a “quebrar” o Hamas do que o Hezbollah, e Trump dificilmente defenderá a criação de um Estado palestino ou melhorias nas crises humanitárias em Gaza.
Outra questão iminente com a mudança de regime nos EUA: Israel e os EUA entrarão em guerra com o Irã? Netanyahu arriscará uma guerra regional mais ampla ao atacar diretamente as fortificadas instalações nucleares subterrâneas do Irã? Esse movimento faria os preços da energia dispararem, já que o tráfego no estratégico Estreito de Ormuz poderia ser rapidamente interrompido.
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Trump tem criticado regularmente o presidente Biden por tentar conter os ataques israelenses contra o Irã. Foi Trump quem abandonou o acordo nuclear com o Irã, forjado durante a presidência de Obama, e a ordem de assassinar o chefe de defesa iraniano Qassem Soleimani, em janeiro de 2020, provavelmente o convenceu de que o Irã cederá quando confrontado por uma coalizão militar coordenada entre EUA e Israel.
Como ficará o Sul Global?
As políticas econômicas de Trump provavelmente fortalecerão o dólar e aumentarão a inflação, colocando ainda mais pressão econômica sobre os países em desenvolvimento. Fiel ao seu estilo, Trump deve ter boas relações com líderes populistas e autoritários, como Javier Milei, na Argentina, e Nayib Bukele, em El Salvador.
Por outro lado, a política de Trump para o Oriente Médio poderá prejudicar ainda mais a visão popular dos EUA em países com grandes populações muçulmanas — especialmente no Sudeste Asiático — e em muitas nações mais pobres, onde os governos já são menos propensos a enxergar os EUA como um modelo a ser seguido. Muitos desses países podem se aproximar ainda mais da China, um movimento com implicações geopolíticas e econômicas inquietantes.
O que Trump significará para os vizinhos da América do Norte?
México e Canadá, os maiores parceiros comerciais dos EUA depois da China, sabem que enfrentarão mais pressão econômica de Trump 2.0.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, estará em uma posição particularmente difícil, especialmente devido à renovação, prevista para 2026, do acordo de livre-comércio entre EUA, México e Canadá. Trump espera que o governo de Sheinbaum coopere para limitar a imigração ilegal pela fronteira sul dos EUA e adote uma postura mais dura contra os cartéis de drogas mexicanos, responsáveis por crimes violentos em ambos os países. Mais cedo ou mais tarde, a falta de alavancagem do México provavelmente forçará Sheinbaum a ceder a grande parte das exigências de Trump.
Isso é menos verdadeiro para o Canadá, especialmente se, como esperado, o líder do Partido Conservador populista, Pierre Poilievre, se tornar o próximo primeiro-ministro do país nos próximos meses.
Um libertário econômico, Poilievre provavelmente pressionará por desregulamentações e pelo fim dos impostos sobre o carbono implementados pelo atual primeiro-ministro, Justin Trudeau. Ele já afirmou que está ansioso para conter a fuga de empresas e trabalhadores para os EUA, onde o ambiente de negócios tem se tornado cada vez mais favorável.
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