Trump tem razão em reclamar de tarifas brasileiras? Entenda

EUA têm superávit comercial com o Brasil, apesar de aplicar uma tarifa de importação média de 1,5% a produtos brasileiros e, em contrapartida, sofrer uma taxação em torno de 11,2%

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:

O presidente americano, Donald Trump, citou o Brasil, na noite de terça-feira, 4, em discurso ao Congresso dos Estados Unidos, ao comentar a sua abordagem para a política tarifária. “Outros países usaram tarifas contra nós por décadas, e agora é a nossa vez de começar a usá-las contra eles. União Europeia, China, Brasil, Índia, México e Canadá e diversas outras nações cobram tarifas tremendamente mais altas do que cobramos deles”, disse.

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No mesmo dia, começou a ser aplicada a taxação de 25% sobre itens do México e do Canadá, e de 20% sobre as mercadorias chinesas. Em seu discurso, Trump também afirmou que novas tarifas seriam aplicadas a partir do dia 2 de abril.

Então, se o Brasil não esteve na primeira linha da mira de Trump, ele pode aparecer na segunda rodada de aplicação de taxas mais altas e ainda ser alvo de tarifas recíprocas que o presidente dos EUA promete adotar para os parceiros comerciais.

Em relatório entregue ao Congresso na segunda-feira, 3, em que critica os efeitos da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo de Trump fez diversas menções ao Brasil e a pedidos de retaliação do País contra os Estados Unidos.

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Em discurso ao Congresso americano, na terça-feira, 4, Trump nominou o Brasil entre os alvos da ofensiva tarifária Foto: Ben Curtis/AP

Para entender um dos pontos da discórdia, é preciso compreender o conceito de tarifa consolidada média: a taxa máxima de importação que um país pode aplicar legalmente sobre um produto, conforme acordo na OMC. Esse limite, em geral, é maior do que as tarifas efetivamente aplicadas, e se for excedido deixa a nação sujeita a pedido de retaliação pelas que forem prejudicadas.

Já a tarifa de importação de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês) é a realmente cobrada sobre bens de países com os quais não se têm acordos comerciais preferenciais vigentes.

No documento de segunda-feira, que trata da agenda de política comercial para 2025, o gabinete da presidência americana escreve que “um dos resultados dos fracassos de negociações é que muitas potências comerciais continuam a ter tarifas consolidadas muito altas, muito em excesso em relação às aplicadas pelos Estados Unidos”.

O primeiro exemplo citado é do Brasil, que tinha, em 2023, tarifa consolidada média de 31,4% e aplicava taxa de 11,2%. Já os Estados Unidos possuíam tarifa consolidada média de 3,4% e aplicavam taxa de nação mais favorecida de 3,3%.

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Quanto o Brasil e os EUA se taxam?

O descompasso está expresso na diferença de taxação entre Brasil e EUA um com o outro. Relatório publicado em janeiro pelo banco Itaú cita que o Brasil tarifa, em média, em 11,2% os produtos importados americanos, enquanto os Estados Unidos aplicam uma média de apenas 1,5% para os itens brasileiros.

O relatório, assinado pelos economistas Igor Barreto Rose e Julia Marasca, avalia que o Brasil pode ter prejuízos, se Trump, de fato, aplicar uma tarifa “universal” de 10% ou se adotar como princípio a equiparação das tarifas cobradas por outros países.

Em entrevista para o Estadão, o ex-ministro das Relações Exteriores e do Desenvolvimento Celso Lafer afirma que Trump utiliza conceitos antigos de reciprocidade nas relações comerciais, trazendo de volta princípios de equiparação tarifária da guerra comercial ocorrida na década de 1930, que parte dos acadêmicos considera ter sido uma das responsáveis pela longa duração da Grande Depressão econômica de antes da Segunda Guerra Mundial.

“O GATT (sigla em inglês para Acordo Geral de Tarifas e Comércio), quando foi criado, logo após a Segunda Guerra Mundial, e depois a OMC, foi uma reação aos protecionismos dos anos de 1930, e trouxe a ideia do comércio como um caminho de paz”, afirma o ex-chanceler.

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Há risco para o comércio internacional como um todo?

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Trump, ao aplicar tarifas mais altas, pode levar a contramedidas de outros países e prejudicar o comércio internacional como um todo. O relatório do Itaú aponta que o Brasil, em uma nova rodada de conflito comercial, não deve colher os mesmos impactos positivos para o comércio brasileiro possíveis durante o primeiro governo de Trump. Um dos motivos é que a China não deve ter a capacidade de absorver mais de exportações brasileiras de produtos como soja e aço.

O País se transformou no principal fornecedor de soja para China. É responsável por cerca de 70% da soja comprada pelos chineses. “Até poderia ter um espaço para vender um pouco mais, mas não na magnitude que houve em 2018 e 2019″, disse Barreto Rose, economista do Itaú.

Um outro relatório, feito pelo Bradesco em fevereiro, avaliou três cenários possíveis de aplicações de tarifas maiores pelos EUA ao Brasil. Se for adotada a reciprocidade, a tarifa média americana para produtos brasileiros subiria mais de nove pontos percentuais e poderia ocorrer uma redução de cerca de US$ 2 bilhões nas exportações, o que representaria 5% do total vendido pelo País ao Exterior.

Caso Trump aumente as tarifas de importação de produtos brasileiros para 25%, assim como faz contra o México e Canadá, o banco estima uma redução de US$ 6,5 bilhões das exportações brasileiras. O impacto maior ficaria com os bens intermediários (os mais vendidos para os Estados Unidos) e em combustíveis, uma vez que a diferença é bastante grande entre a tarifa atual, de apenas 0,2%, e a taxa possível de 25%.

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Um terceiro cenário contempla o Brasil retaliando as medidas americanas e ampliando as suas tarifas para produtos norte-americanos para 25% também. Como resultado, as importações recuariam cerca de US$ 4,5 bilhões, e haveria repasse para a inflação com impacto máximo potencial de 0,3 ponto porcentual.

Como é a balança comercial entre os dois países?

Segundo as estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o Brasil teve pequeno déficit comercial de US$ 253 milhões com os Estados Unidos, em 2024. O País exportou US$ 40,330 bilhões e importou US$ 40,583 bilhões no ano passado.

Esses dados fazem dos Estados Unidos o segundo maior parceiro comercial do Brasil (depois da China), o segundo maior destino das mercadorias brasileiras e a terceira maior fonte de importações.

Sendo assim, em 2024, os EUA foram o destino de 12% das exportações brasileiras e origem de 15,5% das importações nacionais (US$ 40,7 bilhões). A corrente de comércio alcançou 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no ano passado.

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Em um recorte temporal iniciado em 2014, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do MDIC indicam que as importações brasileiras de produtos vindos dos Estados Unidos foram 11,85% superiores às exportações.

Na soma do período, as exportações do Brasil para os Estados Unidos chegaram a US$ 337,8 bilhões; e as importações, a US$ 377,8 bilhões. O saldo da balança comercial no período indica que o Brasil “comprou” US$ 40 bilhões a mais do que “vendeu” para os Estados Unidos.

Na mão contrária, o Brasil é apenas o nono país que mais importa dos Estados Unidos e 18º que mais exporta aos americanos, o que indica que Trump tem razão quando afirma que muitos parceiros comerciais dependem mais do comércio com os americanos do que o contrário. Entre os exportadores para os Estados Unidos, o Brasil fica atrás de diversos países asiáticos, como a Tailândia, Vietnã e Malásia.

“Vendo as estatísticas, somos deficitários no comércio bilateral com os EUA. Assim, o Brasil está bem posicionado para negociar”, disse ao Estadão o embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, Rubens Barbosa. “Trump tem falado que quer conseguir concessões de países com grandes superávits na balança com o seu país. O Brasil não é esse caso.”

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Como traz um pequeno superávit a favor dos EUA, o Brasil fica bem balanceado nas relações comerciais americanas. Os maiores déficits para os EUA acontecem frente a China, México, Vietnã, Alemanha, Japão, Irlanda, Canadá e Coreia do Sul, nesta ordem.

Com a China, o déficit chegou aos US$ 275 bilhões, em 2023, e com o México, aos US$ 150 bilhões. Com o Vietnã, passa de US$ 100 bilhões.

Os maiores superávits americanos são com os Países Baixos (tradicional porto de entrada de produtos para a Europa Ocidental), Hong Kong, Emirados Árabes Unidos, Austrália, Bélgica, Panamá e Reino Unido.

Quais produtos podem ser impactados?

Num cenário de guerra comercial, os produtos mais prejudicados tendem a ser os de maior peso na corrente de comércio entre os dois países. Os mais importantes na pauta exportadora brasileira para os Estados Unidos são produtos de ferro e aço, aeronaves, materiais de construção e manufaturas de madeira. Já os mais importados dos americanos são os motores e máquinas não elétricas e suas partes, óleos combustíveis e brutos de petróleo, aeronaves e gás natural.

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Os óleos brutos de petróleo representam 14,3% da pauta exportadora brasileira para os EUA, e o país americano representa 12,9% das exportações desse produto pelo Brasil. Quanto aos produtos semiacabados de aço e ferro, esses índices respondem por 8,8% e 76,2%, respectivamente. Em aeronaves, são 6,7% e 61,7%.

Segundo o relatório do Itaú, a composição de exportações brasileiras “mais focada em produtos básicos, como petróleo e alimentos, pode ser um diferencial positivo”.

Do lado da importação brasileira, motores e máquinas não elétricos respondem por 15,2% da pauta comprada nos EUA e o país americano responde por 72,7% das importações desses produtos pelo Brasil. Quanto a óleos combustíveis de petróleo, esses índices respondem por 9,7% e 25,9%. Em aeronaves, são 4,9% e 49,1%.