BRASÍLIA - Entregadores e empresas de aplicativos ainda não chegaram a um acordo sobre como computar as horas de trabalho da atividade, e o grupo criado pelo governo Lula para regular este segmento chega à reta final em meio a um impasse.
O centro da divergência está na interpretação sobre o que são as horas trabalhadas por entregadores e motoristas de aplicativos, que prestam serviço para empresas como Uber, Ifood e 99. Sem essa definição conceitual, a discussão não avança para o passo seguinte, o mais aguardado por trabalhadores: a fixação de uma remuneração mínima.
As empresas desejam computar apenas as horas efetivamente dedicadas a entregas ou corridas, deixando de lado o tempo em que os trabalhadores ficaram logados, aguardando a chegada de um pedido. Os representantes dos trabalhadores, por outro lado, alegam que é preciso computar todo o tempo à disposição das plataformas, senão o pagamento não alcançará nem um salário mínimo (R$ 1.320) por mês.
A primeira oferta pelas empresas levou em consideração uma jornada de 220 horas por mês - acima do limite da legislação trabalhista brasileira (176 horas mensais ou 44 horas por semana). A fórmula levou a um pagamento mínimo de R$ 6 a hora, e foi rechaçada. O valor mínimo subiu então para R$ 7,56 a hora, mas ainda resta a dúvida: o que é a hora trabalhada?
“As empresas não querem usar as horas totais; querem pagar apenas pelas horas que o sujeito fica em cima da moto. Para chegar a 220 horas mensais, como elas propõem, o sujeito vai ter que ficar logado no aplicativo quantas horas por mês? 300 horas? 400 horas?”, afirma Francisco Pegado, secretário-geral da UGT e membro do grupo de trabalho.
A discussão sobre a hora trabalhada interfere também no quanto as empresas e os trabalhadores deverão recolher em tributos para a Previdência Social. O governo não abre mão de que os aplicativos passem a recolher os impostos necessários para incluir esses trabalhadores no sistema de Seguridade Social, o que dá acesso a auxílio-doença, licença maternidade e aposentadoria, por exemplo.
As empresas concordaram com a contribuição à Previdência, mas discutem em que categoria dos trabalhadores devem ser enquadrados, se autônomos, prestadores de serviço ou empreendedores, uma vez que eles trabalham para diferentes empresas simultaneamente, e por isso deveriam contribuir por conta própria.
Fausto Augusto Jr, que é diretor do Dieese e também integra o grupo de trabalho, afirma que a tentativa de deixar que os trabalhadores recolhessem como MEI (microempreendedor individual) naufragou.
“O MEI, na prática, não funcionou para formalizar os funcionários de apps”, diz. “Eles começam a contribuir, mas logo param e, nos meses seguintes, já estão sem cobertura.”
O governo negocia neste momento com as empresas qual a alíquota da contribuição do trabalho autônomo poderia incidir sobre o trabalho dos apps: se 31% (20% para as empresas e 11% para os trabalhadores) ou se o enquadramento deveria ser pelo regime simplificado (11% ou 20%, no total).
As empresas entendem que os entregadores e motoristas prestam serviço para os consumidores e não para os apps e, por isso, deveriam ter acesso ao regime simplificado. Já o governo deseja a alíquota cheia (31%).
De toda forma, é consenso que as empresas deverão recolher o tributo sobre o que é a renda mínima, sem considerar os valores que estão sendo somados como compensação pelo uso de veículos dos trabalhadores. Com esses custos embutidos, o pagamento mínimo a motoristas exigido pelos trabalhadores está em R$ 40,90 a hora e, para entregadores com motos, R$ 35 a hora. As empresas ofereceram menos: R$ 21,20 e R$ 12, respectivamente. O valor também é objeto de impasse.
“A expectativa é que os apps venham com uma nova proposta de renda mínima na semana que vem para sinalizar a possibilidade de avançarmos em outros temas. Sem isso, não é possível tratar do resto”, diz Pegado.
Uma reunião está marcada para o próximo dia 12, poucos dias antes do fim da vigência do grupo criado por Lula para lançar as diretrizes do trabalho por apps, no dia 30. O comitê é formado por representantes das empresas, dos trabalhadores e do governo. Instituído no 1º de maio, só em junho o grupo começou efetivamente a trabalhar numa proposta.
Desde a campanha eleitoral, o petista vem prometendo regular este mercado. Além de um compromisso político, a regulação é uma tentativa de Lula e do PT de se aproximar dos trabalhadores por aplicativos, uma emergente e numerosa classe que não vê no sindicalismo tradicional uma forma de representação.
Segundo auxiliares do presidente, Lula deu como prazo para um consenso o próximo dia 15, uma vez que ele viaja para os EUA, onde aparecerá ao lado do presidente Joe Biden em uma frente contra a precarização do trabalho. Sem um acordo no grupo de trabalho, Lula agiria com uma proposta própria do governo.
A ameaça, no entanto, é minimizada por membros do grupo de trabalho tanto do lado das empresas quanto dos trabalhadores, uma vez que a proposta terá que passar pelo crivo do Congresso Nacional. Um acordo prévio entre empresas e trabalhadores evita que o tema empaque no Parlamento.
Apesar das questões ainda em aberto, o governo evita dizer se pretende esticar a vigência do grupo de trabalho e prevê que a reunião possa se alongar por dois dias em Brasília, para tentar o acordo. As empresas de apps passaram os últimos dias em reuniões para afinar as propostas que apresentarão na semana que vem. Trabalhadores, por seu turno, se dizem preparados para organizar uma greve geral.
André Porto, da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), afirma que as empresas estão dispostas a manter a negociação pelos prazos que o governo considerar necessário e que a entidade “se mantém aberta para dialogar sobre proposta de Previdência Social para motoristas e entregadores parceiros”.
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