Se ano a ano o Brasil ostenta safras e cifras recordes no agronegócio – resultado do uso de tecnologia de ponta no campo –, os ganhos de produtividade são corroídos por uma infraestrutura logística cara e ineficiente. Com rodovias precárias, ferrovias subutilizadas e portos congestionados, o Brasil, segundo maior exportador agrícola, gasta no transporte de grãos quatro vezes o frete praticado por seus competidores no mercado internacional – Estados Unidos e Argentina.
Apesar do avanço das fronteiras agrícolas do chamado Arco Norte nos últimos anos, o escoamento da produção ainda se concentra nos portos do Sudeste e do Sul. Da lavoura ao porto, são quase 2.000 quilômetros percorridos por rodovias – boa parte em condições precárias.
A carência de infraestrutura adequada cobra caro. O custo médio para transportar uma tonelada de soja do município de Sorriso (MT) – coração da produção de grãos no País – até os Portos de Santos (SP) ou Paranaguá (PR) é de aproximadamente US$ 126. Já escoar a mesma carga por via terrestre até Miritituba (PA) e, de lá, por hidrovia até o Porto de Belém (PA) custa US$ 80 – um frete 36% mais barato.
“Só em Mato Grosso, esse sobrecusto representa uma perda de renda de US$ 1,2 bilhão por ano – são quase R$ 4 bilhões jogados no lixo. Imagine se esse dinheiro ficasse dentro do Estado, nas cadeias produtivas”, informa Luiz Antonio Fayet, consultor de logística e infraestrutura da Confederação para Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Hoje, um terço do preço da soja na mão do consumidor é custo logístico.”
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Segundo estudo da CNA, apresentado com exclusividade durante fórum organizado pelo Estado, sobre o tema Logística e Infraestrutura no Agronegócio, boa parte do entrave logístico deve-se à diminuição dos investimentos em infraestrutura de transportes.
Nos últimos dez anos, em média, os investimentos em infraestrutura no País representaram somente 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com a instituição. Já outros países exportadores, como China, Índia e Rússia, investiram, respectivamente, 10%, 8,0% e 7,0% do PIB no setor.
Escoamento. Os entraves começam nas estradas, que escoam cerca de 60% da produção. “Na comparação com outros modais, o setor rodoviário foi o que mais progrediu, evoluindo para o critério de menor tarifa para as licitações”, diz Fayet. Ele observa, porém, que é preciso melhorar o atual estado de conservação das vias. “A BR-163 (que vai de Cuiabá a Santarém) deveria estar pronta há dez anos. Há muitos trechos sem pavimentação.”
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Luiz Baldez, Presidente executivo da Anut
Já a malha ferroviária, muito explorada para o agronegócio em outros países, teve sua participação diminuída nas últimas décadas – sendo que, hoje, representa apenas 20% da carga transportada. Obsoletas, as ferrovias brasileiras têm apenas 30% da produtividade das americanas.
“O modal também é caracterizado pela concentração de mercado, que resulta em oferta de serviços reduzida e elevadas tarifas”, diz Fayet. Ele explica que, no modelo de outorga atual, a concessionária é responsável pela infraestrutura, operação e comercialização dos serviços.
Para o diretor-geral da Agência de Transportes Terrestres (ANTT), Jorge Luiz Macedo Bastos, “é preciso passar as ferrovias a limpo no Brasil”. O diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, diz que o governo federal precisa aproveitar o processo de renovação das concessões e resolver os passivos do setor. Segundo ele, alguns trechos deverão ser reativados e outros devolvidos, mas o importante é que haverá antecipação dos investimentos na melhoria das ferrovias.
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“Apesar de o volume de mercadorias ter crescido nos últimos dez anos, isso se deve apenas ao minério de ferro. Excluindo a commodity, o número recuou”, diz o consultor. “É preciso, a partir a Ferrovia Norte-Sul, garantir a integração da rede nacional, que está toda segmentada, e fixar pelo menos 30% da capacidade para direito de passagem, ou seja, tráfego mútuo, permitindo o uso da malha por operadores independentes.”
Portos. Elo mais importante da infraestrutura logística, o funcionamento dos portos é determinante para o avanço do comércio exterior. Congestionados pela crescente demanda, os portos também arcam com excesso de burocracia, o que, segundo relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), resulta em gasto adicional de R$ 2,9 bilhões a R$ 4,3 bilhões por ano.
De acordo com o coordenador-geral de Infraestrutura, Logística e Geoconhecimento para o setor agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Alberto Nunes Batista, direcionar grande parte dos grãos para os portos do Sul e Sudeste tem tido um impacto negativo na competitividade da exportação (ver arte nas págs. H2 e H3). “Os terminais de Santos e Paranaguá nem sempre conseguem atender às demandas no tempo necessário ao cumprimento dos contratos.”
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A saída, diz ele, é intensificar os investimentos no corredor Norte. “Foram significativos os avanços alcançados nos últimos cinco anos, com a implantação do Terminal de Grãos do Maranhão e dos terminais de Barcarena (PA) e Santana (AP)”, afirma. “É de fundamental importância a expansão dos portos no Arco Norte, elevando o volume de exportação do sistema para 60 milhões de toneladas até o ano de 2025.”
Para Fayet, a solução dos gargalos logísticos virá de um trabalho conjunto do governo com as empresas. O diretor-geral da ANTT concorda: “O que puder ser passado para a iniciativa privada, o governo tem de passar. Temos de botar o pé no chão. É importante que o governo faça parcerias e o setor privado é fundamental para o desenvolvimento logístico”.
É mais importante investir na infraestrutura do que subsidiar sua ineficiência
Fábio Trigueirinho, Secretário executivo da Abiove
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