Após cerca de sete meses de negociações, a petroquímica Unigel conseguiu chegar a um consenso sobre a reestruturação de uma dívida de R$ 3,7 bilhões (o equivalente a cerca de US$ 800 milhões). O plano resultará em uma importante desalavancagem de suas unidades operacionais e permitirá à companhia operar de forma mais leve.
O plano de reestruturação apresentado prevê a conversão das dívidas atuais em novos títulos, gerando como resultado um corte de 15% no valor da dívida e a transferência de 45% do passivo para uma holding a ser criada.
A proposta prevê a injeção de novos recursos na companhia, num total de US$ 100 milhões que serão direcionados exclusivamente para a operação das companhias. Na nova holding, ficarão os credores/investidores que participarem dessa injeção de dinheiro.
Os recursos do aporte serão convertidos em nova dívida, com pagamento em cerca de quatro anos e alienação fiduciária de ativos da companhia. Os credores participantes do aporte ainda terão sua atual dívida convertida em condições melhores e ficarão, ao final, com 50% da nova holding. Ou seja, a participação e a gestão da companhia será compartilhada na proporção de 50%/50% entre os credores/investidores e os atuais acionistas da Unigel. A proposta de injeção de recursos está aberta a todos os credores.
Como existem credores que têm créditos a receber da atual holding e das empresas operacionais, dois planos foram desenhados com opções em diferentes proporções de troca. De modo geral, explicou uma pessoa envolvida na operação, serão cerca de US$ 300 milhões convertidos em dívida sênior, com prioridade de recebimento depois da nova dívida e um juro anual de 8,75% em dólar; e outros US$ 400 milhões em dívida subordinada, prazo mais longo e juro de 15% em dólar.
A aposta é a de que, com a transferência de parte do passivo, a companhia possa gerar caixa suficiente para operar e honrar seus compromissos operacionais. Tanto que as dívidas operacionais da companhia, relativas a fornecedores, trabalhadores e clientes, ficam de fora da reestruturação, de acordo com outra pessoa a par das negociações. Os US$ 100 milhões do aporte dos credores/investidores serão direcionados exclusivamente para as operações da petroquímica.
“Há uma desalavancagem substancial e, com isso, a empresa será capaz de girar normalmente”, afirmou uma pessoa com conhecimento do assunto.
Adesão dos credores
O plano ficou em pé após a adesão de 33% dos credores estrangeiros, composto por detentores de títulos de dívida (bonds) emitidos pela empresa no exterior e que vencem em 2026. O plano foi costurado com a gestora norte-americana Pimco, que tem esses papéis.
Com esse porcentual de adesão foi possível protocolar o plano de recuperação extrajudicial. Agora, a companhia tem de atrair pelo menos mais 17% dos credores para ter o plano homologado por um juiz e arrastar os demais credores para as condições acertadas com 50% desses credores. A expectativa é que se chegue aos 51% de adesão.
O prazo para chegar lá é de 90 dias, e a empresa tem 30 dias para negociar alguns detalhes do acordo que ficaram pendentes. O plano será também levado à Justiça norte-americana, onde haverá um pedido de reconhecimento pelas leis norte-americanas, prática comum quando há dívidas emitidas por empresas no exterior sendo renegociadas.
O calcanhar de aquiles da Unigel tem sido os debenturistas, que pediram a execução das dívidas no ano passado e, mais recentemente, a penhora de bens da companhia. Eles vinham reclamando do haircut (corte no valor da dívida) proposto pela empresa e pelo tratamento que consideraram desigual dado aos credores externos.
Os credores externos têm US$ 530 milhões em títulos de dívida (bonds), enquanto os debenturistas outros cerca de US$ 100 milhões em papéis da empresa — o equivalente a 11% da dívida total. A Unigel tem pouca dívida com bancos — cerca de US$ 35 milhões, a maioria com Caixa Econômica Federal. Morgan Stanley e Goldman Sachs são também credores em operações de derivativos, com cerca de US$ 100 milhões juntos.
Nas conversas com credores no ano passado, a Unigel tinha sinalizado a necessidade de injeção de capital entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões, mas os bondholders já haviam indicado que concordariam em participar de uma monetização de US$ 100 milhões a US$ 150 milhões. A companhia reviu suas necessidades e voltou com a proposta de US$ 100 milhões, afirmou outra fonte próxima à transação.
Crise
O momento vivido pela Unigel é dramático, dado que o mercado petroquímico tem enfrentado um dos mais duros ciclos de baixa, com destaque para a forte redução nos preços dos fertilizantes como a ureia e a amônia (produzidos pela Unigel), ao mesmo tempo em que o gás natural (principal matéria-prima para a fabricação destes produtos) permanece negociado em valores elevados.
O cenário levou a empresa a um Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) negativo no acumulado dos nove meses de 2023 em R$ 276 milhões. Pouco antes, a Unigel realizava movimentos voltados para desenvolver projetos de expansão, em meio a uma previsão errônea sobre a dinâmica das commodities.
Pessoas a par do caso disseram ao Estadão/Broadcast que a Unigel havia perdido até mesmo o poder de crédito com os fornecedores e tem sido obrigada a fechar contratos de compra de insumos à vista, algo que é classificado como “mortal” para uma indústria do setor. No período anterior ao carnaval, a empresa demitiu 280 funcionários ligados às plantas de fertilizantes na Bahia e no Sergipe. Pressionada por sindicatos, os administradores recuaram e recontrataram os trabalhadores no dia seguinte.
Uma das principais esperanças da Unigel, o acordo de tolling firmado com a Petrobras no final de 2023, que previa acesso mais vantajoso ao gás, também enfrentou revés, após o questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU) para as duas empresas sobre indícios de irregularidades que poderiam trazer R$ 487,1 milhões em prejuízo para a Petrobras.
A Unigel tem o escritório Felsberg Advogados como assessor jurídico e a Moelis & Company como assessor financeiro. Os debenturistas são representados pelo escritório Lefosse Advogados./Colaborou Jorge Barbosa
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