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Saneamento básico universal vai exigir investimento bilionário das famílias mais pobres, diz estudo

Além dos aportes das concessionárias para expansão da rede, levantamento aponta que população que hoje não tem acesso ao serviço, especialmente a de baixa renda, terá de investir R$ 242,5 bi em 10 anos na instalação e na adequação de equipamentos domésticos, para viabilizar universalização

Foto do author José Fucs

A universalização do saneamento básico no País até 2033, como prevê o novo marco legal aprovado pelo Congresso em 2020, poderá não se concretizar mesmo com a realização dos investimentos necessários para expansão das redes de água e esgoto, estimados entre R$ 509 bilhões e R$ 893 bilhões por empresas de consultoria e entidades ligadas ao setor.

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Segundo um estudo produzido pelo Instituto Trata Brasil, uma organização que busca a universalização dos serviços na área, em parceria com a Ex Ante Consultoria Econômica, a Asfamas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento) e o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), os próprios usuários terão de realizar investimentos bilionários na construção, instalação e troca da infraestrutura residencial de água e esgoto, para poder se conectar às redes que deverão chegar às suas portas.

Para que a meta do novo marco seja cumprida, as famílias terão de fazer um desembolso de nada menos que R$ 242,5 bilhões (a preços de 2023) nos próximos dez anos ou R$ 24,3 bilhões ao ano, conforme os cálculos do estudo, o que deverá representar entre 27% e 48% do total de investimentos que as concessionárias dos serviços deverão realizar no mesmo período para ampliar o acesso às redes.

Comunidade no Rio de Janeiro: famílias de baixa renda precisarão de subsídios e crédito de longo prazo para investir em conexões das moradias com as redes externas, conforme o estudo do Instituto Trata Brasil Foto: Rio on Watch

Isso significa que os investimentos a serem realizados anualmente em equipamentos e em mão de obra para instalação e reforma da infraestrutura de saneamento nas moradias terão de quase dobrar em relação ao gasto efetuado em 2018, de R$ 13 bilhões (a preços de 2023), utilizado como base de comparação no estudo.

“Quando a gente fala na dignidade que vem com o acesso pleno ao saneamento, tem de olhar para dentro de casa também. Não adianta nada a concessionária chegar com a tubulação de água e de coleta e tratamento de esgoto na frente da casa do cidadão se ele não fizer a ligação às redes”, afirma Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. “Se isso não acontecer e a população continuar despejando esgoto bruto na natureza, a gente não vai ter a melhoria almejada nos indicadores de saúde e de meio ambiente.”

O problema, de acordo com o levantamento, é que quase 90% das famílias que hoje não dispõem de serviços de saneamento e precisarão instalar ou adequar os equipamentos domésticos para se conectar às redes externas pertencem às faixas de renda mais baixas da população, com ganho de até R$ 5.724 por mês por domicílio. E, para viabilizar a universalização, elas terão de arcar com 75% dos investimentos que deverão ser feitos nas residências em todo o País.

Além de o custo das obras e dos equipamentos ser alto, na faixa de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil por moradia, sem contar a eventual instalação de caixa d’água e a construção de banheiros, segundo Luana, muitas famílias têm outras prioridades de gastos, deixando em segundo ou terceiro plano a adequação da infraestrutura e a ligação às redes externas de água e esgoto. Hoje, conforme o estudo, cerca de 16% da população na faixa de menor renda já poderiam estar ligados às redes disponíveis, mas não dispõem de canalização na moradia para fazer a conexão.

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A questão se torna ainda mais complicada quando se leva em conta a distribuição geográfica dos investimentos necessários para a conexão dos domicílios. De acordo com o estudo, quase 50% do total terão de ser feitos nas regiões Norte, em especial no Pará, e no Nordeste, principalmente no Maranhão, justamente as mais carentes do País. A região Sul também demandará uma fatia considerável dos investimentos, estimada em 23,5% do total, em particular no Rio Grande do Sul.

“Com esse ‘boom’ de acesso ao saneamento que a gente vai ter nos próximos anos, isso precisa ser pensado de forma conjunta, mesmo sendo uma responsabilidade do cidadão e não da concessionária, porque senão nós vamos continuar a lançar esgoto a céu aberto e não vamos despoluir os rios”, diz Luana.

Neste contexto, segundo o estudo, a saída para a viabilizar a realização dos investimentos pelas famílias está na criação de políticas públicas que incluam a concessão de crédito e de subsídios, especialmente para a população mais pobre. Luana admite, porém, que, no atual cenário de restrições fiscais do País, a solução mais viável deverá ser mesmo a oferta de linhas de crédito de longo prazo, que permitam a redução do valor das parcelas. “Claro que o subsídio é sempre bem-vindo, principalmente quando a gente fala de extrema pobreza. Mas ter linhas de crédito, para que o cidadão não sinta o peso da parcela na sua renda mensal, já vai facilitar muito as coisas”, afirma.

Expansão industrial

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Além da criação de políticas públicas para viabilizar os investimentos que a própria população terá de fazer, o estudo do Trata Brasil aborda ainda uma questão considerada fundamental para viabilizar a universalização do saneamento – a expansão da produção industrial para atender ao aumento da demanda pelos equipamentos necessários à adequação dos domicílios.

Pelo levantamento, os gastos anuais com materiais têm um crescimento potencial de 5,6% ao ano até 2040, exigindo novos investimentos em plantas industriais e centrais de distribuição por parte dos fabricantes do setor. “Políticas de governo como o Programa Nova Indústria Brasil do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), que facilita o crédito para o investimento em nova capacidade instalada, terá papel fundamental no momento em que houver o aumento da demanda ou a percepção de que esse aumento virá em pouco tempo”, diz o estudo.

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