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Perdas bilionárias da Vale e outras mineradoras: como a queda no preço do minério afeta as empresas

Cotação da principal commodity do aço sofre com desaceleração da economia da China, e estimativa de consultoria é de perda de US$ 100 bilhões de BHP, Rio Tinto, Vale e Fortescue

Foto do author Ivo Ribeiro
Atualização:

O recuo dos preços do minério de ferro no mercado internacional nos últimos meses, pressionados pelo arrefecimento da economia chinesa - maior consumidor mundial da matéria-prima do aço -, está afetando o valor das ações das maiores mineradoras globais da commodity industrial. As quatro gigantes que atuam na mineração de ferro, e outros metais, são, por ordem de valor de mercado, as australianas BHP e Rio Tinto, a brasileira Vale e a também australiana Fortescue.

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De acordo com dados da consultoria Argos, o minério de ferro para entrega em Qingdao (principal porto da região norte da China) caiu para US$ 92,2 a tonelada, a mais baixa cotação desde novembro de 2022 e abaixo do valor de referência dado pelo mercado, de US$ 100 a tonelada. Aponta-se que US$ 100 é o valor de referência, indicando que abaixo desse piso a produção de alto custo começa a se tornar não lucrativa, segundo reportagem do jornal inglês Financial Times deste domingo, 18.

Na bolsa de commodities chinesa de Dalian, na sexta-feira (16), os contratos do minério de ferro com maior negociação, de janeiro de 2025, fecharam em queda de 0,99%, a 697 yuans (US$ 97,12) a tonelada.

O que pressiona na queda dos preços do minério de ferro?

A China importa quase 1,2 bilhão de toneladas de minério por ano para complementar a produção própria e poder alimentar os altos-fornos de seu gigantesco parque fabril siderúrgico.

Um fator que sustentava a alta dos preços até pouco tempo atrás era o setor imobiliário do país.

A crise na indústria da construção de imóveis, principalmente residenciais, levou à retração da demanda por aço na China.

A China exporta mais aço e pressiona os preços do minério

Dentro desse cenário, as usinas de aço chinesas buscaram o mercado externo, ampliando seu nível de exportações desde o início do ano passado.

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Em 2023, os embarques ao exterior atingiram cerca de 90 milhões de toneladas. Em 2024, até julho, já foram exportadas 61,2 milhões de toneladas, o que projeta mais de 100 milhões de toneladas ao final de 12 meses, informa a S&P Global Commodity Insights.

A queda dos preços da principal matéria-prima do aço, aponta a reportagem do FT, com uma baixa de mais de um terço desde o início de 2024, está cortando, em valores acumulados, cerca de US$ 100 bilhões em capitalização de mercado de BHP, Rio Tinto, Vale e Fortescue.

Citado no texto, Vivek Dhar, diretor de pesquisa de mineração e energia do Commonwealth Bank, afirma que os mercados estão preocupados que os preços da commodity possam ser sustentados abaixo de US$ 100 a tonelada no curto prazo.

Mina de ferro da Vale em Itabirito (MG): companhia prevê produzir 320 milhões de toneladas este ano. Foto: Fabio Motta/Estadão - 7/7/2015

Nesta semana, em reportagem da Bloomberg News, Hu Wangming, presidente da Baowu Steel - a maior produtora de aço do mundo, responsável por 7% do volume global - apontou que o setor, na China, estava em crise, enfrentando um “inverno” que era “mais longo, mais frio e mais difícil” do que as quedas anteriores do mercado de 2008 e 2015.

A Vale e a luta pela liderança mundial na produção de minério de ferro

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O plano da Vale, que é a segunda maior do mundo na mineração de ferro, em volume, atrás da Rio Tinto, é produzir 320 milhões de toneladas em 2024, volume ligeiramente superior ao resultado do ano passado.

As quatro grande mineradoras têm na commodity do aço, junto com cobre e níquel (Vale) e cobre (BHP), uma fonte de receita relevante e de geração de retorno aos investidores em seus papéis.

Na Fortescue, 90% da receita vem do minério de ferro. A cotação do cobre também sofreu com o desaquecimento da demanda chinesa - o país é também grande importador de metais não ferrosos como alumínio e o metal vermelho.

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O impacto da queda do preço do minério de ferro na Vale

Para especialistas, como José Carlos Martins, da Neellix Consulting Mining & Metals e conselheiro do grupo Cedro Participações, o minério de ferro no patamar de US$ 100 a tonelada ainda gera rentabilidade para as companhias de baixo custo.

No caso da mineradora brasileira, ele ressalta que o preço da ação da companhia já estava bem descontado, “por outras razões”, e que Rio e BHP sofreram mais pela queda de preço.

Neste ano, a cotação dos papéis da Vale, negociados na B3, variaram de R$ 71,15 em 2 de janeiro para R$ 56,08 na sexta-feira (16), registrando decréscimo de 21,2% no período.

As ações da empresa foram também impactadas pelas incertezas vistas desde o início do ano no processo de escolha do novo CEO da companhia.

O contrato de Eduardo Bartolomeo acabou em 26 de maio e não foi renovado, tendo feito um acordo por mais sete meses, até a definição e posse do seu sucessor, prevista para o período entre o fim de setembro e o início de dezembro.

A redução no preço do minério

Martins destaca que o recuo do preço do minério abaixo de US$ 100 a tonelada já aconteceu no final de 2022, mas recuperou-se rápido.

“Acredito que desta vez a queda seja mais sustentada entre US$ 90 e US$ 100. Se desce abaixo de US$ 90, muita produção sai do mercado e equilibra oferta e demanda novamente”, afirmou.

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Na sua avaliação, desta vez é a demanda que não está crescendo como o esperado, e até caindo. “Embora a oferta não cresça, ela desequilibra o mercado, e é isso que está acontecendo”.

A geopolítica e a perda de mercado do Brasil para a Austrália

Nos últimos dois anos, informa o consultor, a China vem importando entre 6% e 7% a mais que o volume de anos anteriores.

“Acredito que estão aproveitando para aumentar os estoques de minério nos portos e também substituir produção local. O melhor local para estocar minério é na mina”.

Para Martins, isso faz parte do xadrez geopolítico, em função da grande dependência dos chineses em relação ao minério australiano. A Austrália é um tradicional aliado dos americanos.

“Infelizmente, por idiossincrasias locais, o Brasil não está aproveitando essa oportunidade. Em 2007, o Brasil produzia mais que a Austrália. Hoje, os australianos produzem quase 2,5 vezes o volume do Brasil. Estamos, assim, perdendo US$ 40 bilhões ao ano em faturamento”, afirma o executivo.

Segundo ele, desde 2007 que os australianos crescem ano após ano e o Brasil parou no tempo.

Martins aponta que, além das empresas, os governos que se sucedem desde 2007 têm grande responsabilidade por essa perda de mercado, receita, impostos, investimentos e empregos.

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“Agora que os preços estão caindo, além da perda de volume, vamos ter também a perda de preço. Por sua vez, os australianos vão perder preço, mas com volume lá em cima - 1 bilhão de toneladas ao ano contra 400 milhões do Brasil.

Mineradoras globais devem controlam a oferta e evitar crise maior

A Austrália e o Brasil sãos os dois grandes exportadores mundial da commodity. Para analistas ouvidos pelo FT, as grandes mineradoras serão, provavelmente, disciplinadas para evitar que os preços do minério caiam muito.

Os embarques dos dois países começaram a desacelerar, conforme dados de julho, sinalizando declínio acentuado.

Bob Brackett, analista de mineração da Bernstein, observou que a mineração de ferro é uma indústria muito bem estruturada, com as companhias globais controlando suas próprias cadeias de suprimentos.

“Da mesma forma que a Opep [organização de países produtores de petróleo] não inundará o mercado [de petróleo], elas simplesmente desacelerarão um pouco se o mercado não quiser suas toneladas”, afirmou.

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