Companhias siderúrgicas no País têm um grande desafio à frente em executar os programas de descarbonização. Para quem faz aço utilizando carvão mineral como energético em altos-fornos a jornada será mais complicada, pois os desembolsos de recursos financeiros serão vultosos. Mudanças tecnológicas serão cruciais para reduzir as emissões de carbono e atingir a neutralidade em 2050, chegando ao “aço verde”, ou de baixo carbono. Estimam-se investimentos de R$ 180 bilhões, informou o Instituto Aço Brasil.
O parque fabril de aço brasileiro, formado por 16 usinas integradas e 15 que operam aciarias elétricas (mini-mills), tem emissão média de 1,7 tonelada de dióxido de carbono (CO₂) por tonelada de aço bruto produzida. A rota integrada a carvão metalúrgico representou 73,3% do total fabricado em 2023, a que utiliza carvão vegetal, 11,9%, e a que utiliza sucata (aciaria elétrica), 14,8%.
A Gerdau, que tem operações em vários países das Américas, a maior parte no Brasil e nos EUA, faz mais de 70% do aço com sucata. É o maior reciclador do País. Ao incluir a fatia feita com minério e carvão mineral na usina de Ouro Branco (MG), tem geração média de 860 quilos de CO₂ por tonelada de aço. A meta é chegar a 2031 com 820 quilos de CO₂.
Cenira Nunes, gerente-geral de meio ambiente da companhia, explica que o processo com sucata contribui muito na intensidade média global de emissão de CO₂, mas, infelizmente, não há sucata disponível para atender as necessidades do País. Na rota integrada, o foco, por ora, é a substituição de parte do carvão mineral por combustíveis alternativos. Por exemplo, biocoque de carvão vegetal. Desde 2022 o material é lançado nos altos-fornos e já mostrou redução de 90 mil toneladas de carbono em 2023.
A empresa tem 250 mil hectares de florestas plantadas para produzir carvão vegetal. Outras biomassas também estão em testes. Os ganhos nas emissões de carbono poderão ser de 20% a 30% no médio e longo prazo. “Até 2030, o foco é em ganhos de processo industrial, eficiência energética e e substituição de matérias-primas e insumos, com muito investimento em energia renovável”, informa a executiva.
Nos EUA, na usina de aços especiais Monroe, no segundo semestre de 2023 desenvolveu um projeto de US$ 10 milhões, voltado para hidrogênio verde e conduzido por uma universidade local com apoio da fabricante de gases industriais Linde. Objetivo é entender esse novo combustível, como ele funciona.
A busca pelas melhores tecnologias disponíveis, as disruptivas, virá numa fase posterior — substituição de alto-forno por redução direta, uso de gás natural e o hidrogénio verde, afirma Nunes. Para a Gerdau, diz, a rota da redução direta, que gera 1,4 tonelada de CO₂, é a aposta de transição na descarbonização.
Não há ‘bala de prata’ na descarbonização
Produtora de aço e cimento, duas fontes industriais altamente geradoras de CO₂ em seus processos produtivos, a CSN tem investimento previsto da ordem de R$ 5 bilhões até 2030 na siderurgia. O valor inclui gastos na modernização da usina de Volta Redonda, para se obter maior eficiência operacional nos altos-fornos e na aciaria, bem como energética.
Helena Brennand Guerra, diretora de sustentabilidade, meio ambiente e segurança da CSN, diz que o pacote de ações cobre um período até 2035, nas chamadas Fase Blue e Fase Olive.
Para baixar as emissões de CO₂, de 1,93 tonelada de CO₂ — média de 2,3 toneladas dos altos-fornos com os 600 quilos na aciaria elétrica em Volta Redonda. Vai buscar de tudo: mais adição de sucata, carvão vegetal no lugar de metalúrgico, uso de gás natural, de HBI (minério briquetado a quente, com 90% de ferro), briquetes de ferro de minério da CSN Mineração. “Apenas na usina de Volta Redonda são 12 projetos”, afirma.
A meta definida é de corte de 10% nas emissões em 2030 e 20% em 2035. “Já somos uma produtora de ‘aço verde’ na Alemanha, na SWT, que opera com sucata e energia renovável”, diz a executiva. A produção é de 800 mil toneladas por ano de perfis, com geração de 200 quilos de CO₂ por tonelada.
Guerra ressalta que, no mundo, há muitas tecnologias em desenvolvimento para fazer aço verde. “Mas não podemos dizer que há uma que seja a bala de prata”, afirma.
O hidrogênio verde é o grande avanço tecnológico esperado para a próxima década, quando deverá estar disponível em grande escala comercial e a custo competitivo. A própria CSN desenvolve em Araucária (PR), por meio da CSN Inova, um projeto para produção do insumo, utilizando energia renovável. Acabou de firmar um parceria com a Petrobras.
Segundo a executiva, o Brasil já poderia estar com emissão bem inferior à dos níveis atuais, se contasse com gás natural ao preço praticado, por exemplo, na Argentina, de US$ 4 a US$ 5 por 1 milhão de BTU (British Thermal Unit, usado para medir o consumo de gás natural). Assegura que a redução das emissões de CO₂ seria da ordem de 20% a 30%.
Futuro é o H2V, mas e alto-forno vai sobreviver
Guilherme Corrêa de Abreu, gerente Gral de Sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil, maior produtora de aço do País, afirma que as tecnologias disruptivas ainda necessitam ser amadurecidas e consolidadas e elas só serão vistas em grande escala depois de 2030. “Até lá, no Brasil e em muitos países, todos vão maximizar as tecnologias conhecidas, muitas já em implementação”.
Hoje, nessa corrida, o principal alvo é a redução do uso de carvão metalúrgico, o vilão das emissões. Há várias inciativas parecidas nas empresas que operam com altos-fornos: maior uso de sucata, injeção de carvão vegetal no alto-forno, gás de coquerias, injeção de gás natural, minério briquetado, que tem maior teor de ferro do que o tradicional, além de biomassas. “Temos várias iniciativas, algumas com limitações, devido à oferta de sucata no mercado”, diz.
Abreu diz vislumbrar dois pilares na descarbonização. O primeiro, que deverá se consolidar, é a rota de produção com hidrogênio verde em instalações de redução direta (DRI), daí gerando o ferro-esponja, que se transformará em aço em uma aciaria elétrica. Serão os novos novos complexos siderúrgicos do futuro.
No segundo pilar, ele não vê o fim dos altos-fornos até 2050. Vão continuar, em menor número, mas com diferença dos atuais. Diz que eles vão operar com biomassas, gás natural, hidrogênio verde e também HBI como matéria-prima. “Serão mais eficientes, com baixíssima geração de carbono. Muitas das instalações com até 100 metros de altura serão substituídas ao fim da vida útil.
Na Espanha, a ArcelorMittal lançou o projeto Sestao, para produzir aço com zero emissão de carbono. Com investimento de 1 bilhão de euros e subsídio do governo espanhol, o projeto consistirá de uma planta de DRI com hidrogênio verde em Gijón, nas Astúrias, que vai fazer 2,3 milhões de toneladas de ferro-esponja ao ano.
A unidade de Sestao, a 250 km, será suprida com material de Gijón e fará 1,6 milhão de toneladas, em forno elétrico. Deve entrar em operação no final de 2025. A empresa diz que será primeiro nesse modelo em larga escala do mundo.
Também terão um papel relevante, na avaliação de Abreu, os CCUS, sigla de Carbon Capture, Utilization and Storage (ou Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono). Essa tecnologia visa reduzir a emissão de CO₂ na atmosfera, capturando-o e o reutilizando em novos materiais.
O carbono é armazenado em formações geológicas, como poços de petróleo já exauridos. O CCUS, conforme entidades internacionais, são fundamentais para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050. “De 40% a 50% das emissões serão neutralizadas com CCUS”, informa o executivo.
“Para descabonizar a indústria do aço, globalmente, estimam-se investimentos de US$ 6 trilhões”, informa Abreu. Desse valor, um terço deve ser aplicado no processo produtivo e cerca e US$ 4 trilhões em instalações adjacentes, como plantas de hidrogênio verde, centrais de CCUS, entre outras.
Vale investe para oferecer ‘matéria-prima verde’
Na corrida da descarbonização no setor de aço, fornecedores da principal matéria-prima, o minério de ferro, estão formando parcerias com seus clientes. A Vale, segunda maior produtora mundial e exportadora da commodity, vem investindo em vários projetos para ampliar oferta de minério de alto teor, que ajude na redução das emissões de carbono, conforme informações passadas por sua assessoria de imprensa. A empresa não concedeu entrevista.
Em 2023, a companhia inaugurou a primeira planta de briquete de minério de ferro do mundo no seu complexo de pelotização em Vitória. Segundo a Vale, é um produto aglomerado, com tecnologia própria, que pode reduzir em até 10% as emissões de carbono na produção de aço pela rota de alto-forno.
No futuro, quando o hidrogênio verde estiver disponível, o briquete servirá de insumo para a produção de aço de zero emissão de carbono pela rota de redução direta, que utiliza fornos elétricos, informou a empresa.
Nos últimos anos, a empresa firmou mais de 50 acordos de parcerias estratégicas e tem anunciado projetos conjuntos, visando ao que chama de “soluções de descarbonização”. No início de dezembro de 2024, concluiu tratativas com Departamento de Energia (DOE) dos EUA e dará início à fase 1 do projeto de desenvolvimento de uma planta de briquetes, em escala industrial, em Louisiana.
A concessão feita à afiliada Vale USA LLC faz parte de acordo cooperativo no Programa de Demonstrações Industriais), do DOE, parte do financiamento vinculado à BIL (Lei de Infraestrutura Bipartidária) e ao IRA (Lei de Redução da Inflação).
O aporte é de até US$ 282,9 milhões durante o período do projeto, até 2031, que prevê a produzir 1,5 milhão de toneladas de briquete de minério de ferro pela rota de redução direta (DRI).
Outros acordos foram assinados em outubro com a chinesa Jinnan Steel (planta de concentração em Omã) e, em novembro, com a alemã Rogesa (para fornecer pelotas). Em setembro, com a Midrex, dos EUA (briquetes para unidades de DRI), e no ano passado, memorando de entendimento com a H2 Green Steel.
A companhia lançou o modelo de Mega Hubs, complexos industriais para produzir HBI (hot-briquetted iron), um produto intermediário entre o minério de ferro e o aço. Os primeiros na Arábia Saudita, Emirados Árabes e Omã. Nesses complexos, a qualidade do minério é ampliada para fazer o briquete, insumo do HBI.
A geração de CO₂, com o HBI, reduz de 50% a 70% comparado ao tradicional ferro-gusa em alto-forno. No início usará gás natural como combustível e, no futuro, hidrogênio verde.
Carvão vegetal e sucata, o diferencial da Aperam
A Aperam, maior fabricante de aço inoxidável da América Latina, além de aços elétricos, é referência na pegada de carbono, com a melhor média na fabricação dos dois produtos, afirma o presidente da empresa, Frederico Ayres. A companhia tem usina em Timóteo, no Vale do Aço mineiro. “Geramos 280 quilos de CO₂ por tonelada de aço produzida, enquanto nossos concorrentes têm media de 930 quilos.”
O diferencial da Aperam é uso de carvão vegetal de florestas próprias (mais da metade da produção de aço) e de sucata de aço inox. “Desde 2011, todo o nosso ferro-gusa obtido nos altos-fornos é com carvão vegetal certificado. Isso nos dá vantagens de custo, que é fundamental no negócio, e em sustentabilidade”.
Hoje, a Aperam foca em melhorias de processos, substituição de combustíveis fósseis, (uso de gás natural no lugar de gás de alto-forno), minério de ferro mais enriquecido e projetos de remoção de carbono nas florestas. A energia é de origem renovável (eólica, solar e hidrelétrica). “No Brasil, somos carbono neutro ao somar os escopos 1 (operações produtivas), 2 (uso de energia) e as remoções de CO₂ com armazenamento de CO₂ no solo das florestas”.
AVB tem selo de baixo carbono da World Steel
Localizada em Açailândia, no Maranhão, a minimill brasileira Aço Verde do Brasil (AVB), que começou a operar em 2015, recebeu da World Steel Association (WSA) o selo de primeira siderúrgica carbono neutro do mundo cinco anos atrás. Fabricante de aços longos (vergalhões e fio-máquina), a empresa passou por auditoria do processo produtivo e das emissões de CO₂ da consultoria francesa SGS.
Em dois anos chegou a ter emissão negativa, mas em 2023, com ajustes de critérios da WSA, após se desfazer de participação de 50% na Cimento Açaí, empresa do grupo para a qual destinava a escória dos seus dois altos-fornos, o número mudou. A geração de CO₂ contabilizada foi de 229 quilos por tonelada de aço fabricada, considerando escopos 1 e 2. Mesmo assim, considerada siderúrgica de baixo carbono.
“Com a montagem de uma unidade de briquetes de resíduos do processo industrial que estamos investindo R$ 80 milhões mais outras ações internas, poderemos reduzir a emissão para menos de 200 quilos de CO₂”, afirma Sandro Marques Raposo, diretor de Sustentabilidade e Novos Negócios da AVB. O briquete é usado no alto-forno como matéria-prima. A meta é zerar resíduos na siderúrgica a partir de 2025.
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A AVB, que fica às margens da Estrada de Ferro Carajás, da Vale, por onde recebe minério de fero, tem dois altos-fornos que fazem por ano 660 mil toneladas de ferro-gusa. São supridos com minério e biocarbono (carvão vegetal) de florestas próprias.
A siderúrgica tem capacidade de produzir 720 mil toneladas por ano de produtos laminados. No processo produtivo, aproveita todos os gases dos altos-fornos e da aciaria e gera energia em uma termoelétrica de 11 MW, que atende 30% das necessidades da empresa.
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