Dano ambiental que afundou cinco bairros em Maceió ameaça venda da Braskem

Empresa afirma que tem reparado impactos de acidente ambiental em 2018 e honrado compromissos de indenização; cerca de 200 mil pessoas foram afetadas

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Foto do author André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - As negociações em torno da venda da Braskem, maior petroquímica da América Latina, podem emperrar em novas disputas jurídicas. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse ao Estadão que atuará no Congresso e com o governo de Alagoas para impedir que qualquer negociação avance, caso a Braskem não dê uma solução definitiva às indenizações bilionárias para cerca de 200 mil pessoas que foram vítimas de um acidente ambiental causado pela empresa, em 2018.

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Naquele ano, houve um abalo sísmico em cinco bairros da região de Maceió, que deixou rachaduras em milhares de imóveis e abriu crateras em ruas da cidade, forçando mais de 55 mil pessoas a deixarem suas casas. O abalo foi causado pelo deslocamento do subsolo, devido à extração de sal-gema pela Braskem, que atuava na região desde 1976. A companhia encerrou a extração do minério na região em 2019. Procurada, a Braskem afirmou que tem honrado compromissos de indenização (veja mais abaixo).

O Estadão apurou que Renan Calheiros já teve uma conversa telefônica sobre o assunto com o novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. A Petrobras detém 36,1% do capital total da Braskem, enquanto a Novonor, novo nome da empreiteira Odebrecht, tem uma fatia maior, de 38,3%. As demais ações estão pulverizadas no mercado.

Na conversa, segundo interlocutores de Renan e Prates, o presidente da Petrobras se mostrou sensível ao pleito e sinalizou que, em seu entendimento, a Braskem só será mesmo negociada com outra empresa quando resolver suas indenizações com as famílias alagoanas.

Procurado pelo Estadão, Prates não comentou o assunto. Renan disse que não podia falar sobre o conteúdo de uma conversa privada, mas deixou clara a sua posição sobre o andamento das negociações.

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Casas no entorno de unidade da Braskem que causou dano ambiental, em Maceió Foto: Amanda Perobelli/Reuters

“Nós, alagoanos, não somos contra a venda da empresa, nem que a Petrobras aumente ou reduza sua participação acionária. O que exigimos é que eles paguem as dívidas com as vítimas, que somam mais de 200 mil pessoas”, disse Renan.

O senador afirma que os alagoanos querem a construção de um novo bairro para repor as habitações, porque os cinco bairros atingidos pela tragédia estão desertos. “A economia de Alagoas caiu 11% só por causa desse desastre. Só com a frustração de recolhimento de ICMS, o Estado e os municípios perderam mais de R$ 3 bilhões. É preciso prover a moradia, o emprego, a dignidade dessas famílias. Extraíram o sal-gema desses locais e não colocaram nada do lugar. E os bairros tiveram afundamento. Pessoas adoeceram, perderam familiares, outras se suicidaram. Tem que resolver definitivamente essa situação”, disse.

Prédio com rachadura em bairro de Maceió que sofreu afundamento devido a atividades da Braskem Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Há uma questão básica, porém, ainda em aberto: o custo total dessas indenizações. “O grande problema é esse hoje, não há uma quantificação precisa. As ações judiciais são pulverizadas. A empresa tem cerca de R$ 8 bilhões provisionados em seu balanço para essas iniciativas”, disse Renan.

A Braskem informou, em junho de 2022, que a provisão para o incidente era de R$ 7,7 bilhões. Desde 2019, a empresa enfrenta questionamentos de investidores sobre o passivo ambiental em Alagoas. O processo é acompanhado pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE).

Casa que precisou ser evacuada no bairro do Pinheiro, em Maceió, passa por obras Foto: Thalita Chargel/Estadão

Negócio pode chegar a R$ 70 bi

A venda da Braskem é considerada a grande cartada da Novonor, companhia que está em recuperação judicial e que vê na transação sua principal rota de saída da crise.

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No fim do ano passado, a gestora americana Apollo chegou a fazer uma proposta para adquirir a companhia, que está à venda há anos, sem ter êxito. Outra interessada foi a Unipar, mas as transações também ficaram pelo caminho.

A lista de interessados inclui ainda o grupo Ultra, o grupo J&F e o BTG. Em 2019, a Braskem chegou avançar nas discussões com outra gigante de seu setor, a holandesa LyondellBasell. As conversas aconteceram entre 2017 e 2019, mas também não foram para frente. Parte da razão para o negócio com a Lyondell não andar se deveu ao passivo ambiental em Maceió, além de questões regulatórias que a Braskem enfrentou nos Estados Unidos.

No início do ano passado, as duas sócias decidiram negociar as ações da empresa na Bolsa de Valores, mas, sem interessados, a oferta foi suspensa, o que acabou por trazer de volta a ideia de se encontrar um comprador no mercado privado.

No mercado, já se estimou que a venda da Braskem, uma das maiores petroquímicas do mundo, pode movimentar cerca de R$ 70 bilhões, incluindo suas dívidas. Só a fatia da Novonor, que tem 38% do capital votante, chegou a ser estimada em mais de R$ 13,5 bilhões.

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Outro lado

A Braskem informou que está desenvolvendo uma série de ações nos bairros de Maceió afetados pelo problema, “com foco na segurança das pessoas e na implementação de medidas amplas e adequadas para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação”.

“As iniciativas, acordadas com autoridades federais, estaduais e municipais, abrangem realocação e compensação financeira das famílias, acolhimento de animais, cuidados com a zeladoria nos bairros, monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal, entre outras. Além disso, um acordo socioambiental prevê recursos e tratativas nos aspectos sociais, ambientais e de mobilidade, cujas ações vêm sendo definidas e implementadas em conjunto com as autoridades e em consulta à população. Para o cumprimento dos acordos firmados com as autoridades desde janeiro de 2020, a Braskem já realizou o provisionamento de todos os recursos determinados”, declarou a companhia.

O Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação aponta que, até o fim de março, 18.933 propostas de indenização foram apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. O número equivale a cerca de 99% de todas as propostas previstas, segundo a empresa.

“Desse total, 17.800 já foram aceitas – a diferença entre o número de propostas apresentadas e aceitas se deve ao tempo que as famílias têm para avaliar ou pedir uma reanálise dos valores. O índice de aceitação se mantém acima de 99% desde o início do programa, e 16.585 indenizações já foram pagas, superando 86% do esperado. Somadas aos auxílios financeiros e honorários de advogados, o valor é de R$ 3,5 bilhões. Na realocação preventiva, mais de 99% dos imóveis das áreas definidas pela Defesa Civil já foram desocupados”, informou a empresa.

Em relação às ações previstas no acordo socioambiental, um plano de ação foi entregue às autoridades, após cumprir as fases de diagnóstico e escuta da comunidade. Já o diagnóstico da frente sociourbanística, que aborda questões relacionadas ao planejamento e infraestrutura urbana, patrimônio cultural, políticas sociais, economia e trabalho, entre outras, foi apresentado no último mês de março, em escutas públicas formais, a fim de receber contribuições para o Plano de Ações Sociourbanísticas.

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No eixo de mobilidade urbana, as obras estão em fase de execução, com investimento previsto de R$ 360 milhões. Já as ações da frente de estabilização e monitoramento do solo incluem a instalação de um conjunto de equipamentos dos mais modernos em atuação no Brasil, segundo a companhia, com parte deles doada para a Defesa Civil de Maceió. “A extração de sal-gema foi totalmente encerrada em maio de 2019, e a Braskem vem adotando as medidas adequadas para o fechamento definitivo dos poços de sal, conforme plano apresentado às autoridades e aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM)”, informou a empresa.

No aspecto coletivo, dentro do acordo socioambiental, a Braskem assumiu o compromisso de disponibilizar recursos, no valor mínimo de R$ 150 milhões, para indenização por danos sociais e danos morais coletivos, decorrentes do fenômeno geológico. O montante foi dividido em cinco parcelas anuais de R$ 30 milhões e três já foram depositadas. Os recursos serão geridos por um comitê formado por representantes da sociedade civil e de órgãos públicos.

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