
Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, Solange Srour vê um efeito direto pequeno das tarifas de Donald Trump à economia brasileira, mas pondera que um choque que pode mudar o crescimento dos principais parceiros comerciais do País teria repercussões na atividade doméstica. Segundo ela, a economia brasileira desacelera, mas não de forma significativa, os estímulos do governo representam um novo impulso e o viés às projeções de Produto Interno Bruto (PIB) é de alta. “Veríamos uma revisão de PIB para cima, se não fosse esse cenário global muito incerto”, pondera.
Diante da repercussão do tarifaço nos ativos e expectativas para juros no mundo, Srour considera que o Banco Central deve manter um discurso de cautela. “Tudo vai depender de como a atividade aqui vai reagir. O fator global pode trazer viés de baixa, e o doméstico, de alta. E o BC não tem certeza, como ninguém tem, de que o real vai valorizar daqui para frente”, afirma a economista. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O tarifaço anunciado por Trump surpreendeu?
Surpreendeu bastante, porque a expectativa era de um nível alto de tarifas, embora as tarifas à China e à Europa tenham ficado muito acima do esperado. Com o impacto forte na China e na Europa, os mercados começam a colocar na conta que a inflação nos Estados Unidos pode ser bem maior e o efeito no PIB também pode ser bastante forte. Há projeções de que o núcleo da inflação pelo índice PCE pode subir quase 1 ponto porcentual e o PIB americano, cair 1,5 ponto porcentual. O grande perdedor parece ser os EUA.
Diante disso, o que esperar do Federal Reserve?
Os economistas, numa primeira reação, podem achar que o Fed (o banco central americano) não deve reduzir tanto os juros, mas o mercado vai aumentar as expectativas de corte porque entende que o Fed deve ficar mais preocupado com o risco de recessão e o impacto no emprego do que com a inflação. Com um núcleo do PCE muito próximo a 4%, os economistas podem achar difícil o Fed usar o argumento de um aumento de inflação temporário, porque é significativo e pode ter efeito secundário. O mercado vai tentar buscar o chamado ‘Fed put’, que é a possibilidade de corte mais forte para evitar uma recessão. A probabilidade de recessão aumenta, mas não é o cenário-base do consenso do mercado. O Fed está numa posição muito difícil. A inflação não converge à meta, o preço dos serviços está mais resiliente, a economia não estava desacelerando da maneira esperada e, agora, há um choque de difícil mensuração. Prefiro assumir uma postura cautelosa e esperar o Fed se pronunciar.

Considera a possibilidade de estagflação?
Depende de como se define estagflação. Se para estagflação é preciso recessão, não vejo possibilidade ainda. Podemos estar, aumentou a chance, mas se a gente pensar que estagflação é uma desaceleração bem mais forte da atividade com inflação bem mais alta, o cenário está se caminhando para isso. Se até o dia 9 não houver uma diminuição significativa dessas tarifas dos principais parceiros, o cenário-base vai ser estagflação.
E quanto a outras políticas monetárias, como da Europa?
No primeiro momento, a reação das moedas tem sido surpreendente. A expectativa era de dólar forte com tarifas muito elevadas por Trump. Só que a resposta tem sido de valorização do euro, iene e moedas emergentes. Se o euro se valoriza, abre um espaço maior para redução de juros, porque o choque ajuda a diminuir a inflação. Ao mesmo tempo, piora as exportações, que é fonte de crescimento importante para a Europa. Então, há espaço para os demais países terem uma política mais leniente. Mas tudo dependerá do dólar. Se tarifas agressivas não geram uma recessão global, o dólar fica fraco e os outros países conseguem navegar com políticas fiscais e monetárias expansionistas. Com uma recessão global, o dólar volta a ficar forte, por aversão a risco generalizada no mundo. Estamos caminhando em uma linha tênue. O mercado parece trabalhar com um cenário onde não há transbordamento de recessão para o resto do mundo e o dólar fica fraco.
E a China?
Uma tarifa média aos produtos chineses acima de 60% pode impactar muito o PIB, em 1,5 ponto porcentual. É um cenário bem complicado, de estagnação e desinflação, reduzindo a demanda por commodities de países como o Brasil, que dependem muito de importações chinesas. O mercado não trabalha com esse cenário porque os dados da China têm surpreendido para cima com estímulos do governo desde o fim do ano passado, o que segura bastante as expectativas de crescimento do país.
O Brasil escapou das tarifas mais elevadas. Quais os efeitos disso?
O efeito direto no Brasil é pequeno, pelas tarifas em 10%, na banda de baixo das expectativas. O Brasil é uma economia que tem uma exportação sobre PIB baixa. Não dependemos da exportação para crescer. Então, o impacto tanto na balança comercial quanto no PIB não deve ser super forte, no primeiro momento. Já o canal de contágio global, financeiro, pode ser grande. Se caminharmos para esse cenário em que a China desacelera muito e tem deflação, e Europa também sofre bastante, o efeito indireto pode ser muito maior no Brasil.
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Quais as implicações para o Banco Central e a Selic?
O Brasil vive um momento sui generis. A economia cresce bem. Há uma desaceleração, mas longe de significativa. Ao mesmo tempo, forças como a medida do crédito consignado privado vão impulsionar a economia para cima. A ampliação da isenção do Imposto de Renda é provável. A maioria dos analistas acredita que o viés de PIB hoje no Brasil é de alta. Veríamos uma revisão de PIB para cima se não fosse esse cenário global muito incerto. Talvez até vejamos. Daqui a pouco vão mostrar o crédito mais pujante, enfim. O BC não incorporou os efeitos do crédito consignado e IR, o que ficou claro na apresentação do Relatório de Política Monetária. Ao mesmo tempo, há um choque que pode mudar completamente o crescimento dos nossos principais parceiros comerciais. O BC tem de manter um discurso de cautela, dado que a inflação corrente não está positiva e que as expectativas estão muito desancoradas ainda. Vai continuar a sinalizar que o processo de alta da Selic não acabou, mas deixar muito aberto o final do ciclo. Tudo vai depender de como a atividade aqui vai reagir. O fator global pode trazer viés de baixa, e o doméstico, de alta. E o BC não tem certeza, como ninguém tem, de que o real vai valorizar daqui para frente.
De qualquer maneira, essa incerteza adia expectativas de corte dos juros?
Sim. O viés do PIB este ano é para cima, dado esse novo crédito consignado, que é bastante potente. Deveria jogar a queda da Selic mais para frente, pelas nossas condições domésticas. Aquela desaceleração do final do ano talvez tenha sido bem curta mesmo, como tem sido nos últimos três anos. Há sempre uma política fiscal ou uma política creditícia impedindo a desaceleração do Brasil.
E quanto ao nosso cenário fiscal?
O fundamento fiscal no Brasil está bastante deteriorado. A cada dia que passa dependemos mais do cenário internacional. O nível de dívida está cada vez maior e os juros provavelmente não vão diminuir tão cedo. Conseguir empurrar com a barriga até o final de 2026 vai depender muito do cenário americano e desdobramentos globais. Não nos ajudamos e, inclusive, esse choque externo pode induzir mais medidas de estímulos à economia, se tiver uma repercussão negativa. Às vezes nem tem, mas muitas vezes diante da possibilidade de uma desaceleração global maior, já começamos a pensar em como evitar que sejamos atingidos por um choque global.