BRASÍLIA – Uma nota técnica divulgada pela Consultoria de Orçamento da Câmara argumenta que a proibição à concessão de reajustes a servidores públicos até o fim de 2021, como contrapartida ao socorro a Estados e municípios, vale inclusive para os atos de aprovação pelo Legislativo e sanção da lei pelo Executivo.
Por essa interpretação, o aumento concedido a policiais civis e militares do Distrito Federal poderia perder validade no início de outubro, quando a Medida Provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro para contemplar as categorias expiraria sem votação.
Eventuais leis estaduais e municipais de reajuste aprovadas antes da sanção do socorro, mas assinadas pelos chefes do Executivo após essa data, também ficariam invalidadas por esse entendimento.
“As limitações e proibições quanto ao aumento de pessoal ou de despesas obrigatórias destinam-se aos responsáveis pelos atos relacionados às ações vedadas. Essa responsabilização alcança os atos de aprovação, edição e sanção, seja a cargo do chefe do Poder Executivo, presidente e demais membros da Mesa ou de órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, presidente de Tribunal do Poder Judiciário e chefe do Ministério Público, da União e dos Estados”, diz a nota técnica obtida pelo Broadcast.
O socorro aos Estados e municípios foi sancionado na data-limite por Bolsonaro, após o presidente segurar o ato justamente para dar tempo a governadores e prefeitos para aprovarem aumentos a servidores em seus Legislativos.
O governo também articulou a votação de uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 para abrir caminho ao reajuste prometido às políticas do DF, cujos salários são bancados com recursos da União por meio do Fundo Constitucional do DF. Após essa alteração, Bolsonaro assinou a MP concedendo reajuste retroativo a 1º de janeiro de 2020, ao custo de R$ 505 milhões ao ano.
A MP 971 ainda está em tramitação e precisa ser votada pelos plenários da Câmara e do Senado, além de sancionada pelo presidente da República – atos que, segundo a interpretação da consultoria, estariam proibidos pela Lei Complementar 173, que prevê o socorro aos governos regionais.
Na hipótese de esse entendimento prevalecer e a MP perder a vigência, há uma dúvida entre técnicos sobre o que ocorreria depois: se os salários seriam reduzidos ao patamar pré-aumento, ou se o Congresso poderia fazer um decreto legislativo dispondo sobre a vigência da MP, ou ainda se o reajuste ficaria suspenso apenas durante o período da proibição (até o fim de 2021). A avaliação é que o tema pode ser alvo de questionamento jurídico.
Antes do reajuste, os vencimentos de agentes da Polícia Civil do DF variavam entre R$ 8.698,78 e R$ 13.751,51. Com o aumento, passam a variar entre R$ 9.394,68 e R$ 14.851,63. Já delegados ganhavam antes do reajuste entre R$ 16.830,85 a R$ 22.805,00. Passarão a ganhar entre R$ 18.177,32 e R$ 24.629,40.
O salário dos militares é calculado de forma diferente, com um valor base que é somado a gratificações. O projeto aprovado pelo Congresso prevê um aumento na Vantagem Pecuniária Especial, que teve incremento de 25%. Para soldados de 2ª classe (cargo mais baixo), os salários passarão de R$ 4.069,06 para R$ 4.443,11. Para coronéis (cargo mais alto), os vencimentos passam de R$ 17.271,13 para R$ 19.090,92.
Desoneração
A nota técnica alerta ainda que a prorrogação da desoneração da folha de pagamento até o fim de 2021, como aprovado pela Câmara dos Deputados a contragosto do governo, pode ser considerada inconstitucional. Isso porque o regime fiscal extraordinário aprovado para facilitar as iniciativas de combate à pandemia do novo coronavírus só dispensa o cumprimento de regras fiscais as iniciativas limitadas ao período da calamidade (que vai até o fim de 2020).
“A dispensa das limitações legais quanto à concessão ou à ampliação de renúncias de receita não beneficia proposições que concedam benefícios para além do período da calamidade”, diz a nota técnica.
A área econômica já indicou que, se o Senado aprovar esse dispositivo, deve recomendar o veto ao presidente Jair Bolsonaro.
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