O grupo alemão Volkswagen, segunda maior montadora no mundo, está enfrentando novas acusações ligadas à ditadura militar brasileira, desta vez por práticas “escravagistas” entre 1974 e 1986, afirmaram neste domingo, 29, jornais e TVs alemãs.
Segundo a cadeia de televisão pública ARD e o jornal Süddeutsche Zeitung, a empresa foi convocada para uma audiência no dia 14 de junho na Justiça do Trabalho, em Brasília. A notificação foi enviada pela primeira instância, em 19 de maio.
Questionada pela agência de notícias France Presse, um porta-voz da Volkswagen assegurou que a empresa está levando “muito a sério” esse caso assim como os “eventuais fatos que tenham ocorrido e sobre os quais se baseiam as investigações das autoridades judiciárias brasileiras” O grupo não fez nenhuma outra declaração neste momento em razão de um possível processo judiciário.
Procurada pelo Estadão, a Volkswagen do Brasil informou apenas que não iria se pronunciar sobre o assunto no momento.
Tráfico humano
As acusações examinadas pela Justiça do Trabalho são baseadas, segundo a imprensa alemã, no fato de a empresa recorrer a "práticas escravagistas” e ao “tráfico de seres humanos” em fazendas da Amazônia. Ela é acusada ainda de cumplicidade com “violações sistemáticas dos direitos humanos”.
À época, o grupo tinha o plano de construir um grande projeto agrícola na Amazônia para a criação de gado: a Companhia do Vale do Rio Cristalino. Centenas de trabalhadores diaristas e temporários foram recrutados para o trabalho de desmatamento, em uma área de 70 mil hectares, através de intermediários, mas, segundo a imprensa alemã, provavelmente com o consentimento da direção da montadora.
De acordo com a imprensa alemã, que consultou mais de 2 mil páginas de testemunhos e relatórios policiais, os trabalhadores eram às vezes vítimas de torturas e de violências aplicadas pelos capatazes armados e pelos aliciadores de mão de obra. Os testemunhos deixam claro os maus tratos contra os trabalhadores e que tentavam fugir e citam desaparecimentos suspeitos. A mulher de uma das vítimas foi estuprada como punição. Uma mãe afirmou que seu filho morreu em razão das agressões.
“Era uma forma de escravidão moderna", declarou à imprensa alemã o procurador responsável pela investigação, Rafael Garcia. Ele evoca condições de trabalho inumanas na fazenda, “com trabalhadores que tinham malária, muitos dos quais morriam e eram enterrados ali sem que suas famílias ficassem sabendo”. “Volks não só manifestamente aceitou essa forma de escravidão, como a encorajou, pois era mão de obra barata”, acrescentou o procurador.
Segunda acusação
As acusações contra o grupo durante a ditadura militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1985, já fizeram a empresa ser alvo de outra ação no País. Isso em razão de sua colaboração com o Departamento de Ordem Política Social (Dops), de São Paulo, e por sua colaboração com o Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército.
Em 2020, a empresa fechou um acordo na Justiça Federal de São Paulo em 2020 para pagar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores da empresa presos, perseguidos ou torturados na ditadura militar (1964-1985) e a iniciativas de promoção de direitos humanos no País. Desse total, R$ 2 milhões serão usados para investigar outras empresas que apoiaram a repressão e R$ 2,5 milhões servirão para concluir os trabalhos de identificação de ossadas de presos políticos escondidas pela ditadura na vala comum do cemitério de Perus, na zona oeste de São Paulo. Foi a primeira vez que uma empresa alemã aceitou a responsabilidade por violações de direitos humanos contra seus trabalhadores por eventos que aconteceram após o fim do nazismo.
A Volks foi ainda a primeira empresa estrangeira a “reavaliar sua história durante o regime militar no Brasil”. De acordo com relatos de testemunhas e de documentos da polícia, a Volks colaborou com os militares para identificar possíveis suspeitos de atuação política contra o governo entre seus funcionários, permitindo prisões e torturas até dentro da fábrica de São Bernardo do Campo. Um relatório independente encomendado pela empresa em 2016 confirmou as acusações. / MARCELO GODOY E CLEIDE SILVA, COM AGÊNCIA FRANCE PRESSE
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