NOVA YORK - O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está diante de um desafio duplo: seguir subindo os juros para derrubar a elevada inflação nos Estados Unidos ou pausar o aperto monetário sob o temor de que mais dominós caiam no setor bancário após três bancos fecharem as portas no país. A expectativa majoritária em Wall Street é de nova alta de 25 pontos-base na reunião que começa hoje e termina amanhã, dia 22, após a venda forçada do Credit Suisse para o UBS ajudar a conter os temores de uma crise global e que fez reviver os fantasmas de 2008 para o sistema financeiro internacional.
Diante de uma das decisões mais difíceis desde o início do processo de aperto monetário nos EUA, caso confirmada, a elevação de 25 pontos-base colocará os juros dos Fed Funds, a taxa básica americana, na faixa de 4,75% a 5,0% ao ano. Levantamento do CME Group confirma que esse é o cenário base de 86,4% do mercado contra 13,6% de chances de manutenção nos juros.
As expectativas para a reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) de março sofreram um cavalo de pau nas últimas semanas em meio às tensões com o setor bancário nos EUA e que ganharam reforço do outro lado do Atlântico com a nova crise do Credit Suisse.
No início do mês, ao prestar depoimento ao Senado americano, o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou as portas abertas para uma aceleração da subida de juros nos EUA sob a justificativa de um mercado de trabalho ainda bastante aquecido e o custo de vida elevado no país. Depois de sua fala, as expectativas de uma alta de 50 pontos-base chegaram a bater a casa dos 70% e abalaram Wall Street. Powell disse que a decisão do FOMC de março dependeria de mais “dois ou três dados muito importantes”. Nesta conta, não estava, porém, o caos bancário que se desenrolaria na sequência.
Quebra de bancos
Em questão de dias, três bancos fecharam as portas no país, desencadeando a turbulência bancária mais forte desde a crise financeira internacional de 2008. Primeiro, o Silvergate, focado no universo cripto, anunciou o encerramento de suas operações. Na sequência, o Silicon Valley Bank (SVB), que atendia majoritariamente startups, e o Signature Bank, também voltado a ativos digitais, vieram à bancarrota.
A quebra de bancos foi vista como o primeiro sinal mais evidente dos impactos do processo de aperto monetário em curso e reforçou os temores de uma recessão à vista na maior economia do mundo. O SVB quebrou após seus títulos terem perdido valor em meio à alta dos juros e uma corrida de saques a depósitos não segurados. O caos bancário ganhou coro do outro lado do Atlântico com o Credit Suisse sofrendo uma nova crise de desconfiança no mercado.
A venda forçada do banco suíço ao rival UBS no fim de semana ajudou a acalmar os mercados, embora não tenha dissipado as preocupações com o setor bancário, em especial, nos EUA. Economistas identificaram 186 bancos que podem estar expostos a riscos similares aos sofridos pelo SVB, conforme estudo publicado na ‘Social Science Research Network’.
A saída encontrada por reguladores suíços para que a crise não se espalhasse veio na esteira da subida de juros de 50 pontos-base na zona do euro em uma rara decisão em que o Banco Central da Europa (BCE) pavimentou o caminho para o FOMC. Agora, chega a vez do Fed decidir se preserva a estabilidade financeira ou a de preços.
“Esperamos que o Federal Reserve suba as taxas em 25 pontos-base esta semana, embora a perspectiva de longo prazo seja muito menos clara do que há apenas uma semana”, dizem Anders S. Persson e John V. Miller, da gestora americana Nuveen.
Pesa, sobretudo, uma elevada inflação nos EUA, fora o mercado de trabalho ainda super aquecido. O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) de fevereiro, que desacelerou, bem como o índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), que subiu 0,6% em janeiro e é a medida preferida do Fed, seguem bem acima da meta de inflação de 2% ao ano.
O Citi reforça o coro para um aumento de 25 pontos-base na reunião desta semana e vê o BC dos EUA elevando a mediana para a taxa final do ciclo de aperto no gráfico de pontos também em 25 pontos-base, para o intervalo de 5,25% a 5,50%. Na visão do gigante de Wall Street, Powell e o comunicado ao mercado vão refletir o foco do Fed em usar ferramentas de liquidez para endereçar a estabilidade financeira enquanto segue com o processo de aperto monetário para baixar a inflação no país.
“A leitura do mercado ‘hawkish’ (mais inclinado à subida de juros) ou ‘dovish’ (menor ímpeto por elevar as taxas) pode se resumir a se Powell se concentra mais na estabilidade financeira ou de preços na coletiva de imprensa”, avalia o Citi.
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Na contramão, o rival Goldman Sachs prevê uma pausa no processo de aperto monetário na maior economia do mundo diante do estresse no sistema bancário. Essa é, na sua visão, a preocupação mais imediata do que a elevada inflação americana, que, embora alta, parece um tema “menos urgente” do que no verão passado. Dar um respiro na briga contra o custo de vida nos EUA não deveria ser um “problema tão grande” já que essa batalha é de médio prazo, avalia. “Embora os formuladores de políticas tenham respondido agressivamente para fortalecer o sistema financeiro, os mercados parecem não estar totalmente convencidos de que os esforços para apoiar bancos pequenos e médios serão suficientes”, alerta o Goldman, em comentário a clientes.
O megainvestidor Bill Ackman, da gestora Pershing Square, levanta o coro para o Fed fazer uma pausa na subida de juros, ele que, no passado, defendeu maior agressividade da autoridade na luta contra a inflação. A medida é necessária, na sua visão, devido à série de grandes choques no sistema como efeito do aperto significativo das condições financeiras. “Este não é um ambiente no qual o Fed deveria aumentar as taxas e adicionar pressão adicional ao sistema, já que a estabilidade financeira é a primeira responsabilidade do Fed”, avalia Ackman.
Qual gigante de Wall Street está certo? A resposta vem amanhã, às 15 horas de Brasília. Na sequência, Powell justifica a decisão que definirá o rumo dos juros nos EUA, em coletiva de imprensa, que acontece 30 minutos depois.
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