Linha de corte do Bolsa Família deverá ter atualização anual com base no mínimo, diz Wellington Dias

Segundo ministro, porém, reajuste do valor pago só deve ser discutida no ano que vem, para passar a valer em 2025

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Entrevista comWellington DiasMinistro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

Brasília - O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, afirmou que o teto de renda para beneficiários do Bolsa Família deverá ter revisões anuais com base no aumento do salário mínimo, além de parâmetros internacionais. Atualmente, pode receber o benefício quem tem renda familiar per capita de até R$ 218.

Na prática, reajustar o teto de renda do Bolsa Família permite que mais pessoas recebam o benefício. Atualmente, não há periodicidade definida para reajuste da chamada linha da pobreza, que determina quem tem direito ao programa.

De acordo com a política adotada em maio pelo governo federal, o salário mínimo será reajustado anualmente de acordo com a inflação medida pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC) mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado dos dois anos anteriores. “O aumento do salário mínimo a cada ano será o parâmetro para a classe E, ou seja, para a pobreza”, declarou o ministro em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Nós vamos ter de levar em conta a elevação desse patamar a cada ano por conta do reajuste do salário mínimo, combinado com o parâmetro do Banco Mundial, da FAO, sobre o limite da extrema pobreza”, disse.

Segundo Dias, está em discussão um incentivo para alunos do ensino médio, para evitar a evasão escolar Foto: Elvis González/EFE

A proposta de Orçamento para 2024, apresentada pelo governo, não prevê, contudo, um reajuste do valor pago aos beneficiários do Bolsa Família, hoje em R$ 600. De acordo com Dias, um aumento no benefício será discutido no ano que vem, para valer em 2025. “A realidade às vezes é cruel, então vamos esperar a conjuntura de 2024″, afirmou.

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A seguir, os principais trechos da entrevista:

No começo do governo, foi criado o adicional no Bolsa Família de R$ 150 para crianças de até seis anos. O valor de R$ 600 já vinha do governo anterior, mas também é recente. O Ministério já tem um balanço de qual foi o resultado prático dessas mudanças?

O resultado é extraordinário. Em junho, julho, agosto e setembro nós alcançamos 19,7 milhões de famílias de um total de 21 milhões e meio, aproximadamente, que passaram a ter uma renda, segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas, uma renda per capita igual ou superior a R$ 218. Como diz o presidente Lula, garantido o direito de tomar café, almoçar e jantar todo dia. Isso aqui são cerca de 48 milhões de pessoas protegidas contra a pobreza.

Há alguma mudança que o sr. pretende implementar no Bolsa Família nos próximos anos?

Estamos discutindo com o Ministério da Educação, a Casa Civil e o Ministério da Fazenda qual a medida que a gente vai adotar para ajudar a resolver uma situação ali na 9ª série, 1º ano, 2º, 3º do ensino médio, onde tem uma maior desistência. Acho que fechamos este ano com uma proposta. É um conjunto de propostas, uma bolsa, uma poupança que funciona como prêmio pela frequência, pela aprovação a cada final de ano. Eu quero montar um negócio. A poupança é boa, mas ainda não é suficiente. E se somar a poupança com crédito? São essas propostas que estão na mesa. Acredito que até o final do ano o presidente Lula vai tomar uma decisão.

Essa proposta do ensino médio vai ser integrada com o Bolsa Família?

Vai ser integrada com o Cadastro Único, com a rede de educação e Estados e municípios também participando.

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Já dá para ter ideia de qual vai ser o valor dessa bolsa?

Ainda não tem porque, de novo, aqui é onde entra o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e a ministra Simone Tebet (Planejamento).

Quantos alunos o programa poderá atender?

Temos cerca de 4 milhões de alunos que estão nesses níveis de ensino médio. Alunos que estão no Bolsa Família? Alunos que estão no Cadastro Único? O principal são os alunos das famílias mais pobres, que o risco da evasão é maior. Não tem dinheiro para o transporte, não tem dinheiro para alimentação, então um complemento de renda certamente faz a diferença. Ainda está em discussão [qual vai ser o recorte].

Está em discussão aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família?

Tínhamos uma distorção no cadastro, com muitas pessoas de elevada renda recebendo o Auxílio Brasil. Pessoas de R$ 6 mil por mês recebendo o Auxílio Brasil. A atualização do cadastro permite uma eficiência maior. Estimávamos em cerca de 3 milhões de famílias que, pelo IBGE, teriam o direito e estavam fora. Nós já conseguimos localizar 2,39 milhões até setembro. Ainda há pessoas fora? Sim. Mas já estamos nos aproximando daquela estimativa feita lá atrás. A decisão do presidente é: “Não vamos deixar pessoas de fora por conta de dinheiro”. O que tem de favorável é que se está elevando a renda.

Como o governo está planejando ao longo dos quatro anos fazer a revisão da faixa de pobreza elegível para o Bolsa Família? Atualmente, é estabelecido o limite de renda per capita de R$ 218 para poder ser beneficiário.

O Brasil criou um parâmetro que está acima do padrão internacional. O padrão internacional, pelo custo de vida brasileiro, seria em torno de R$ 180, nós fomos para R$ 218. O presidente Lula ficava incomodado porque às vezes uma pessoa, por causa de R$ 10 a mais, era prejudicada. Assim como a própria faixa da pobreza no mundo hoje é em torno de R$ 570, e ele preferiu elevar para R$ 660, meio salário mínimo. O que estou dizendo é que esse aumento do salário mínimo a cada ano (determinado pela política de valorização anual adotada pelo governo) será o parâmetro para a classe E, ou seja, para a pobreza. Isso aqui nós vamos ter de levar em conta a elevação desse patamar (o teto de R$ 218 mensais per capita para receber o Bolsa Família) a cada ano por conta do reajuste do salário mínimo combinado com o parâmetro do Banco Mundial, da FAO, sobre o limite da extrema pobreza.

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A proposta de Orçamento para 2024 não tem reajuste para o Bolsa Família. Vai ter reajuste no ano que vem?

Vamos discutir no próximo ano. Neste ano, não tratamos disso.

Então o reajuste será apenas para 2025?

É. Sempre com muita responsabilidade. Às vezes o governante quer reajustar o salário do servidor, quer dar o reajuste no salário mínimo, no Bolsa Família. Mas temos de lidar com a realidade, e a realidade às vezes é cruel, então vamos esperar a conjuntura de 2024. Eu estou muito otimista.

O sr. é um dos únicos políticos do governo do presidente Lula que se declaram indígenas. Diante disso, o sr. é a favor ou contra o marco temporal para demarcação de terras?

Houve aqui uma política perversa de extermínio de indígenas, meu Estado do Piauí é exemplo disso. No século 21, ainda temos comunidades com áreas não regularizadas. Acho que temos de levar em conta onde é que tem comunidades não regularizadas. Onde tiver uma comunidade que a gente reconhece como comunidade indígena não regularizada, tem de regularizar. Todos os países do mundo tiveram de tratar sobre os aborígenes, os povos das origens. Todos os países do mundo fizeram uma pactuação de integração desses povos. O que nós chamamos de terra indígena, na verdade, o Brasil trabalha como se fosse um parque ambiental. É a única raça que dentro da chamada terra indígena não tem o direito a um documento da terra. Não tenho direito de dizer “essa terra é minha”. Pactuando com cada cacique, cada líder indígena, vamos encontrar uma fórmula que outros países encontraram.

No caso, permitir a exploração econômica da terra?

É como se quiséssemos que indígena seja quem ainda, no século 21, vive igual ao ano de 1500. Não. Indígena é uma raça. Ninguém questiona quem é negro ou negra, ninguém questiona quem é amarelo. Por que questionar a raça indígena? Num plano discutível com os indígenas, eles querem estudar, querem ser jornalistas, querem ser médicos, querem ser engenheiros, agrônomos. Os indígenas querem qualidade de vida. Muita gente ria quando alguns caciques diziam “Índio quer Hilux”. Quer Hilux, quer celular, quer morar numa casa boa, quer banho de chuveiro, quer eletricidade. O marco regulatório é o básico do básico.

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O sr. acha que é justo ou não ter esse limite de 1988 para fazer a demarcação?

Em 1988, nós temos a segurança de que todas as comunidades indígenas estavam devidamente cadastradas? A resposta é não. De vez em quando a gente descobre uma comunidade que nunca teve contato com as outras etnias. E essas pessoas não têm o direito à terra? Não são brasileiras? Se a gente quer terra para resolver os pequenos agricultores, não fazemos a reforma agrária? Precisa ter cuidado porque eu me lembro regularizando o meu Estado. Para regularizar a terra de uma comunidade quilombola, eu tinha de expulsar um bocado de gente. Por que não faz um acordo? Às vezes é pequeno contra pequeno, seringueiro contra uma comunidade indígena, castanheiro, plantador de açaí. Quando a gente visita a comunidade eles se entendem, eu acho que os de fora é que atrapalham. Defendo um entendimento.

Mas para fazer esse entendimento tem de vetar esse projeto.

Vamos ter de adequar o projeto como manda a lei. Tem determinado item que a redação ficou de um jeito que, ao invés de ajudar a resolver um conflito, faz aumentar o conflito. Faz o veto de um artigo e depois se faz uma redação complementando aquela lei.

Ainda de olho nas decisões do governo federal, está sendo costurado um acordo entre o presidente Lula e o Centrão para a entrega do comando da Caixa Econômica Federal, principal responsável pelo pagamento dos benefícios sociais, como o Bolsa Família. A eventual entrega da presidência da instituição, hoje com Rita Serrano, para um indicado do Centrão pode ter alguma consequência em relação ao Bolsa Família?

É fato que o presidente Lula foi eleito com minoria na Câmara e no Senado, defendo que se tenha um entendimento. Sobre a Caixa Econômica ou qualquer que seja a área, é preciso compreender que tem um presidente eleito. Eu vejo com muita animação que tem uma parte dos parlamentares na Câmara e no Senado que assumiu uma postura de: “Olha, eu fui eleito na oposição, mas estou disposto a me somar com esse projeto que o presidente Lula encabeça e quero participar.” O cargo às vezes parece uma doação, mas é também uma responsabilidade. O presidente não abre mão de seu projeto. Todos nós que estamos em alguma área do governo, independentemente de quem entrou primeiro, quem é do partido do presidente ou de outro partido, nós temos um comando. E tem um projeto que esse comandante quer fazer acontecer no Brasil. Quem vier tem de saber que não vem para o seu projeto, vem para o projeto de Luiz Inácio Lula da Silva.

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