O novo presidente do grupo Whirlpool no Brasil chega ao País com muitos desafios. Aos 47 anos, o mexicano Juan Carlos Puente é o primeiro executivo estrangeiro a dirigir a empresa. Criada em 1954 pelo boliviano naturalizado brasileiro Hugo Etchenique, como Brastemp, a companhia foi vendida no ano 2000 para a americana Whirlpool e, nos últimos 11 anos, foi comandada pelo paulistano João Carlos Brega.
Segundo maior mercado da Whirlpool, atrás apenas da matriz norte-americana, a filial brasileira enfrenta dias difíceis. Depois da explosão de vendas no início da pandemia, quando os consumidores deixaram de gastar com serviços e compraram mais produtos para casa, o mercado recuou. Hoje, a venda de eletrodomésticos como geladeiras, fogões e lavadoras está abaixo do nível registrado antes da pandemia.
Com 26 anos de empresa e pós-graduação em Harvard, Juan já comandava a divisão da Whirlpool do norte da América Latina, a partir de Monterrey, cidade localizada no noroeste do México, perto da fronteira com os EUA. A partir deste mês, ele virá pelo menos uma vez a cada 30 dias, para passar uma semana por aqui, de onde vai comandar a operação de toda a América Latina. Sua missão será transformar a empresa líder em todos os países do continente - e fazer a filial brasileira voltar a crescer.
“Desde quando vim para o País pela primeira vez, há 20 anos, fiquei fascinado com a dinâmica do mercado brasileiro, com coisas muito avançadas e outras menos, mas em geral um País bastante exemplar para a Whirlpool Corporation”, afirmou o executivo ao Estadão, em sua primeira entrevista depois de assumir o cargo em substituição a Brega. Com 28 anos de empresa e 60 de idade, Brega sai da operação da companhia para atuar na presidência do Conselho de Administração.
Puente chega em um momento difícil para o mercado de eletrodomésticos no Brasil. Com inflação alta, juros elevados e confiança do consumidor em baixa, as vendas da indústria de linha branca recuaram por sete trimestres seguidos. Como líder de mercado, com fábricas em Rio Claro (SP) - que produz fogões e lavadoras -, Joinville (SC) - refrigeradores -, e Manaus (AM) - aparelhos de ar condicionado e fornos de micro-ondas -, a Whirlpool também sentiu o impacto.
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Em 2022, a receita líquida de vendas da companhia, de R$ 10,8 bilhões, caiu 5,1% em relação ao ano anterior. Foi o primeiro recuo desde 2018, quando o grupo passou a operar só com eletrodomésticos, depois de se desfazer da Embraco, fabricante de compressores.
As vendas da indústria de linha branca no ano passado voltaram ao patamar de 2008, ligeiramente abaixo de 2015, ano de recessão. “A queda foi forte, porque adiantou-se (no Brasil) a compra (de eletrodomésticos) nos dois anos de pandemia, provavelmente mais do que em outros países”, afirma Puente.
Ao contrário dos fabricantes de automóveis, que nos últimos meses deram férias coletivas e colocaram trabalhadores em lay-off para adequar a produção ao ritmo mais fraco de vendas, o ajuste na Whirlpool foi por outro caminho. A empresa optou por não repor as vagas de quem pediu demissão. Brega ressalva que podem ter férias coletivas em linhas de produção específicas, mas não há, segundo ele, fábricas da companhia paradas. “Nada impactante como na indústria automobilística”, compara.
No final do ano passado, a companhia informou ao mercado que, para 2023, esperava estabilidade de vendas na América Latina ou uma pequena queda. Como o Brasil responde por quase a metade do mercado da região, essa projeção é válida para o desempenho da empresa no País. Puente admite que, no curto prazo, o mercado está complicado por causa do cenário econômico.
Governos de esquerda
Assim como acontecerá agora no Brasil, Puente presidiu a Whirlpool no México sob um governo de esquerda. Andrés Manuel López Obrador, conhecido como Amlo, preside o México desde 2018. Ao ser questionado sobre eventuais mudanças na economia, Puente evita entrar em polêmicas. “Somos uma companhia apartidária e temos de aprender a jogar em qualquer tipo de jogo, e os nossos investimentos são de longo prazo.”
Em gestões passadas do PT, o setor de linha branca teve um grande impulso por políticas de incentivo ao consumo. Houve a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para eletrodomésticos da linha branca, o que resultou em um grande crescimento de vendas dos produtos. Mas, diante do cenário atual de aperto nas contas públicas, é improvável que essa fórmula seja novamente usada.
Bernardo Gallina, vice-presidente jurídico da companhia para América Latina, conta que já existem iniciativas de tentar incluir eletrodomésticos no programa Minha Casa, Minha Vida. No entanto, o executivo diz que o movimento é incipiente, até porque o programa ainda não foi totalmente restabelecido. Na opinião de Brega, a mudança no mercado e o aumento da demanda e da produção têm de ocorrer de forma sólida, baseada na queda dos juros, no aumento do emprego e na confiança do consumidor.
Puente diz que o mercado de linha branca pode se recuperar até 2024. Mas ele acredita que, no médio prazo, a partir de 2024, os fundamentos da demanda estarão sólidos para que a produção da indústria volte a crescer até em níveis maiores do que antes da pandemia. Mas ressalta que esse avanço deverá ser gradual.
Investimento em inovação
O executivo mexicano destaca que a companhia vem mantendo os investimentos de 3% a 4% do faturamento em inovação de produtos. Neste ano, por exemplo, serão 45 lançamentos, ante 40 no ano passado. Esse é um dos pilares que, somados a ganhos de eficiência e capilaridade da marca, integram a estratégia da empresa para enfrentar o avanço das concorrentes asiáticas.
Quanto à possibilidade de o Brasil vir a se tornar um polo industrial exportador relevante, o novo presidente para América Latina diz que a base de fornecedores locais de algumas indústrias é muito concentrada, o que, na opinião dele, tira a competitividade em relação a outros países. Isso, sem contar o encarecimento da produção em razão da carga tributária. ”Temos de trabalhar na cadeia de valor completa para que o Brasil seja competitivo”, diz Puente.
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