Rio - A partir do ano que vem, o Brasil poderá começar a disputar o mercado global de hidrogênio verde e a White Martins se prepara para esse momento, informa o presidente da empresa para América do Sul, Gilney Bastos. Em entrevista ao Broadcast, o executivo diz que o País tem tudo para ser um dos principais protagonistas dessa corrida e pode sair na frente de países vizinhos devido à produção em larga escala de energia renovável.
A White Martins está há 110 anos no mercado brasileiro de gases industriais e inaugurou recentemente duas plantas para atender a indústria de papel e celulose. Além disso, conta Bastos, ampliou a atuação no agora valorizado Gás Natural Liquefeito (GNL) ao comprar no fim do ano passado a fatia da Petrobras na Gás Local.
“Se o hidrogênio verde se consolidar com 30% do mercado global de energia, isso vai ser uma coisa brutal. Isso é sonho? Não sei. Mas foi assim com a energia eólica e a solar. Hoje, essas fontes são as segunda e terceira maiores fontes de geração de energia no Brasil e há 10 anos não eram nada”, avalia Bastos.
A expectativa do executivo é de que já no próximo ano, passado o inverno do hemisfério norte, a demanda de países da Europa por hidrogênio verde comece a gerar negócios. Ele explica que a guerra entre Rússia e Ucrânia “deu uma atrasadinha” no desenvolvimento do combustível, mas assegura que o processo está em andamento e, assim que o velho continente atravessar o inverno - quando terá que voltar a usar energia nuclear e de térmicas a carvão por conta da suspensão do envio de gás natural pela Rússia -, o interesse pelo hidrogênio verde deve deslanchar.
“Temos que ter comprador e vemos um movimento muito grande na Alemanha tentando ser protagonista [da demanda de hidrogênio verde] na Europa. Mas a guerra teve um papel duro porque está todo mundo preocupado com o inverno agora, não vai dar tempo de construir uma planta de hidrogênio, isso leva dois, três anos”, explica.
Memorandos assinados
Para estar pronta quando o mercado se abrir, a White Martins assinou três memorandos de entendimentos no Brasil e poderá assinar outros, segundo Bastos. “Não temos limitação”, diz. O caixa da companhia está forte após a troca de controle da Praxair pela Linde, maior empresa de gás industrial do mundo, após uma fusão concluída em 2019. Os acordos no Brasil foram assinados pela White Martins com os governos do Ceará, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, assim como com o Porto de Pecém (CE) e o Porto do Açu (RJ).
“Todos os memorandos tem seu diferencial de competitividade, mas todos eles estão andando bem. Hidrogênio é um mercado muito aquecido, muito agitado, e o Brasil tem uma possibilidade muito grande de ser protagonista nisso. Não temos limitador, temos muito a oferecer”, diz.
Consórcios
Ele afirma que, para disputar o mercado global, é preciso montar consórcios, uma vez que é necessário um fornecedor de energia limpa, outro de eletrolisador, outro de nitrogênio se for gerar amônia e alguém para consolidar todas as pontas.
“Esses memorandos são para juntar essas partes e buscar competitividade para disputar a demanda”, informa. Ele prevê que o mercado de hidrogênio deve se consolidar nos próximos 10 anos e pode se tornar o principal negócio da empresa devido à escala que pode alcançar no mundo. O Brasil ainda tem a vantagem de ter um grande mercado consumidor interno.
GNL
Mas os olhos da White Martins também estão voltados para o desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil, após a aprovação de um novo marco legal no ano passado. No fim de 2021, a empresa comprou a fatia da Petrobras na distribuidora de Gás Natural Liquefeito (GNL) Gás Local, após uma parceria bem sucedida de 15 anos com a estatal. Segundo Bastos, as perspectivas são de expansão da companhia que leva gás natural onde não existem gasodutos.
“Estamos entendendo esse novo mercado para saber se é viável uma expansão, não tenho plano concreto ainda, mas temos uma intenção. Estamos vendo esse mercado evoluindo positivamente e talvez seja o momento de pensar na expansão de capacidade. Diria que temos a intenção forte e vamos anunciar alguma coisa neste ano ou no ano que vem”, prevê.
Apesar do valor do GNL ter disparado pela pressão da demanda, Bastos afirma que o preço da empresa consegue ser competitivo no mercado interno porque atende contratos já em vigor. “Qualquer empresa que esteja precisando de excedente porque está comprando no mercado spot (à vista) está pagando mais caro. O preço do GNL aumentou mais de dez vezes, tem gente já pagando US$ 40 por milhão de BTUs, quando nos Estados Unidos até pouco tempo custava US$ 3, US$ 3,5 dólares. No Brasil custava US$ 8, US$ 9 e chegava no porto a US$ 10″, completa.
Papel e celulose
Outra rota tomada pela empresa é impulsionada pela indústria de papel e celulose, um setor em franco crescimento puxado pela indústria de entregas em domicílio (delivery) e pela maior urbanização da China. Em menos de um ano, a White Martins já inaugurou duas plantas de gases para atender a expansão do setor.
Em 2021, a empresa entregou uma nova planta com capacidade total de produção de 240 toneladas de oxigênio por dia para uma indústria em Lençóis Paulista, no interior de São Paulo, para fornecer à Bracell. Em março deste ano, inaugurou no Triângulo Mineiro uma nova planta de separação de ar dedicada à produção e ao fornecimento de gases industriais para atender a LD Celulose. Em 2021, a produção de oxigênio destinado ao segmento de papel e celulose cresceu 14% em relação a 2020. Além de oxigênio, são produzidos e comercializados para este setor argônio, acetileno, nitrogênio e CO2. Para 2022, a companhia projeta aumento de 12% na produção de gases voltados às indústrias deste segmento.
Centro-Oeste e agronegócio
A empresa começou em junho a construir uma nova planta no Mato Grosso do Sul com capacidade de produção de 260 toneladas de oxigênio por dia, ampliando o fornecimento para o Centro-Oeste com a maior planta da companhia na região. A nova fábrica vai atender a Suzano, mas o excedente da produção será aproveitado por outras indústrias da região.
“A planta de oxigênio que estamos colocando lá é muito grande, é um projeto de R$ 150 milhões e vai servir não apenas para abastecer a indústria específica (Suzano), mas todo excedente de oxigênio vai para hospitais, o nitrogênio e o argônio para indústrias que se estabelecem ali pelo próprio agronegócio, como empresas de silos. Não será voltada apenas para o papel”, informa Bastos.
Segundo o executivo, o agronegócio está ajudando a industrializar a região Centro-Oeste em direção ao Norte do País, já que atraem outras empresas pela distância do frete que também usam os gases da companhia. Levados à forma líquida por temperaturas negativas que chegam a 190 graus e uma alta pressão, os gases produzidos pela White Martins nessa planta serão comercializados também com hospitais, construção civil, construção de silos, com o próprio agronegócio, entre outros.
“As pessoas às vezes não entendem porque o agronegócio traz industrialização. Traz porque necessariamente pela distância, pelo frete, as empresas que atendem o agronegócio vão se instalando lá. São empresas de silos, de trator, de colheitadeira, de manutenção de peças. Então vemos uma industrialização nesse rumo, do Sul para o Oeste de São Paulo e Centro- Oeste, chegando à Rondônia”, informa Bastos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.