Os mesmos vícios que acometem a política econômica – o excessivo e descuidado intervencionismo estatal – ocorrem também nas políticas urbanas. Não há uma tradição de avaliar o impacto das políticas sobre a vida na cidade, e não há muito apreço por estudos de casos de sucesso e da experiência internacional.
O desenho das políticas urbanas, ainda que bem intencionado, muitas vezes acaba prejudicando o funcionamento das cidades e o bem-estar dos seus cidadãos.
Os principais problemas de São Paulo decorrem de seu crescimento desordenado, causando sérios problemas ambientais, de infraestrutura urbana e oferta de serviços públicos. É comum se atribuir esse quadro à falta de planejamento. Pelo contrário, é o excesso de regras e leis que acaba limitando o adensamento urbano e gerando o crescimento desordenado.
O adensamento traz muitas vantagens: maior interação das pessoas gerando sinergias e ganhos de produtividade, economias de escala, empregos, redução de muitos custos de infraestrutura e logística, redução de deslocamentos, maior acesso a serviços públicos e urbanos e preservação do meio ambiente.
Pode haver complicações decorrentes do adensamento, como os elevados custos de uma infraestrutura esgotada (construir metrô se torna mais caro em áreas já muito adensadas) e a degradação da área urbana (áreas de calor, sombra dos prédios e impermeabilização do solo).
Convém buscar alternativas para evitar ou lidar com essas possíveis consequências. Há boas experiências com corredores de ônibus, calçadas amplas e arborizadas, canteiros centrais e pedágio urbano, como em Londres, Milão e Cingapura.
O índice de adensamento na cidade de São Paulo é muito baixo. São menos de 7,5 mil habitantes por km², contra 13,7 mil em Buenos Aires e 21,5 mil em Paris. Parte do problema decorre da baixa verticalização. Em São Paulo, a maioria das pessoas vive em casas. Apenas 37% das moradias são prédios, que abrigam 26% da população.
Esse quadro foi desenhado por décadas de decisões de políticas urbanas que geraram rigidez das regras de construção, reforma e zoneamento. O resultado foi a degradação do centro e dispersão da área urbana. O centro financeiro, por exemplo, tornou-se itinerante: do centro da cidade para a Avenida Paulista, depois para a Faria Lima, Funchal e Berrini. Já a City de Londres, centro financeiro do Reino Unido, lá sobrevive há séculos.
Segundo a Prefeitura, a cidade de São Paulo tem mais de 2 milhões de metros quadrados de imóveis – ou subutilizados ou não edificados; uma área equivalente a dois Heliópolis, onde vivem mais de 200 mil pessoas em áreas irregulares. Melhor entender por que as regras desestimulam o uso do que punir os proprietários.
Não é qualquer verticalização que faz uma cidade funcionar bem. A verticalização do passado, como no centro e na Avenida Paulista, foi mais saudável do que a de hoje, que produz shopping centers e condomínios isolados, com moradores “motorizados” que pouco andam nas ruas e pouco interagem com outras pessoas. As regras atuais engessam as construções por conta de tantas exigências – como garagens e recuos –, proibições de um zoneamento rígido e desigual e limita imóveis de uso misto.
Conciliar moradia, trabalho e lazer em uma mesma região, ajuda a reduzir deslocamentos e evita áreas inutilizadas fora do horário comercial, que por sua vez tendem a ser mais violentas. A legislação acabou gerando áreas subutilizadas, menor adensamento e uma cidade com polos isolados.
Precisamos de uma legislação menos complexa, mais clara e previsível, que favoreça a recuperação de construções degradadas. E também mais flexível, que permita maior liberdade nas construções e dê conta das demandas mutantes dos cidadãos e do setor produtivo.
A regulação adequada incentiva o bom funcionamento do mercado. Cabe ao poder público fazer intervenções de forma cuidadosa e não impor um desenho de cidade supostamente ideal. Como sabê-lo?
*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS
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