2% das propostas para mestrado são a distância

No primeiro edital que permite a oferta de pós-graduação stricto sensu EAD, a Capes recebeu 17 propostas dessa modalidade entre 652 cursos de mestrado e doutorado solicitados por instituições de ensino do País

PUBLICIDADE

Por Ocimara Balmant e Alex Gomes

No primeiro edital que permite a oferta de cursos de mestrado a distância, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) recebeu 17 propostas de pós-graduação stricto sensu EAD. O número corresponde a 2% do total de 652 propostas de programas de mestrado e doutorado enviados por instituições de ensino do País.

Para Nelson Boni, da Abed, tecnologia enriqueceu experiência em EAD Foto: ABED

PUBLICIDADE

O prazo para envio das propostas terminou em 9 de agosto e segue a portaria nº 90, publicada em abril de 2019. O texto regulamenta os programas de pós-graduação stricto sensu a distância e permite a submissão de propostas nessa modalidade. Nesta primeira etapa, só programas de mestrado poderiam ser inscritos. 

“O número revela a cautela das instituições ao propor cursos de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância e sinaliza a preocupação em garantir da qualidade dos cursos oferecidos”, afirma Sônia Báo, diretora de avaliação da Capes. “Das 17 propostas, a maioria é oriunda de instituições já consolidadas no Sistema Nacional de Pós-Graduação.” Entre as propostas submetidas à Capes, duas se enquadram em Ciências da Vida, nove em Humanidades, uma em Exatas e cinco são multidisciplinares. Parte delas foi encaminhada por grandes grupos, como YDUQS (antiga Estácio), Ser Educacional e Cruzeiro do Sul Educacional. 

O Ser Educacional protocolou solicitação para abertura de um curso de mestrado a distância em Administração para a Universidade da Amazônia (Unama). Para o próximo ano, pretende submeter propostas para cursos da Uninassau, do Recife, e da Universidade de Guarulhos - UNG/Univeritas.

“Isso na Região Norte, em especial devido à carência de programas no interior, é um grande avanço pois permitirá que, se aprovado pela Capes, o mestrado tenha um alcance maior, possibilitando que pessoas de cidades mais distantes possam realizá-lo”, afirma Francislene Hasmann, diretora adjunta de regulação do grupo Ser Educacional.

Francislene, da Ser Educacional, diz que mestrado poderá ir a cidades mais distantes Foto: Ser Educacional

Já o Grupo Cruzeiro do Sul apresentou uma proposta de mestrado em Estudos da Linguagem, por considerar a “demanda pela formação de quadros de qualidade para atuar no ensino básico” e sua experiência na modalidade EAD em Cursos de Graduação e de Pós-graduação Lato Sensu, incluindo programas na área de Letras. “O que será necessário, e sem dúvida será feito, é o desenvolvimento de novas abordagens mais adequadas a programas stricto sensu”, afirma Tania Cristina Pithon-Curi, pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa.

Requisitos

Publicidade

De forma geral, a Capes pretende garantir a qualidade dos cursos stricto sensu a distância com alguns critérios que já valem para os cursos presenciais. Para os docentes, por exemplo, a exigência de produção intelectual continuará a mesma e o número de alunos por orientador será limitado. Atividades relacionadas a laboratórios e seminários integrativos, por exemplo, devem ser realizadas de forma presencial, o que pode ocorrer tanto na sede da instituição quanto em polos de ensino a distância pelo País. Além disso, podem oferecer pós stricto sensu EAD só instituições cuja nota no Índice Geral de Cursos (IGC) seja no mínimo 4 - o IGC vai de 0 a 5.

Apesar disso, os desafios já existentes em EAD não devem ser ignorados, ressalta o coordenador da área de Educação da Capes, Robert Verhine. “Não estamos entrando em área nova, sabemos que a graduação EAD tem muitos problemas. Andamos com muito cuidado para garantir que os cursos de pós sejam de qualidade e não para massificar. Queremos ir a lugares nos quais os presenciais não conseguem chegar.” 

Embates

A autorização para cursos de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância suscita discussões parecidas às que surgiram no início da oferta de cursos de graduação EAD, no início dos anos 2000. Hoje, duas décadas depois, algumas críticas parecem ter sido dirimidas, mas outras seguem em pauta.

O fato de o estudante não conseguir organizar o tempo para o aprendizado, por exemplo, é tópico descartado. É possível, sim, ter disciplina e cumprir o cronograma de estudos. As limitações tecnológicas que poderiam impedir o aprendizado também não entram em discussão.

O avanço de ferramentas como inteligência artificial e gamificação se mostram eficazes para potencializar o aprendizado. “As novas técnicas de ensino e aprendizagem e as novas tecnologias na área de educação a distância tornaram o EAD uma modalidade mais rica em termos de experiência", afirma Nelson Boni, conselheiro da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). 

Dúvidas

Publicidade

Por outro lado, algumas críticas persistem, como o fato de o ensino a distância tirar do aluno uma vivência presencial importante, a discussão sobre a formação dos professores ou tutores e as ressalvas quanto a áreas que não devam entrar na modalidade. São esses os pontos que reaparecem agora no debate sobre o stricto sensu a distância.

“Se há algo fundamental, principalmente na pós-graduação, que visa a produção de conhecimento, é a vivência no ambiente físico da instituição, a humanização do processo de ensino e aprendizagem”, afirma Antônio Gonçalves, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). “Entendemos que a educação a distância deveria ser mais uma ferramenta, não ocupar o espaço do ensino presencial.”

Gonçalves também critica a determinação do IGC - formado pela média ponderada de notas de graduação e pós-graduação da instituição - como pré-requisito principal para os cursos que podem enviar propostas. “O índice não é garantidor de uma real qualidade dos cursos. Não se consideram diversos aspectos, como a relevância e o impacto social do programa.”

Com relação à formação do corpo docente, o artigo 20 da portaria tem gerado diferentes interpretações. O texto diz que a relação de professores, além dos docentes permanentes, “poderá incluir outras categorias, conforme legislação em vigor”. Gonçalves, da Andes, considera uma possibilidade de precarizar o trabalho dos professores: “É possível interpretar o artigo como permissão para contratar um docente horista em qualquer instituição. Isso é bem negativo”. 

O coordenador da área de Educação da Capes, Robert Verhine, afirma que há uma abertura para ideias novas surgirem, sem excluir nenhuma possibilidade. “As categorias permitidas são docentes permanentes, colaboradores e visitantes. Porém, acreditamos que pode ocorrer no futuro uma mudança de tipos de categoria e, por isso, deixamos o ponto em aberto. Por exemplo, poderia se pensar na inclusão de tutores, como existem na graduação.” 

Para entender

O processo que culminou na portaria 90 da Capes, de abril deste ano, começou em 2017. Em maio daquele ano, o Decreto nº 9.057 regulamentou o artigo 80 da Lei nº 9.394, de 1996 (Lei de Diretrizes e Base da Educação), referente ao ensino a distância, e preconizou em seu artigo 18 que a oferta de programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância ficaria condicionada à recomendação da Capes, observadas as diretrizes e os pareceres do Conselho Nacional de Educação.

Publicidade

Em dezembro de 2017, A Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) publicou a Resolução nº 7, estabelecendo normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu. Em seu artigo 3º, estabeleceu que as instituições credenciadas para a oferta de cursos a distância poderiam propor programas de mestrado e doutorado na modalidade e definiu que caberia à Capes a definição dos procedimentos avaliativos.

Já em 2018, a Capes instituiu um Grupo de Trabalho com o objetivo de fornecer subsídios para a regulamentação da Educação a Distância (EaD) nos programas de Pós-Graduação Stricto Sensu. Dessa atividade resultou a produção da Portaria nº 90, de 24 de abril de 2019, que regulamenta os programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância, abrindo, assim, a possibilidade de submissão de propostas de cursos novos nessa modalidade exclusivamente para o mestrado. Somente após o primeiro ciclo avaliativo da implementação e avaliação dos programas de mestrado a distância, com renovação do reconhecimento e no mínimo nota 4, é que a instituição poderá solicitar a criação do doutorado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.