200 anos de desigualdade na educação

Deveríamos estar debatendo não o absurdo das falas de Jair Bolsonaro, mas os séculos de desigualdade educacional

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colunista convidado
Foto do author Renata Cafardo
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Ninguém queria ouvir na comemoração dos 200 anos da Independência que o presidente se acha “imbrochável”. Foi inapropriado, deselegante, machista. Deveríamos estar debatendo não o absurdo das falas de Jair Bolsonaro, mas os séculos de desigualdade educacional – que vem da formação do País, persiste e foi aprofundada nos últimos anos.

Bolsonaro durante desfile cívico-militar em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil Foto: Wilton Júnior/Estadão

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Para entender essa história, precisamos primeiro nos desvencilhar do falso mito da “boa escola pública do passado”. No livro O ponto a que chegamos (FGV Editora), o jornalista especializado em educação Antônio Gois mostra evidências do nosso atraso e seu impacto até hoje: “o sistema educacional do passado era, na verdade, uma máquina de exclusão em massa, que abusava do expediente da repetência sem que isso resultasse em melhor qualidade”.

A obra lembra que, em 1822, ano da Independência, d. Pedro I disse que “cidadãos de todas as classes” teriam um “código de instrução pública nacional”, o que hoje se sabe que, assim como a libertação de Portugal, não era verdade. Negros, mesmo que libertos, não podiam frequentar a escola. Havia leis específicas com a proibição.

A exclusão também está no podcast Projeto Querino, que conta uma história pouco contada do Brasil. O nome é em homenagem a Manoel Querino, um negro nascido em 1851 na Bahia, que só pôde estudar porque ficou órfão e foi entregue a um tutor que o educou. Foi o primeiro intelectual a reconhecer as contribuições africanas à história brasileira.

No fim do século 19, apenas 10% das crianças de 5 a 14 anos estavam na escola no Brasil. Os Estados Unidos já tinham 94%; a Argentina, 32%. Em 1930, o índice brasileiro subiu para 22%. E até os anos 1970 o chamado exame de admissão, aos 10 anos de idade, decidia o futuro da criança. Só quem passava seguia para o antigo ginásio. O restante, que chegava a 70%, abandonava a escola ou tentava aprender um ofício.

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Até hoje muita gente acredita que repetência é uma solução. Mas, quando uma criança não aprende, quem fracassa é a escola. Países com educação modelo têm baixas taxas de reprovação. Estados como Ceará e Pernambuco mostraram que é possível reprovar menos e ensinar mais. A repetência é punitiva, não faz aprender e leva ao abandono da escola.

O livro de Gois lembra um manifesto de 1932 de intelectuais paulistas, como Julio de Mesquita Filho, filho de Julio Mesquita, um dos fundadores do jornal A Província de S. Paulo, que mais tarde se tornou o Estadão. Dizia: “na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade a educação, nem mesmo os de caráter econômico podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional”. Nada mais atual.

Correções

Diferentemente do publicado na versão original deste texto, Julio de Mesquita Filho não foi fundador do Estadão, mas filho de Julio Mesquita, um dos fundadores do jornal A Província de S. Paulo, que mais tarde se tornou o jornal O Estado de S. Paulo.

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