Além do impacto na saúde, a alimentação escassa ou de baixa qualidade interfere na aprendizagem das crianças, afirma Marcia Machado, professora associada do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Em todo o País, vêm crescendo os relatos de racionamento e cortes de merenda escolar, devido à falta de reajuste, desde 2017, da verba federal destinada a esse fim e à inflação dos alimentos.
“Crianças que não se alimentam são mais apáticas, não têm força para raciocinar. Uma criança saudável brinca, corre, pula, mas, se ela tem fome, não vai fazer nada disso”, afirma Marcia, que também é membro assessor do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI). “A merenda muitas vezes é a única alimentação que as crianças têm durante o dia.”
Leia a entrevista:
Com a crise, o papel da merenda na nutrição das crianças ficou ainda mais relevante?
Com certeza. A merenda muitas vezes é a única alimentação que as crianças têm durante o dia. Pelo desemprego, uso errado dos alimentos com troca dos ofertados pela natureza por ultraprocessado, a merenda escolar é um acréscimo para favorecer uma vida melhor das crianças que muitas vezes só têm esse tipo de alimentação. A falta de oferta desse alimento só vai agravar os níveis de insegurança alimentar que já estamos vendo e acelerar ainda mais o processo da fome nas crianças brasileiras. Pode ser catastrófico.
Como uma alimentação escolar reduzida ou pobre de nutrientes pode causar impacto no desenvolvimento infantil?
A falta de vários nutrientes pode afetar até a fisiologia do corpo, Uma alimentação com falta de vitamina A pode repercutir na acuidade visual das crianças, são crianças que não vão conseguir enxergar direito. A falta de proteínas, de elementos energéticos, faz com que ela se torne mais sonolenta. A fome causa irritabilidade nas crianças e repercute também na questão motora e cognitiva. Os primeiros três anos de vida são o momento em que o cérebro mais precisa de nutrientes para fazer boas conexões.
A baixa qualidade da merenda pode ter impacto negativo inclusive no desempenho escolar? De que forma?
Crianças que não se alimentam são mais apáticas, não têm força para raciocinar. São crianças que têm um comportamento defensivo de ficar silenciadas, acanhadas porque não têm energia. A criança gasta energia e precisa de boa energia que vem a partir dos alimentos. Uma criança saudável brinca, corre, pula, mas, se ela tem fome, não vai fazer nada disso. Na questão da linguagem, o número de palavras que ela acumula é muito menor para a faixa de idade: isso repercute no raciocínio, no desenvolvimento de habilidades. Pode repercutir na reprovação de crianças, porque elas não acompanham todo o conteúdo, e na autoestima. Ela acha que não é capaz de fazer nada, tem desinteresse de ir para a escola.
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