Alunos e instituições de ensino receberam bem a notícia do adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), anteriormente marcado para os dias 1.º e 8 de novembro. Mas com ressalvas. Isso porque o Ministério da Educação decidiu postergar a prova de um a dois meses, período considerado “abstrato” por não definir uma data exata.
“Com qual critério você diz que tem que adiar por 30 ou 60 dias? É um número sem nenhuma base real”, disse o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão. “Queremos estabelecer alguns critérios, como atrelar o adiamento ao tempo que vai ter de prorrogação do ano letivo, pois ainda não sabemos quanto tempo as aulas vão ficar suspensas.”
A desigualdade entre estudantes ricos e pobres foi um dos principais motivos que levaram entidades ligadas à educação e o Ministério Público Federal (MPF) a pressionar o governo pelo adiamento, já que os alunos com melhores condições teriam como prosseguir com seus estudos durante o isolamento social, enquanto os alunos com menos estrutura nem sempre contam com ambiente e ferramentas adequados para estudar fora da escola.
Para a coordenadora pedagógica da UniFavela, Fernanda Azevedo, a pandemia do coronavírus se somou a outras dificuldades estruturais. “O tempo de preparação para o vestibular é bem corrido por si só, porque tem a defasagem de conteúdo que alguns alunos precisam correr atrás em ano de provas. Antes, eles utilizavam para estudar o espaço do Instituto Vida Real, que fica descendo o Complexo da Maré”, explicou. “Agora, temos alunos que estão afastados de qualquer espaço alternativo às suas casas, que às vezes têm bastante gente. Eles relatam também a falta de acesso à boa internet.”
A estudante Heloisa dos Santos Pessoa Mendes, 17 anos, está no terceiro do Ensino Médio na ETEC Takashi Morita, na zona sul de São Paulo, e quer prestar Engenharia Florestal na Universidade de São Paulo (USP). Ela contou que, mesmo com o “privilégio” de ter acesso à internet é difícil absorver o conteúdo da aula online. “Em casa, é difícil manter uma rotina regrada e, às vezes, até falta motivação. Em uma pandemia, a gente tem de se preocupar com o coronavírus, além dos próprios estudos. Estou meio desiludida em passar em alguma faculdade neste ano, mas ano que vem espero que tudo esteja normal. Eu sinto que este foi um ano perdido.”
Mesmo quem tem estrutura reclama de dificuldades de adaptação na rotina de estudos. Se no ano passado a estudante Maria Júlia Akemi Umeki, de 19 anos, conseguia ficar até as 22 horas no cursinho, um ambiente de “calmaria”, como ela mesma diz, neste ano, ela precisou procurar um quarto inutilizado em casa para transformar em seu ambiente de estudo. “Montei uma mesa e me isolei da minha família para conseguir me concentrar melhor. Mas sei que é um privilégio ter esse momento de solitude.”
A estudante, que está no segundo ano de cursinho para tentar uma vaga em Medicina na USP, aprovou o adiamento por ter um tempo a mais para estudar, ainda mais neste ano em que viu seu desempenho diminuir por conta da dificuldade de “ficar vidrada” o dia inteiro em uma tela de computador e depois ainda ter que estudar por conta própria a matéria.
Para ingressar no curso que deseja, Maria Júlia precisa prestar outra prova, a Fuvest, que ainda não sinalizou se vai adiar as datas. “(As universidades) Não se posicionarem deixam a gente ainda mais nervoso.”
A ansiedade por conta da indefinição do Enem era um tema recorrente entre os alunos do Anglo, segundo a gestora do serviço de atendimento psicológico da instituição, Barbara Nanci Souza. Mas agora o adiamento trouxe um “respiro” e tende a diminuir a ansiedade dos alunos.
Cursinhos particulares
As instituições de ensino que preparam os alunos para o vestibular disseram que não tiveram o cronograma de estudos afetados pelo isolamento social porque conseguiram adaptar as aulas e transportá-las para o ambiente virtual. Mas, agora com o adiamento do Enem, eles estão avaliando o que fazer com a sobrevida que adquiriram.
Rafael Cunha, professor de redação e vice-presidente de Educação do Descomplica, que é uma plataforma online de ensino, pensa que existem três estratégias pedagógicas que podem funcionar bem diante deste cenário: aplicar mais exercícios, dar atenção a pontos frequentes no Enem ou passar temas que não caem muito, mas que podem dar um diferencial ao aluno durante a competição.
Edmilson Motta, coordenador-geral do Grupo Etapa, pensa que até o período em que o Enem for aplicado, já será possível ter as aulas presenciais sem o risco de contaminação. Para ele, será uma oportunidade de revisar o conteúdo nas aulas presenciais, “que costumam ser mais positivas para os alunos”.
Já o diretor do Anglo Vestibular, Daniel Perry, contou que a escola está preparada para continuar as aulas virtuais até o fim do primeiro semestre. Caso seja possível voltar às atividades presenciais neste ano, a instituição está se preparando para oferecer um ambiente seguro aos alunos. “Se necessário, um rodízio entre os alunos. Um grupo terá as aulas presenciais, e o outro terá o mesmo conteúdo, só que no ambiente digital. Na semana seguinte, inverte as turmas.”
Inscrição continua até 22 de maio
Apesar de o Enem ter sido adiado, as inscrições para a prova vão até esta sexta-feira, 22. Por isso, o deputado Ivan Valente (Psol) entrou com um pedido na Justiça Federal para a suspensão do prazo até o fim do período de calamidade pública, válido até 31 de dezembro, ou até o fim do período de isolamento social em todo o País.
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