Eis alguns números desoladores: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 15% da cobertura vegetal original do Pantanal e da Amazônia já foram destruídos pelo homem. Caatinga e Cerrado, por sua vez, já perderam cerca de 50% de suas paisagens nativas. E da Mata Atlântica, hoje, só restam pouco mais de 10% não desmatados.
Seja pela distância, seja pela triste realidade ambiental do País, estudar os biomas brasileiros em suas condições originais, em uma escola de São Paulo, às vezes parece quase um exercício de abstração. Contudo, nas aulas de Ciências do 6º ano do Ensino Fundamental do Sabin, a professora Gizele Gasparri fez uso de um recurso para tornar mais concreto o contato dos alunos com o tema. São dioramas, maquetes elaboradas dos diferentes biomas do Brasil, com direito a iluminação especial e sons de animais nativos, acionados interativamente pelos usuários. Com um detalhe: eles estão sendo fabricados pelos alunos, com suas próprias mãos, utilizando ensinamentos de artesanato, eletrônica e biologia.
A atividade é parte de um projeto mais amplo que a equipe de Ciências do Fundamental II implementou neste ano, inspirado no Movimento Maker - um conjunto de ideias que incentiva as pessoas a criar, construir, consertar ou aprimorar objetos e utensílios por conta própria, por meio de tecnologias acessíveis ao leigo. No campo da Educação, especialmente, essa cultura do "faça você mesmo" tem revelado excelentes oportunidades, servindo como estratégia para aproximar teoria e prática, fomentar aprendizados instigantes e significativos e promover habilidades socioemocionais, como criatividade, resiliência e espírito colaborativo.
Coordenado pelos professores Leandro Holanda e Paulo Fontes, assessores de Ciências e de Tecnologia Educacional, respectivamente, o projeto está sendo posto em prática nas turmas de 6º e 8º anos por Gizele, e na turma do 7º ano pelo professor Rafael Paiva. A equipe conta ainda com a ajuda de profissionais da empresa Nave à Vela, especializada em implementar espaços e dinâmicas maker em escolas (anteriormente chamada de Caos Focado, a empresa já contribuiu com o Sabin na formulação do currículo do curso de Robótica do programa Sabin+Esportes&Cultura).
A definição dos temas de cada série foi o primeiro passo: o 6º ano ficou com os biomas brasileiros, o 7º ano vai desenvolver dispositivos para a produção de alimentos fermentados e o 8º ano vai desenvolver soluções para controle de mosquitos vetores de doenças, como o Aedes aegypti. "O processo vai tomar em torno de dois a três meses, em cada série", diz Leandro. "São algumas aulas teóricas sobre os temas, com pesquisas e discussões para os alunos entenderem a natureza dos problemas estudados; algumas oficinas de habilidades técnicas, como artesanato, eletrônica, programação, marcenaria e até costura; e o restante das aulas para a prototipação e fabricação dos produtos finais de cada turma". Em todos os casos, o projeto ultrapassa o modelo expositivo de aulas para engajar o aluno no processo de construção do conhecimento - literalmente.
Segundo o assessor de Ciências, a interdisciplinaridade é uma das primeiras vantagens pedagógicas de uma cultura maker na escola. "Essa cultura enfatiza os campos do conhecimento chamados de STEM, que são Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (Science, Technology, Engineering, Math, em inglês)", explica Leandro. "Para construir algo com madeira, por exemplo, o aluno precisa fazer cálculos relacionados à Geometria, como área e volume, antes de cortar as faces de cada peça; para construir um sensor que borrifa inseticida em intervalos de tempo, ele precisa saber de eletrônica e programação. E a tudo isso ele precisa aplicar o conhecimento científico que está vendo na aula". A integração de saberes em busca de um objetivo, diz ele, dá ao aprendizado maior sentido.
Leandro nota, ainda, que já há quem considere mais apropriado falar em STEAM, incluindo no grupo de saberes um "A", que representaria Arte e Design - o lado criativo e estético do processo.
Na confecção dos biomas do 6º ano, os alunos da professora Gizele utilizaram arame, biscuit, tinta acrílica e flocos de espuma para fazer troncos e copas das diferentes espécies de árvore em miniatura. Os sons da fauna são acrescentados por meio da ferramenta Makey Makey - um kit formado por uma placa de circuito, garras jacaré e um cabo USB, que, conectado a objetos condutores de eletricidade, transforma-os em sensores que acionam comandos ao toque, como um botão de mouse. (Já o 7º e o 8º anos trabalharão com a placa Arduino, um pouco mais complexa que a Makey Makey).
São materiais e ferramentas simples, como se vê, mas as tarefas não deixam de ter seus desafios. Primeiro, o desafio da criação propriamente dita - o que fazer, por exemplo, para solucionar o problema dos mosquitos? Fabricar uma armadilha elétrica? Costurar telas de filó? Produzir um líquido à base de citronela? A resposta cabe aos próprios alunos.
Depois, há o processo de desenvolvimento da ideia, que envolve tentativa e erro. E, pela filosofia maker, o erro não desmotiva. Pelo contrário, como revela o relato de Gizele: "Eu via alunos com dificuldade para manusear o arame, para aplicar o biscuit, passavam uma aula inteira tentando, tentando. Mas me diziam: 'Eu vou fazer'. Aos poucos viam um tronco tomando forma, algo que eles tinham construído do zero. Eles ficavam superempolgados, e aí o aprendizado ganhava concretude. 'Essa árvore tem uns galhos tortuosos, deve ser do Cerrado, né? Essa outra comprida é da Amazônia'". No fazer dos alunos, era como se biomas ameaçados e saber ganhassem vida.
Mas, para além do conteúdo escolar em si, a professora aponta outro aspecto que considera essencial da cultura maker: "Somos uma geração consumista, acostumada a comprar tudo pronto. Isso embota a criatividade e nos limita. Nesse sentido, essa cultura traz independência e amplia nossas possibilidades. Preciso de alguma coisa, vou lá e faço".
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.