Ameaças de massacre em escolas, nos últimos meses, têm assustado educadores e pais. São mensagens rabiscadas nas paredes de colégios brasileiros ou publicadas em redes sociais. Nenhuma delas se materializou, mas especialistas avaliam que devem ser lidas como sinal de atenção. Além do reforço de segurança, aconselham aprimorar canais de expressão da escola, para acolher alunos.
As causas de um ato violento são complexas e variadas. Para especialistas, a onda de ameaças de atentados pode estar associada a problemas de saúde mental e ao distanciamento prolongado das salas de aula na pandemia, dentre outros fatores.
Com a volta das aulas presenciais após a quarentena imposta por causa da covid-19, educadores relatam, de forma geral, comportamento mais agressivo ou problemas de convívio social em parte dos jovens. Conforme pesquisa do Instituto Península, com escolas públicas e privadas, em junho, mais de 70% dos professores relatam “dificuldades de relacionamento” das crianças e adolescentes.
Desde o fim de julho, o Estadão ouviu relatos sobre ameaças de atentados em escolas públicas e privadas brasileiras. Em um colégio particular em Alphaville, na Grande São Paulo, a mensagem escrita na parede de uma instituição era acompanhada por uma suástica nazista. Em outra tradicional escola privada da capital paulista, circulou no início de setembro a informação de que um aluno até teria armas separadas para um massacre.
No início do mês, a direção de uma escola estadual de Belo Horizonte, que atende alunos a partir de 11 anos, acionou as autoridades ao descobrir um perfil no Instagram que sugeria uma massacre no local.
Já em uma escola estadual no Acre, dois adolescentes andavam com facas, falaram a colegas sobre a intenção de praticar violência e, em mensagens trocadas entre eles, exaltaram o caso Columbine, de 1999, quando dois jovens fortemente armados mataram 12 colegas e um professor nos Estados Unidos, onde o problema de tiroteios em escolas são frequentes.
“Os alunos perderam vínculo com a escola. Depois de dois anos de pandemia, a escola passou a ser um território estranho e até hostil. Principalmente porque há pressão absurda para que recuperem num curto espaço de tempo, o que deveria ter sido feito num longo espaço”, diz Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP.
Na rede pública estadual de São Paulo, sete em cada dez alunos relataram sintomas de ansiedade e depressão durante a pandemia, segundo estudo da Secretaria da Educação em parceria com o Instituto Ayrton Senna.
Embora muitas das manifestações dos jovens sejam justificadas como brincadeiras ou falas sem intenção concreta, psicólogos fazem o alerta. “Quando temos uma coisa dessa no muro da escola, não podemos cruzar os braços e falar que não vai acontecer nada”, diz Luis Picazio Neto, psicólogo especializado em tragédias.
Picazio destaca a importância de incrementar a segurança da escola e também prestar treinamento aos professores e escolares sobre como lidar com atentados - indicar saídas de emergência e rotas de fuga, por exemplo.
As instituições ouvidas pela reportagem informaram que, como medidas, fizeram boletim de ocorrência e incrementaram a segurança interna e externa. Algumas também citam o acolhimento dos estudantes, com rodas de conversa e apoio de profissionais sobre saúde mental.
A Secretaria da Educação do Acre disse que os alunos foram identificados e os pais foram convocados. Já as pastas de São Paulo e de Minas destacaram que a orientação, em caso de ameaça, é a escola registrar BO e comunicar às autoridades de segurança pública.
No Acre, a pasta da Segurança destacou ter feito este mês capacitação sobre “situações de risco que envolvam estudantes”, para agentes do policiamento escolar. A pasta da Segurança Pública paulista, por sua vez, diz ter ampliado a ronda escolar em 20% desde julho.
Apesar de o aumento do policiamento ser uma ação emergencial necessária, ela não está no “cerne” da questão, de acordo com a psicanalista Miriam Debieux Rosa, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
“Quando aparecem, essas ameaças são analisadores de que a escola precisa repensar os seus canais de expressão. Há um mal-estar que está ganhando um canal de expressão nessa modalidade da agressividade", diz ela, que ajudou no atendimento da comunidade da Escola Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, onde o ataque de uma dupla de jovens acabou com dez mortos em 2019.
“Eu me lembro em Suzano que um dos meninos que falou: ‘Por que vocês vieram só agora?’”, exemplifica Miriam. “Esse menino queria dizer que muitas coisas violentas, que não levavam esse nome, estavam acontecendo. E o Estado, a escola e os agentes de saúde não conseguiram ver antes."
Silvia Colello pondera ainda que, em caso de detectar que um aluno ou grupo responsável por uma ameaça, o caminho inicial não deve ser o da “punição pela punição”, pois essa pode gerar mais violência. Se houver sanção, indica que seja reparativa - como limpar a mensagem escrita na parede -, em vez da expulsão ou suspensão.
O ideal, aponta, é chamar os responsáveis para o diálogo. “A tentativa da escola tem de ser justamente de entender o que sustenta aquela postura agressiva, para tentar negociar com eles.”
A educadora orienta que palestras e/ou rodas de conversa sejam oferecidas a todos os estudantes, com a mediação com especialistas em violência na escola e na sociedade. Os pais também devem ser comunicados, além de convidados a uma reunião para discutir como podem ajudar e sobre como se sentem em relação à ocorrência. “Escola tem que ser lugar de debate e de conscientização.”
Até que ponto levar a sério o que se vê nas redes sociais?
Em dezembro de 2021, conforme mostrou o jornal americano The New York Times, escolas dos Estados Unidos suspenderam aulas ou aumentaram a segurança após “avisos vagos de ameaças de tiro” que circulavam no TikTok. Segundo o Times, autoridades policiais disseram que elas não tinham credibilidade.
O Departamento Federal de Investigação (FBI) pediu que, ao se deparar com uma ameaça, as pessoas entrassem em contato com as autoridades. “Não compartilhe ou encaminhe a ameaça. Fazer isso pode espalhar desinformação e causar pânico”, orientou no Twitter.
Na época, a empresa responsável pela plataforma de vídeos curtos declarou que levou os rumores com “máxima seriedade”, investigou os casos, mas não encontrou nada. “O que encontramos são vídeos discutindo esse boato e alertando outras pessoas para ficarem seguras”, destacou.
No Brasil, a hashtags sobre o assunto tem milhões de visualizações. Os conteúdos vão desde usuários comentando sobre ameaças que suas escolas receberam e vídeos que relembram tragédias anteriores - como a de Suzano - até supostas dicas sobre como sobreviver a um atentado do tipo.
O problema da alta circulação desses rumores nas redes sociais é que podem servir de inspiração para outros que repitam isso, conforme a cientista de dados canadense Sherry Towers, referência em estudos que analisam os tiroteios em escolas dos EUA de uma perspectiva de contágio.
Ou seja: episódios no passado recente inspiram outros semelhantes. “Esses alunos, talvez socialmente à margem, podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas é divertido em suas mentes assustar as pessoas”, disse ao Estadão. “É difícil separar as ameaças da verdade.”
O TikTok destacou que as diretrizes “não permitem conteúdo que promova, normalize ou exalte atos perigosos, assim como conteúdos que promovam ou sancionem a participação coletiva em atividades perigosas ou prejudiciais.” Já o Twitter afirmou ter “regras e políticas para proteger as conversas de maneira abrangente, incluindo uma política contra ameaças violentas”.
O Instagram disse não permitir organizações ou indivíduos que anunciem uma missão violenta em sua rede. "Removeremos conteúdo, desativaremos contas e poderemos acionar as autoridades locais se notarmos um risco real de dano físico ou ameaça direta à segurança pública."
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