Alunos do Colégio Santa Cruz suspensos por bullying: até onde vai a responsabilidade das escolas?

Escola tradicional de São Paulo puniu 34 estudantes por suspeita de praticar bullying em grupo do WhatsApp e diz tomar mais providências; caso envolve ‘trote’ a novatos do 1º ano do ensino médio

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

A suspensão de 34 alunos do Colégio Santa Cruz, uma das escolas mais tradicionais de São Paulo, por suspeita de bullying em um grupo do WhatsApp e práticas violentas de “trote”, jogou luz no debate sobre qual é a responsabilidade das escolas em relação ao comportamento de seus alunos. Para especialistas, o problema envolve ações educacionais e de apoio às vítimas, assim como regras e punições claras.

O Colégio Santa Cruz informou, em nota, que “repudia qualquer forma de violência e lamenta profundamente que tais atos tenham ocorrido entre estudantes da escola”. Também comunicou que suspendeu os alunos agressores e está tomando medidas educacionais sobre o caso.

Escola em Alto de Pinheiros é uma das mais tradicionais de São Paulo Foto: Reprodução/Google Street View

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“A suspensão é uma interdição, uma forma de mostrar ao aluno que ele ultrapassou um limite, que o ocorrido é sério”, diz a professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Telma Vinha. “Também serve para a escola se mobilizar em relação ao ocorrido. Se os agressores permanecem na escola, isso pode ampliar o conflito”, diz.

Mas, “se a única consequência para os autores do bullying for o afastamento temporário, a escola perde a oportunidade de promover reflexão significativa, aprendizado e mudança de comportamento”, aponta Ana Carolina D’Agostini, psicóloga, pedagoga e gerente de educacional da Semente Educação.

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Como mostrou o Estadão, denúncias chegaram à direção doSanta Cruz sobre mensagens ofensivas trocadas em um grupo de estudantes no WhatsApp. Alunos mais velhos, do 2º e 3º anos, ofendiam alunos do 1º ano.

Conforme pais de alunos, as conversas contêm manifestações de racismo, homofobia e misoginia. Além disso, os mais novos estariam sendo forçados a ingerir bebida alcoólica, em uma espécie de “trote”, e ameaçados caso manifestassem interesse em sair do grupo. Relatos compartilhados entre os jovens também indicam que os estudantes mais novos eram obrigados a gravar vídeos de cueca.

O caso não é isolado. Pesquisa da plataforma Equidade.info, feita em 2024 com o apoio da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), mostrou que 24% dos estudantes do ensino básico, de colégios públicos e particulares do Brasil, foram vítimas de intimidação, esculacho ou humilhação por colegas nos últimos 12 meses. Meninas e alunos pretos, pardos e amarelos estão entre as principais vítimas.

Há um ano, foi sancionada a lei que inclui os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal. E, em junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria no plenário virtual para obrigar escolas públicas e particulares a combater casos de bullying e discriminação de alunos por seu gênero, identidade de gênero e orientação sexual.

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O Plano Nacional de Educação, que reúne metas e diretrizes de ensino para o País, também prevê a “erradicação de todas as formas de discriminação” no ambiente escolar.

De quem é a responsabilidade?

Para Ana Carolina, a pressão sobre as escolas em relação a casos de bullying, racismo, homofobia, entre outras violências, aumentou nos últimos anos, demandando que os educadores demonstrem medidas contra esse tipo de situação. Mas é preciso que essas medidas sejam tomadas com foco no bem-estar da comunidade escolar, no aprendizado e no combate ao preconceito. Ou seja, não pode envolver apenas a punição e exclusão dos agressores.

“Essa pressão vem não apenas das novas legislações, mas também dos próprios alunos e famílias, já que as redes sociais amplificam o impacto desses episódios, tornando impossível para as escolas ignorá-los”, diz Ana Carolina, também coordenadora pedagógica do Instituto Ame sua Mente.

De acordo com Telma, da Unicamp, a responsabilidade em relação a comportamentos agressivos dos jovens deve ser compartilhada entre o colégio e a família. Isso vale para quando esse comportamento ocorre dentro do ambiente escolar, mas também para situações fora da escola, incluindo as redes sociais.

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“Não cabe discussão sobre de quem é a responsabilidade, porque é responsabilidade de todos“, diz a pedagoga. ”Quando algo assim ocorre, é um alerta forte de que tanto as escolas como as famílias precisam se implicar em relação ao comportamento dos jovens. Não em relação à punição, mas ao fato de que violaram os limites, não sabem quais são os limites”, afirma Telma.

Qual a conduta ideal das escolas em caso de bullying?

As especialistas ouvidas pelo Estadão defendem um conjunto de medidas contra casos de bullying, racismo, homofobia, misoginia, entre outras violências. Essas medidas, segundo elas, começam na prevenção, com promoção de debates e uso de materiais educativos sobre a história por trás desse tipo de pensamento, o impacto nas vítimas e a legislação vigente.

Já quando surge um caso de violência e ele é comprovado, sugerem tomar medidas de interdição, como a suspensão do aluno das atividades por tempo determinado - já a expulsão não é recomendada, pois é vista como uma isenção da escola em relação à sua responsabilidade de reeducar os jovens que cometeram as ofensas.

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Em paralelo, o colégio deve promover a escuta das vítimas e fazer rodas de debate sobre o episódio, conscientizando os demais alunos e ensinando como é possível agir em casos similares, dando apoio às vítimas e reprovando o comportamento dos agressores.

“Conversas individuais, apoio emocional aos envolvidos, responsabilização sem humilhação pública e programas de educação socioemocional”, diz Ana. “Os programas de educação socioemocional são fundamentais para lidar com a violência na escola e prevenir reincidências, sobretudo com foco no desenvolvimento de competências da família da amabilidade (empatia, respeito e confiança)”, afirma a psicóloga.

A professora da Unicamp defende o método de preocupação compartilhada, em que os educadores chamam os agressores individualmente para conversar, repetidamente, para garantir que eles estão refletindo sobre o ocorrido. “Se você atua com grupo é difícil, porque o grupo se protege”, explica.

“É preciso chamá-los individualmente, entender se têm consciência do que fizeram, de que não era apenas uma piada, mas uma agressão, e perguntar o que pretendem fazer para que não ocorra novamente”, diz Telma. “Muitas vezes, os adolescentes não sabem diferenciar o que é piada, brincadeira, de uma violência. Por isso, é preciso dar nome ao episódio e garantir que entendam que ultrapassaram um limite.”

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Educação digital precisa ser debatida

As especialistas apontam, ainda, que é preciso ensinar os jovens a utilizar as redes sociais e grupos de conversa de maneira consciente, desenvolvendo uma “convivência ética no ambiente digital”, nas palavras de Ana Carolina.

Uso ético das redes sociais é tema que deve ser debatido na escola, segundo especialistas. Foto: Rawpixel/Adobe Stock

“Não é porque são nativos digitais, que eles são sábios no (universo) digital. É preciso trabalhar isso sobre respostas impulsivas, das marcas digitais que ficam para sempre.”, diz Telma. “Eles precisam aprender que, no digital, não há espaço privado. Mesmo em um grupo fechado, é possível ter um print que se torna público”, explica.

Recentemente, o uso de celulares em sala de aula foi proibido no Brasil. Mas isso não quer dizer que tenha cessado a influência do universo digital no ambiente escolar. “A escola precisa falar sobre isso, pois é um tema importante para os jovens, para prepará-los para o mundo”, acrescenta Telma.

Escola é responsável pelo grupo de WhatsApp dos alunos?

Do ponto de vista jurídico, a advogada Renata Yumi Idie, sócia na área de tecnologia, privacidade e proteção de dados do escritório Daniel Law, opina que os grupos de WhatsApp só podem ser considerados como extensões do ambiente escolar caso tenham sido criados pela escola. E estejam sob a gestão dela.

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“O que vemos geralmente é que os grupos são criados por iniciativa dos próprios alunos. Se o bullying é praticado nesses grupos, não há responsabilidade da escola”, afirma. “Mas isso não impede que o colégio adote medidas disciplinares se tomar conhecimento de que situações de bullying nesses ambientes”.

Este é o mesmo entendimento do advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em Direito Digital. “O ambiente virtual, fora do ambiente escolar, é livre. É impossível que a escola controle esse ambiente. Mas ela pode sim, de maneira pedagógica, tentar combater ou diminuir esses problemas, mesmo que não sejam de sua responsabilidade direta”.

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