Os últimos dias de aula antes do fechamento das escolas e universidades por causa da pandemia do novo coronavírus, ainda no mês de março, foram marcados por vários sentimentos entre os alunos: incerteza, incredulidade, medo de contaminação e uma esperança de que tudo se resolveria em algumas semanas. Ninguém sabia direito o que era covid-19 e a palavra pandemia foi inserida abruptamente no cotidiano das pessoas. Depois de quase sete meses sem aulas, a saudade da vida estudantil é o sentimento mais comum entre alunos de escolas públicas e privadas de regiões distintas de São Paulo ouvidos pelo Estadão. Tem gente até com vontade de acordar cedo.
O fim da saudade vai seguir cronogramas diferenciados. Algumas escolas recomeçam as aulas nesta quarta-feira, dia 7; outras decidiram aguardar mais uma semana e voltam apenas no dia 13 e a rede municipal só retorna em novembro. Existem instituições, como as universidades estaduais, por exemplo, que só vão retomar as aulas presenciais no ano que vem.
As lembranças específicas do dia da despedida antecipam o cenário de angústia que se instalaria nas instituições de ensino por causa da quarentena. O primeiro impacto foi a imagem das salas vazias, conta Manuela Nahas, estudante do 3º ano do Ensino Médio. "Poucas pessoas foram à escola e as salas estavam vazias. Muita gente ficou no pátio, conversando e tentando entender a situação", diz a aluna de 18 anos do Colégio Nossa Senhora das Graças, no Itaim Bibi, zona oeste, que retoma as aulas no dia 13.
Aluna do 9º ano da Escola Municipal do Ensino Fundamental Raimundo Correia, em São Miguel Paulista, na zona leste da cidade, Raissa afirma que as pessoas foram "sumindo" aos poucos. "Pouca gente foi no último dia. As pessoas já estavam com medo. Os professores disseram que haveria aula no outro dia, mas falaram que não era bom para a gente ir porque era muito perigoso", diz a aluna de 15 anos. "Eu me lembro que a professora estava resfriada e não queria que ninguém chegasse perto dela. Ela estava com muito medo".
Giovanna Laroca Ciambra, outra aluna do último ano do Ensino Médio, diz que tudo parecia irreal. "Nada parecia verdade. Eu percebia todo mundo pensativo, só incertezas, inclusive entre os professores", diz a integrante do Colégio Equipe, também na zona oeste. "A última aula que tive foi de inglês. A professora botou músicas dos anos 80, falou sobre a adolescência dela no interior e disse para a gente não deixar o medo nos dominar", relembra a estudante que também voltará às aulas na semana que vem.
Os relatos individuais estão inseridos na luta das autoridades contra a pandemia nas escolas. Em todo o Brasil, cerca de 44 milhões de crianças e adolescentes tiveram de deixar as salas de aula. Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) definiu a interrupção gradual das aulas na rede estadual no dia 16 de março. Foi o sinal vermelho para o funcionamento de 5,1 mil escolas que atendem 3,5 milhões de alunos. O governo recomendou a adoção da medida pelas escolas particulares para reduzir a circulação de pessoas e prevenir a transmissão do novo coronavírus.
Após cerca de seis meses, o retorno às escolas começou no dia 8 de setembro com atividades de reforço e acolhimento em alguns colégios da rede estadual e em instituições particulares nos municípios que autorizaram a reabertura. A previsão de retorno das aulas presenciais com conteúdo pedagógico é dia 7 de outubro, quarta-feira. No caso da capital, a Prefeitura de São Paulo autorizou a volta às escolas, tanto na rede pública quanto particular, na mesma data, mas só com atividades extracurriculares, como esportes, música e línguas. O retorno presencial está previsto para 3 de novembro.
A volta é polêmica. Delimitado por dezenas de medidas sanitárias, o retorno é considerado importante por especialistas em educação para garantir a aprendizagem e evitar a evasão. Essa retomada, porém, sofre resistência por parte dos pais e dos professores, além de uma parcela dos médicos, que vê risco de aumento do contágio. Há ainda a pressão das escolas particulares, principalmente as de educação infantil, que registram queda nas receitas.
Universidades
As principais lembranças dos estudantes universitários se referem à interrupção no processo de formação. A estudante de Direito Náryma Sanchez de Almeida, de 19 anos, nem chegou a ter o último dia de aula no câmpus da Mooca da Universidade São Judas. "Eu percebia muitas pessoas assustadas. Várias instituições discutiam a paralisação, mas não sabíamos que seria tão rápido. Numa segunda-feira, as aulas foram paralisadas", conta a aluna do 4º semestre. "Embora as aulas on-line sejam de qualidade, sinto muito falta das aulas presenciais".
Aos 21 anos, Gibson Souza, aluno do 8º semestre de Enfermagem da Universidade Anhembi Morumbi, teve de interromper o estágio obrigatório nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Ponte Rasa, Reunidas e em Teotônio/Planalto. As atividades foram retomadas no fim de setembro e a reposição será feita no início do ano que vem.
A retomada nas universidades está indefinida. As principais instituições estaduais (USP, Unesp e Unicamp) iniciaram um retorno gradual a partir das atividades administrativas e de pesquisa. Na USP, as aulas de graduação e de pós-graduação no segundo semestre continuarão a ser ministradas de forma remota, medida que deve ser adotada pelas demais. A PUC informa que "ainda não tem uma definição sobre a data de retomada das atividades presenciais". Já a Universidade Mackenzie enviou uma nota indicando que "está retornando de forma escalonada com as aulas práticas/laboratoriais".
Saudade
A palavra "saudade" surge em praticamente todos os relatos dos estudantes, sejam universitários ou do Ensino Médio. "Sinto falta de estar perto das pessoas, das atividades em grupos, de rir e conversar. Sinto falta de pequenas coisas, até daqueles alunos que falam demais quando respondem a uma pergunta em sala", brinca Enzo Simonato de Almeida, 17 anos, aluno do 3° ano do Ensino Médio no Centro Educacional Pioneiro, na zona sul, e que ainda não tem uma data definida para voltar às cadeiras da escola.
Alguns estudantes sentem falta até de acordar cedo, pequeno "drama" para os adolescentes. É o caso da Manuela Nahas. Ela gostava de acordar às 6h30 para que a mãe a levasse de carro até o colégio, distante 15 minutos do seu endereço no Jardim Paulista. "Gosto muito do ambiente escolar", diz a estudante de 18 anos que participava do grêmio estudantil, coletivos e grupos de teatro da escola. Raissa concorda. Ela acordava às 5h45 para se arrumar com calma e caminhar por uns 20 minutos até a escola em São Miguel Paulista. Os portões se fechavam às 7h10. Sem as aulas presenciais, ela acorda por volta do meio-dia.
"Na situação que vivemos hoje, oposta à nossa rotina, nós vivemos de reminiscências boas e ruins. Os fatos negativos passam por um filtro depois de algum tempo e chegam para nós de forma amainada", diz Gerson de Moraes, filósofo e professor da Universidade Mackenzie.
O pensador aposta que esse fenômeno vai se repetir com a própria pandemia. "Hoje, existe grande insatisfação com o isolamento. Com o tempo, nossa memória deverá construir uma narrativa mais positiva, com as coisas novas que fizemos, por exemplo. Isso deve acontecer por meio de flashes e também pela memória coletiva, as lembranças compartilhadas que ajudam a formar a memória individual."
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