Análise de universidade federal contesta reorganização escolar

Para professores da UFABC, estudo que deu base à proposta carece de elementos científicos que comprovem eficácia

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SÃO PAULO - O estudo que teria motivado a reorganização da rede estadual de São Paulo não apresenta elementos científicos para fundamentar, "nem sequer sugerir", que implementar escolas estaduais com uma única etapa de ensino implica melhorias no desempenho escolar. Essa é uma das conclusões de análise feita por professores da Universidade Federal do ABC (UFABC) sobre o documento da gestão Geraldo Alckmin (PSDB). A avaliação foi realizada a pedido do Ministério Público Estadual.

O estudo feito pela Secretaria Estadual da Educação para dar base à reforma da rede, transformando 754 escolas em unidades de ciclo único, foi revelado pelo Estado no mês passado. Além de fechar 93 escolas, o projeto vai forçar a transferência de 311 mil alunos. O documento estadual não chegou a ser divulgado oficialmente e foi obtido pela reportagem por meio da Lei de Acesso.

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Na análise dos autores ligados à UFABC, questiona-se o fato de que apenas o Índice de Desenvolvimento da Educação paulista (Idesp) de 2014 tenha sido levado em conta. Também é questionada a falta de debate anterior - um dos motivos das ocupações em 194 escolas. A Secretaria da Educação afirma que outras variáveis foram usadas.

A avaliação cita pontos teóricos e metodológicos que demonstrariam a fragilidade do documento. "O estudo desconsidera variáveis importantes segundo a literatura da área", aponta a avaliação. "Não é feito nenhum tipo de controle, qualitativo ou estatístico, para efetuar a comparação das escolas exclusivas e não exclusivas (de ciclo), comprometendo ainda mais as ilações feitas."

Segundo o professor de políticas públicas Marcos Vinicius Pó, um dos autores, não é possível concluir que a divisão por ciclos reflete em melhoria de desempenho. "É uma política de grande porte, que mexe com população enorme, em um sistema complexo. Vale a pena melhorar o debate", diz.

MPE O promotor João Paulo Faustinoni e Silva, do Grupo de Educação do MPE, diz que esse posicionamento se soma a outras manifestações, que apontam no mesmo sentido. "Os documentos mostram que a condução da reorganização foi absolutamente inadequada", diz. As Faculdades de Educação de USP, Unicamp e Unifesp já divulgaram repúdio ao plano.

A consultora em Educação Ilona Becskeházy avaliou o documento da secretaria e a crítica produzida pela federal. "A análise da UFABC, com esse detalhamento, desqualifica os argumentos (do governo) de todo o processo, que não é suficientemente transparente nem cientificamente embasado", afirma. "Esse debate é uma lição para os políticos. Não dá mais para fazer política pública sem achar que isso não será detalhado pela população e pelas pessoas que estudam o tema."

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De acordo com a professora Cleide Bochixio, coordenadora de Gestão de Recursos Humanos da Secretaria da Educação, outras variáveis foram analisadas, mas ela não soube dizer por que não aparecem no estudo.

"O número de alunos, espaços não ocupados, situações do prédios e a otimização de professores foram analisados. Também analisamos as evidências internas, no aspecto pedagógico, mas talvez o que foi escrito não levou em conta todas as discussões que a secretaria fez ao longo do ano", afirma. "A gente analisa as evidências internas que temos. Nosso papel no executivo é diferente da academia, que tem todo tempo do mundo."

O professor da UFABC Salomão Ximenes, que também assina a análise, afirmou que a avaliação tem objetivo de qualificar o debate e mostrar para o MPE e Defensoria que há essas lacunas. "Ficamos indignados com a péssima qualidade técnica do estudo que está por trás de uma política desse tamanho, que desloca 311 mil alunos. Para tomar uma decisão dessa magnitude, tem de se considerar aspectos técnicos", diz Ximenes, que atua também na Ação Educativa. O governo previa para esta terça a publicação de decreto que definirá regras do projeto. 

Leia abaixo o estudo da UFABC: